Os melhores de nós
Refiro-me, por acaso, aos chefes de Estado e de Governo que desfilaram perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, numa procissão ritual com que se marca anualmente a rentrée política internacional?
Refiro-me aos nomes listados pela revista Forbes, segundo o critério matemático dos respectivos milhões ou biliões?
Refiro-me aos futebolistas mais populares ou a outros desportistas de alta competição que, perfeitos no corpo que modelam com persistência, durante anos de treino aturado, sobem aos pódios para receberem medalhas e demais galardões? Não a esses exactamente.
Alguns, políticos ou desportistas, merecerão certamente estar entre os melhores de nós. Sem os por em causa, é diversa a minha intenção e diferente, portanto, o ângulo de visão.
Os melhores de nós são, para mim, os que levam mais longe os ideais da humanidade. Da HUMANIDADE. Pode ser esta uma vaga referência ao que de mais caro nos une. Mas a ideia é facilmente captada, estou certo.
Vi esses ideais de auto-superação e generosidade expressos de forma completamente diversa em dois acontecimentos recentes da vida internacional. Nos líderes religiosos que rezaram em Assis. E nos atletas para-olímpicos que foram ao Rio demonstrar o que vale a força do espírito, para ultrapassar as debilidades, as enfermidades do corpo.
Tão diversos são esses dois exemplos que só as ideias de excelência e de sacrifício as reúnem, pelo menos na minha mente.
Encontro Ecuménico de Assis
O último encontro ecuménico de Assis, de Setembro último, na sequência aliás dos que ocorrem desde há trinta anos, inaugurados por João Paulo II, teve como tema fundamental a paz, mas com a atmosfera fortemente carregada pelos conflitos mais recentes – que todos os dias a violam.
Em Assis, nunca as preocupações pela paz são ideia abstracta, mas estão intimamente ligadas ao que vai acontecendo concretamente pelo mundo.
Encontro de líderes das maiores religiões do mundo, e fortemente marcados pelo espírito de comunhão na espiritualidade, os encontros de Assis são sempre leituras do nosso tempo, mas de outra maneira: não como jogos de poder que se escalpelizam e decifram, mas como exercícios de partilha das mais básicas aspirações da humanidade, estando a paz no topo da lista.
O mundo é então visto às avessas, de baixo para cima, a partir dos pobres que sofrem, dos civis bombardeados, dos refugiados que procuram a paz e a segurança. E não dos poderes que os punem, os humilham, os maltratam.
Pelo tempo de um breve encontro, as capitais do mundo não são os palácios onde se exerce tal poder, mas as ruas onde muitos dormem sem tecto. Ou as frágeis embarcações onde centenas e centenas naufragam. Ou o arame farpado onde desembocam, no fim da sua jornada pela Europa.
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Este ano o Papa Francisco como que antecipou uma das várias mensagens fortes do evento declarando, numa das missas da Casa Santa Marta, na sua breve homilia lembrando o martírio do padre Hamel de Rouen – que matar em nome de Deus é satânico.
E repetiu a ideia: satânico. Com a firmeza como que o fizera noutra ocasião, a propósito do crime organizado, em que a excomunhão foi pronunciada sem apelo nem agrado. A violência por Deus tem afinal outro senhor. Como, noutro plano mas como ofensa também à pessoa humana, a actividade mafiosa de senhores sicilianos e outros.
E lembraria que Deus é fonte de vida e não inspiração para a destruição e morte. Se não, estaria a negar a Sua própria Criação.
Estava assim mais uma vez condenada, em termos absolutos e sem equívocos, a pseudo-motivação religiosa do terrorismo islamista. (Repare-se que não digo “islâmico”, pois está feita há muito a distinção do que é da área da política e do poder, por um lado; do que pertence á Fé sincera de milhões de crentes, por outro).
Os outros líderes religiosos condenariam, nas suas sucessivas mensagens e no mesmo tom firme, a violência gratuita que domina a nossa época, escraviza milhares de pessoas e mostra, quase em caricatura, o modelo opressivo da organização social e política que não pode mais existir: a que o ISIS quer construir com decapitações, raptos, violações, medo etc. etc. etc.
Rabinos, imãs, monges budistas, representantes hindus, além de cristãos de diversas denominações, partilhariam as suas reflexões com o claro desejo de que as suas mensagens saíssem dos apertados muros de Assis, traduzidas num único voto para o mundo. E o compromisso para a paz foi entregue às crianças de todo o mundo, para que o assumam como seu e o difundam também.
Mas sabe-se que a tragédia que é o ISIS encontrará o seu momento de verdade num grande – e último? – confronto que há meses se prepara: a cidade iraquiana de Mosul, tomada pela organização terrorista em 2014. Mais vítimas inocentes morrerão, mais atrocidades serão cometidas. Como último preço a pagar – esperam muitos – para que se comece a construir a paz.
Centenas de histórias por contar
Jogos Para-Olímpicos: centenas, milhares de heroísmos, a que só os protagonistas darão o seu real valor.
Fui ouvindo, quase distraidamente, pela rádio, os resultados dos atletas por disciplina olímpica, mas quando via as imagens dos participantes e dos vencedores a emoção vinha à tona.
É preciso muita coragem para transformar em asas, pesadas cadeiras de rodas! E transformar em águias os corpos que as circunstâncias fizeram deformados. Em águias que conquistam céus – porque só a terra claramente não lhes basta!
De repente detenho-me para ouvir a história de atletas dos países pobres, onde a excelência dos equipamentos e das instalações para treino são substituídas por vontade ainda maior de progredir e vencer.
As sextas-feiras do Papa Francisco
À espera de um milagre? Ou apenas de um sorriso e de uma carícia? São estas algumas das expectativas de quem, nos sítios mais imprevistos da capital italiana, recebe a visita do seu bispo, todo vestido de branco.
Os média não sabem, o improviso é notório, mas no improviso que é a maior parte da vida, Jorge Mario Bergoglio vai ao encontro dos outros, fora dos muros do seu pequeno reino que nem sempre reflecte, sabe-o, as dores do mundo.
Carlos Frota
Universidade de São José