A Procuradora-Geral da República Portuguesa, Joana Marques Vidal, esteve em Macau para encontros ao mais alto nível, procurando minimizar a onda de choque provocada junto das autoridades da RAEM e de Pequim com a recente decisão de fazer regressar a Portugal magistrados com larga experiência em Macau.
Joana Marques Vidal apresentou-se no território disposta a negociar uma solução que permitisse a permanência de magistrados portugueses na RAEM, como se estivesse a fazer um favor a Macau e a Pequim, quando na realidade é Portugal que mais tem a ganhar com a continuidade dos seus homens de leis, pois a estratégia do País nesta parte do globo também passa pelo reforço da sua presença nos órgãos de decisão jurídica.
Da boca da Procuradora-Geral ouviu-se que o Ministério Público de Portugal (MP) está na disposição de enviar magistrados pelo prazo de quatro anos, podendo a comissão de serviço ser renovada por mais quatro anos. É preciso desconhecer a realidade de Macau para pensar que quatro anos de serviço no Ministério Público da RAEM é suficiente para deixar obra feita, pois – diz quem sabe – esse é o tempo mínimo necessário para começar a compreender a complexidade do território nas suas diferentes vertentes.
À semelhança da maioria dos governantes portugueses, Joana Marques Vidal demonstrou ignorar a realidade de Macau, prestando um mau serviço ao País na hora de negociar com a China. Nada que não se tivesse evitado com uma permanente troca de informações entre Lisboa e Macau. Para tal há agentes em número suficiente e evitavam-se vergonhas.
Infelizmente, nas declarações que prestou aos Órgãos de Comunicação Social, a Procuradora-Geral não foi “apertada” a ponto de revelar o que está por detrás de todo o imbróglio em que se encontra a cooperação jurídica entre Portugal e a RAEM.
As razões prendem-se essencialmente com a necessidade de agradar aos interesses instalados no seio do MP, com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público à cabeça, sendo actualmente a entidade que mais influência exerce no Conselho Superior do Ministério Público (CSMP).
A crise económica em que Portugal está mergulhado há vários anos tem aguçado o apetite dos magistrados do MP por Macau, ou melhor, pelas condições salariais e benesses auferidas na RAEM.
A longa permanência de alguns quadros em Macau é um entrave à vinda de novos magistrados para o território, o que levou à decisão do CSMP em promover a rotatividade dos seus pares, depois de pressionado por elementos afectos ao Sindicato com a ideia de trabalharem no Ministério Público da RAEM.
Assim se explica as pressões exercidas sobre alguns magistrados que se encontram actualmente em Macau, cuja vontade de continuarem no território tem levado a algumas retaliações, como a suspensão da progressão na carreira, ou a interrupção da contagem de tempo de serviço para efeitos de reforma.
A ânsia de agarrar um lugar em Macau tem sido tanta que o CSMP não ponderou os pós e os contras no momento de fazer regressar a Portugal o ex-procurador-adjunto do Ministério Público da RAEM, Vítor Coelho, com o argumento da falta de magistrados no País.
Pois a carência era tanta que Vítor Coelho ficou semanas à espera de colocação, indo parar a Guimarães – a pedido do próprio – por forma a poder ficar perto da cidade do Porto onde tem residência.
A falta de sentido de Estado foi tanta que, para além do incidente diplomático causado, começou-se a pagar a um magistrado sem que estivesse em funções, com grave prejuízo para o erário público e para a própria estabilidade emocional do funcionário.
É compreensível que Joana Marques Vidal tenha de agradar a quem contribuiu para que chegasse ao topo do MP, sabendo-se de antemão que os sindicatos, os partidos políticos e todos quanto deles dependem são quem promove ou destitui os líderes. No entanto, há que ter sentido de Estado e perceber que os interesses de Portugal devem estar acima dos interesses corporativos e pessoais, havendo neste caso em concreto uma presença lusa na RAEM que deve ser defendida, pois muito contribui para a estratégia do País na Ásia.
A terminar, uma última palavra para o Primeiro-Ministro de Portugal, António Costa. É verdade que a divisão dos poderes é um dos paradigmas da Democracia. Também o defendo e promovo. Contudo, embora não caiba ao Primeiro-Ministro decidir o futuro dos magistrados do MP – uma competência reservada ao CSMP – deve aconselhar quem de direito sobre os males que podem advir de decisões precipitadas, cujos efeitos nefastos podem levar anos a reparar (quando reparáveis…). Que se saiba, António Costa tem-se mantido bem à margem, mais uma vez não dignificando o lugar que ocupa.
José Miguel Encarnação
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