MOÇAMBIQUE: DIOCESE DE PEMBA NO CENTRO DO TERROR JIHADISTA

MOÇAMBIQUE: DIOCESE DE PEMBA NO CENTRO DO TERROR JIHADISTA

«A situação está catastrófica»

Desde Outubro de 2017 que a região de Cabo Delgado, no Norte de Moçambique, está sob ataque de grupos terroristas que reclamam pertencer ao Daesh, o tenebroso Estado Islâmico. Os ataques sucedem-se numa espiral imparável de violência. Há pessoas decapitadas, homens, mulheres e crianças raptadas, vilas e aldeias que caíram nas mãos dos jihadistas. A Igreja pede ajuda. A Fundação AIS em Lisboa lançou uma campanha de solidariedade.

A missão da congregação de La Salette, em Muidumbe, foi atacada no fim de Outubro por grupos armados. O padre Edegard Júnior, de sessenta anos de idade, está em Pemba. É na cidade de Pemba, onde se encontram quase todos, que chegam as notícias. O padre Edegard vai recolhendo informações, histórias de pessoas em fuga, gritos de angústia. É dramático. Ao telefone com a Fundação AIS em Lisboa, este missionário saletino brasileiro vai dando conta das últimas histórias. São relatos assustadores. «Há muitas mortes, pessoas decapitadas, pessoas raptadas… A aldeia onde nós moramos chama-se Muambula e foi atacada no dia 30 de Outubro. Os insurgentes continuam lá, eles dominam essa região e estão a queimar muitas casas, há muita gente assassinada…».

NADA ESCAPOU

A destruição é imensa. A aldeia já tinha sido palco de violência por parte destes grupos terroristas em 7 de Abril. Agora, terá sido bem pior. Segundo os relatos que vão chegando das pessoas em fuga, «toda a infraestrutura da missão está danificada», afirma o padre. Nada escapou. Nem a igreja, nem a rádio comunitária, nem a casa das irmãs que também ali tinham a sua missão. «Este é um sofrimento que dura já há três anos». Toda a zona de Cabo Delgado está praticamente afectada. O cenário é desolador. «Nas aldeias não tem mais ninguém. Todos têm medo e eles [os terroristas, que reivindicam pertencer ao Daesh, o Estado Islâmico]estão muito violentos nestes ataques. Então, as pessoas estão ou no mato ou já conseguiram chegar a alguma cidade…». A única excepção a norte é a cidade de Mueda onde o exército moçambicano tem um aquartelamento. «Todas as outras [povoações]estão totalmente abandonadas. A ajuda humanitária não dá conta [não consegue atender todos os pedidos]de lonas, barracas, remédios, alimentação. A situação está a ficar catastrófica», sintetiza o padre brasileiro.

«NÃO AGUENTAMOS»

Nos últimos dias, Moçambique saltou para as primeiras páginas dos jornais por causa do massacre de cerca de meia centena de pessoas. Terão sido todas decapitadas. O horror parece não ter limites. A irmã Blanca Nubia Zapata faz um relato semelhante de violência e morte. Esta religiosa, que pertence à Congregação das Carmelitas Teresas de São José, fala de pessoas em situação desesperada que chegam todos os dias à cidade de Pemba. «Nas últimas duas semanas, chegaram aqui mais de doze mil pessoas», explica a religiosa. «Não aguentamos. Estão a chegar mulheres e crianças, e pessoas mais velhas que andam há dias. Alguns morreram no caminho, nas estradas e nos trilhos florestais». A irmã Blanca faz questão de explicar que «não se pode imaginar como são as nossas “estradas”… é terrivelmente difícil andar por estes trilhos, e através do campo, três ou quatro dias a fio sem comida, sem água, carregando nas costas os filhos… Há mulheres que deram à luz na estrada…». Todos os relatos têm o mesmo denominador: violência, terror, morte e pessoas assustadas e em fuga. O relato da irmã carmelita traduz toda a impotência da Igreja face à dimensão desta tragédia humanitária. «Estamos a fazer tudo o que podemos. Muitas vezes não podemos fazer mais do que ouvir, perguntar como se sentem e ouvi-las. Deixaram tudo para trás, na esperança de escapar com as suas vidas. Tudo o que querem fazer é fugir de lá… estão simplesmente aterrorizados».

