MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO AOS PARTICIPANTES NO ENCONTRO INTERNACIONAL POR OCASIÃO DO CENTENÁRIO DO “APELO A TODOS OS HOMENS LIVRES E FORTES”

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO AOS PARTICIPANTES NO ENCONTRO INTERNACIONAL POR OCASIÃO DO CENTENÁRIO DO “APELO A TODOS OS HOMENS LIVRES E FORTES” DO PADRE LUIGI STURZO, REALIZADO NO PASSADO DIA 14 DE JUNHO EM CALTAGIRONE, NO SUL DA ITÁLIA

«A tarefa de informar cristãmente a vida social e política compete sobretudo aos leigos cristãos»

Amados irmãos e irmãs!

Saúdo cordialmente todos vós, participantes no Congresso Internacional em Caltagirone, cidade natal do servo de Deus padre Luigi Sturzo, por ocasião do Centenário do Apelo “A todos os homens livres e fortes”. Agradeço à Comissão Promotora-Científica e à Comissão Organizadora por ter dado vida a esta louvável iniciativa, juntamente com todas as Organizações, Movimentos, Associações, Instituições académicas e culturais que estão presentes em espírito de colaboração.

É uma feliz intuição honrar “unidos e juntos” um aniversário tão importante para a história da Itália e da Europa, relendo com um amplo e qualificado contributo de ideias, experiências e boas praxes os doze Pontos que constituíam o Programa do Apelo, para voltar a sentir o seu valor e actualidade e reafirmar a sua praticabilidade entre as pessoas, através de um novo diálogo cultural e social que seja inspirado, hoje como ontem, “nos princípios firmes do Cristianismo”.

Por ocasião do V Congresso nacional da Igreja Italiana, frisei a importância deste método, que está na base do grande compromisso envidado pelo padre Luigi Sturzo e pelos leigos cristãos da época, antes da formulação do “Apelo”: «A sociedade italiana constrói-se quando as suas diversas riquezas culturais podem dialogar de maneira construtiva: a popular, a académica, a juvenil, a artística, a tecnológica, a económica, a política, a da media. […]Além disso, recordai-vos que o melhor modo para dialogar não é falar e debater, mas fazer algo juntos, construir juntos, fazer projectos: não sozinhos, entre católicos, mas juntamente com quantos têm boa vontade» (Florença, 10 de Novembro de 2015). Parece-me que posso divisar na vossa iniciativa um cumprimento destas palavras e, por conseguinte, encorajo-vos a prosseguir por este caminho em nome da cultura do encontro e do diálogo que tanto me preocupa.

Este centenário dá-nos a ocasião para reflectir sobre o conceito cristão da vida social e sobre a caridade na vida pública segundo o pensamento, a vida e as obras do servo de Deus padre Luigi Sturzo. Para o sacerdote de Caltagirone, a tarefa de informar cristãmente a vida social e política compete sobretudo aos leigos cristãos que, através do seu compromisso e na liberdade que lhes cabe neste âmbito, põem em prática os ensinamentos sociais da Igreja, elaborando uma síntese criativa entre fé e história que tem o seu fulcro no amor natural vivificado pela graça divina.

Em polémica com quantos defendiam um dualismo entre ética e política, entre Evangelho e sociedade humana e limitavam a lei do amor à vida privada, o padre Sturzo afirmava: «A lei do amor não é uma lei política; está bem na igreja, nas famílias, nas relações privadas. É verdade que hoje muitos, até cristãozinhos aguados, se arvoram orgulhosamente em censores de quantos se ocupam de vida pública; e definem a política um esgoto de males, um elemento de corrupção, um desencadeamento de paixões; e por conseguinte, é preciso ficar distantes; eles confundem o método mau com aquele que ao contrário é participação obrigatória do cidadão na vida do próprio país. Fazer uma política boa ou má, sob o ponto de vista subjectivo daquele que a faz, depende da retidão da intenção, da bondade dos fins a serem alcançados e dos meios honestos que se empregam para esse fim. Assim raciocinam os cristãos de todos os tempos e países. E com este espírito, o amor ao próximo em política deve ser de casa e não deve ser excluído como um estranho: nem despedido fazendo-o saltar da janela, como um intruso. E o amor ao próximo não consiste em palavras, nem em adular: mas nas obras e na verdade».

