Em prol de uma cultura de paz
Depois de uma longa experiência de vida numa região marcada por actos de grande violência e conflitos armados entre forças rebeldes e tropas governamentais – estamos a falar da conturbada ilha de Mindanau, no Sul das Filipinas – e inspirado “pelo diálogo de Deus com pessoas de todas as culturas e religiões”, o italiano Sebastiano D’Ambra, padre da congregação PIME (Pontifício Instituto para as Missões Estrangeiras), juntamente com um grupo de amigos muçulmanos e cristãos, fundou, a 9 de Maio de 1984, na cidade de Zamboanga, o Movimento de Diálogo Silsilah. A palavra árabe “silsilah”, que significa literalmente “corrente” ou “elo”, era (e é ainda) usada pelos místicos muçulmanos para descrever o processo pessoal de “aproximação ao Divino”.
Assim, “silsilah” serve de chave e mote inspirador ao que se pretende: juntar muçulmanos e cristãos (e pessoas de outros credos) numa visão e missão comuns em prol do diálogo e da paz. Ao reconhecer a singularidade de cada religião, as pessoas são convidadas a encetar “um processo de crescimento espiritual através da descoberta do constante diálogo de Deus com a humanidade”. Trata-se, na verdade, de um apelo a uma vida em diálogo constante testemunhando a presença de Deus na pluralidade das culturas e religiões. Ao longo de décadas, graças aos muitos cursos de Verão e seminários, entretanto efectuados, o Movimento de Diálogo Silsilah formou milhares de muçulmanos e cristãos, tendo havido grande preocupação em chegar a todos, sobretudo às crianças através de iniciativas nas escolas primárias e creches dos bairros mais pobres de Zamboanga. É nesse contexto que surge a iniciativa “Tulay Bata”, abordagem educacional que convida os mais jovens a implementar quatro pilares do diálogo – diálogo consigo mesmo; diálogo com os outros; diálogo com a Criação (a natureza e os animais); e, finalmente, diálogo com Deus – e simultaneamente capacita os pais a serem agentes activos na formação espiritual dos seus filhos.
O Movimento de Diálogo Silsilah comemora este ano 36 anos de existência e, entre as suas experiências formativas, continua a oferecer um curso básico de um mês e um curso intensivo de uma semana para pessoas de diferentes religiões e nacionalidades que queiram aprender e praticar a “cultura do diálogo, uma experiência essencialmente de natureza espiritual”. Todos os participantes e membros do Movimento de Diálogo Silsilah, cientes “deste nosso mundo marcado por divisões e conflitos, crises socioeconómicas e ecológicas, preconceitos religiosos e culturais”, comprometem-se a viver a sua Fé com “sinceridade, amor e compaixão para com os demais”, buscando permanentemente a via do diálogo, apreciando a diversidade das culturas, crenças e tradições religiosas, para que juntos possamos agir “na protecção e cuidado da nossa casa comum”.
Recorde-se que a ilha de Mindanau, principal lar da minoria muçulmana filipina (cerca de seis milhões de pessoas), é há muito palco de combates entre o exército filipino e diversos grupos rebeldes. A 9 de Setembro de 2013, cerca de cem militantes armados do MNLF (Frente Nacional de Libertação Moro), rompendo um acordo de paz assinado com o Governo de Manila em 1996, entraram em Zamboanga e fizeram reféns trinta civis, usando-os depois como escudos humanos. Como resultado dos confrontos que se seguiram com as forças governamentais, seis dessas pessoas morreram e as outras 24 ficaram feridas. Como sempre, a Igreja Católica local, pela voz de D. Crisologo Manongas, o então Administrador Apostólico da Arquidiocese de Zamboanga, manifestou a sua indignação e fez um apelo aos líderes do MNLF para que não envolvessem os civis inocentes nas suas reivindicações políticas e depusessem as armas, pois com elas nada resolveriam. Entretanto, centenas de deslocados encontraram refúgio nos edifícios públicos e nas igrejas da Arquidiocese, que prontamente abriram as suas portas. Como D. Crisologo Manongas lembrou na altura à agência noticiosa FIDES, «este não é um conflito religioso, mas sim político. Não existe animosidade entre muçulmanos e cristãos».
A MNLF acusava o Governo de ter “violado” o acordo de 1996 ao negociar abertamente com um grupo rebelde rival, a Frente Moro de Libertação Islâmica (MILF).
Mindanau, com uma população de 24 milhões, tem um historial de quatro séculos de resistência Moro contra forças externas, e o conflito com o Governo central dura desde o final dos anos 1960. O Novo Exército do Povo está activo em todo o País e o terrorista Estado Islâmico mantém-se como a principal ameaça em Mindanau. O cerco à cidade de Marawi em 2017, na província de Lanao del Sur, foi uma batalha de cinco meses entre combatentes pró-Estado Islâmico e militares filipinos, e dela resultaria uma vaga de quatrocentos mil refugiados. O estabelecimento da Região Autónoma de Bangsamoro em Mindanau (BARMM), em Março de 2019, seria um passo importante para a resolução de conflitos, embora os auto-denominados Combatentes da Liberdade Islâmica de Bangsamoro e o tristemente célebre Grupo Abu Sayyaf, ligado ao Estado Islâmico, continuem a recusar depor as armas.
Joaquim Magalhães de Castro