É DIFÍCIL PERCEBER

O padre Kwiriwi Fonseca, um dos responsáveis da comunicação da diocese de Pemba, diz à Fundação AIS que «esta situação é difícil de explicar». No princípio, quando os ataques começaram, ou mesmo no início deste ano, registava-se uma ausência de capacidade de resposta das autoridades. O próprio bispo de Pemba o afirmou em Janeiro à Fundação AIS. Mas agora, faz questão de notar o padre Fonseca, «existe um grande envolvimento das forças de segurança». Mas, mesmo assim, os ataques continuam e os grupos terroristas aparentam manter a sua capacidade operacional mesmo depois de terem sido veiculadas notícias pelo exército de que dezenas de insurgentes teriam sido eliminados. «É difícil entender», diz o responsável de comunicação da Diocese ao telefone com a AIS em Lisboa. «Estamos inquietos… onde eles acham tanta força?».

«MENDIGAMOS SOLIDARIEDADE»

Desde que os ataques tiveram início, em Outubro de 2017 até hoje, calcula-se que terão já morrido mais de duas mil pessoas e haverá, segundo a estimativa do padre Edegard, cerca de «quatrocentos mil deslocados internos». São números inquietantes. Há cerca de duas semanas, o bispo de Pemba, D. Luiz Lisboa, acompanhou uma acção da Cáritas na praia de Paquitequete, um subúrbio da cidade. A praia passou a ser ancoradouro dos barcos que transportam os deslocados. Em poucos dias, chegaram mais de dez mil pessoas. Muitos destes deslocados tiveram de ficar na própria praia, tiveram de passar a dormir ao relento pois não há forma de acomodar tantas pessoas em tão curto espaço de tempo. O bispo pede ajuda e usa palavras fortes. «Esta é uma situação humanitária desesperada, para a qual pedimos, de facto, mendigamos, a ajuda e a solidariedade da comunidade internacional», disse o bispo num vídeo da Cáritas enviado também para a Fundação AIS.

AJUDA DE EMERGÊNCIA

Perante este cenário de horror, a Fundação AIS decidiu apoiar as dioceses envolvidas no acolhimento aos deslocados com uma ajuda de emergência no valor de cem mil euros. É uma ajuda que, como explica Regina Lynch, chefe de Departamento de Projectos da Fundação AIS a nível internacional, «procura aliviar o sofrimento e trauma» destas populações que têm sido vítimas da violência mais brutal. Regina recorda o rasto de destruição e medo causado pelos terroristas desde Outubro de 2017 quando começaram os ataques. E lembra a quase total indiferença com que a comunidade internacional tem lidado com esta situação. «Queimaram igrejas e destruíram conventos, e também raptaram duas irmãs religiosas. Mas quase ninguém prestou atenção a este novo foco de terror e violência jihadista em África, o qual está a afectar todos, tanto cristãos como muçulmanos. Esperemos que haja finalmente uma resposta a esta crise no Norte de Moçambique, em nome dos mais pobres e mais abandonados».

NOTA: A Fundação AIS é uma instituição pontifícia que tem como missão apoiar as comunidades cristãs perseguidas, procurando levar ajuda material e espiritual a milhões de fiéis mais necessitados, esquecidos e perseguidos em mais de 145 países do mundo. Moçambique é um desses países. Cabo Delgado é uma dessas regiões. A comunidade cristã de Macau é convidada também a auxiliar estes cristãos em sofrimento, estas populações desesperadas. Ajude-nos a ajudar. www-fundacao-ais.pt

Paulo Aido

Fundação AIS

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