Para o padre Sturzo, a moralização da vida pública está ligada sobretudo a um conceito religioso da vida, da qual deriva o sentido da responsabilidade moral e da solidariedade social. O amor é para ele o verdadeiro vínculo social, o motivo inspirador de toda a sua actividade. Ele, de maneira bastante original, procurou realizar uma “ortopraxia” cristã da política, baseada numa relação correcta entre ética e vida teologal, entre dimensão espiritual e dimensão social.

Nesta perspectiva compreende-se por que o padre Luigi Sturzo foi definido por São João Paulo II «incansável promotor da mensagem social cristã e defensor apaixonado das liberdades civis» (Discurso na Universidade de Palermo, 20 de Novembro de 1982). O meu venerado predecessor quis indicá-lo como modelo aos seminaristas e aos sacerdotes: «A vida, o ensinamento e o exemplo do padre Luigi Sturzo – o qual em plena fidelidade ao seu carisma sacerdotal soube infundir não só nos sicilianos mas também nos católicos italianos o sentido do direito-dever da participação na vida política e social, à luz da doutrina da Igreja – estejam presentes e inspirem o próprio apostolado de evangelização e de promoção humana» (Discurso aos Bispos da Sicília em Visita “ad limina apostolorum”, 11 de Dezembro de 1981).

Luigi Sturzo, antes de ser estadista, político, sociólogo e letrado poliédrico, era um sacerdote obediente à Igreja, um homem de Deus que lutou incansavelmente para defender e encarnar os ensinamentos evangélicos, na sua terra da Sicília, nos longos anos de exílio na Inglaterra e nos Estados Unidos e nos últimos anos da sua vida em Roma.

No seu testamento espiritual, redigido a 7 de Outubro de 1958, ele escrevia: «A quantos me criticaram pela minha actividade política, pelo meu amor à liberdade, o meu apego à democracia, devo acrescentar, que não cheguei a esta vida de batalhas e de tribulações por minha vontade, nem por desejo de finalidades terrenas nem de satisfações humanas: a isso cheguei levado pelos eventos». E acrescentava: «Reconheço as dificuldades de manter a vida sacerdotal intacta de paixões humanas e Deus sabe quanto foram para mim amargas as experiências práticas de sessenta anos dessa vida; mas ofereci a Deus e tudo destinei para sua glória e em tudo procurei cumprir o serviço da verdade».

O seu ensinamento e o seu testemunho de fé não devem ser esquecidos, sobretudo num tempo em que se requer que a política seja clarividente para fazer face à grave crise antropológica. Por conseguinte, devem ser recordados os pontos-chave da antropologia social sturziana: a primazia da pessoa sobre a sociedade, da sociedade sobre o Estado e da moral sobre a política; a centralidade da família; a defesa da propriedade com a sua função social como exigência de liberdade; a importância do trabalho como direito e dever de cada homem; a construção de uma paz justa através da criação de uma verdadeira comunidade internacional. Estes valores baseiam-se no pressuposto de que o Cristianismo é uma mensagem de salvação que se encarna na história, que se dirige a todo o homem e deve influenciar positivamente a vida moral privada e pública.

Cem anos depois do Apelo “A todos os homens livres e fortes”, o Congresso em Caltagirone chama os cristãos, solicitados a interpretar os sinais dos tempos à luz do Evangelho, a um compromisso criativo e responsável, a fim de realizar uma praxe social e política animada pela fé e vivida como exigência intrínseca da caridade. Penso sobretudo nos jovens, que devem participar adequadamente, a fim de que possam levar nova paixão, nova competência, novo impulso ao compromisso social e político. Com esta esperança, faço votos de que os vossos dias de trabalho e de reflexão sejam proveitosos e dêem frutos abundantes e duradouros. A todos concedo de coração a minha bênção, pedindo-vos que continueis a rezar por mim.

Vaticano, 13 de Junho de 2019

Francisco

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