JOSÉ SARAMAGO – Um ateu em busca de “Um Deus Conhecido”
Um homem de fé nas palavras, para o qual a vida nunca lhe foi fácil. Desde muito jovem revelou interesse pelos estudos e pela cultura, mas dificuldades económicas impediram-no de frequentar o liceu e consequente universidade, formou-se então numa escola técnica e dada a exigência dos tempos que impunham trabalhar para comer teve de se fazer à vida e o seu primeiro emprego foi como serralheiro mecânico.
Foi um lutador, um bom observador, atento e perspicaz, inteligente, com ânsias de saber, fascinado pelos livros, visitava, à noite, com grande frequência, Bibliotecas Municipais. Fez-se por si próprio um homem de letras, ou como então se usava dizer, foi um autodidata, designação sempre muito lisonjeante.
Com uma arte prodigiosa, um jeito único de jogar com as palavras, com as imagens, com as realidades, por vezes duras, mas sempre por ele domadas ou exorcizadas pela sua agudeza de espírito, sentido crítico, por vezes, a tocar o verrinoso, ele não cessa de trabalhar, de observar, de escrever, de se interrogar e de pensar.
Saltita de profissão, esforça-se, empenha-se e ascende ao patamar com que sonhava – ser escritor. A persistência na luta da vida, a intensidade da escrita, a sua ligação política ao Partido Comunista Português, as influências da esposa Pilar, ter-se-ão conjugado na construção do seu estilo “sui generis” facto que aliado a um ateísmo militante muito ao jeito do “politicamente correcto”, propiciaram atribuir a José Saramago um Prémio Nobel.
Uma perplexidade que me assiste é o facto de sendo ele um ateu assumido, estar sempre muito latente nas suas obras as Sagradas Escrituras, deixando transparecer nitidamente que também nesta matéria foi um autodidata, fez o caminho sozinho, sem a ajuda da Teologia, sem compreender alguns contextos que só por si exigem uma explicação coerente e sabedora.
A sua obsessão por mergulhar e vaguear pelos textos sagrados do Cristianismo, interpretando-os à sua maneira, fantasiando-os, brincando com eles a seu jeito, alterando o sentido, ainda que por vezes com algum humor, arte e imaginação, deixam-me uma séria interrogação: Porquê borboletar em volta da luz divina, em torno dum Deus em que não acredita, do qual sabe pouco e nem suspeita da Sua Misericórdia, do Seu Amor pelo Humanidade, nem da grandeza da Criação, ou do grande atributo que deu ao Homem – a Liberdade?
“Ipso facto” Adão e Eva optaram por não obedecer, porque eram livres para fazerem a escolha embora soubessem como deviam ter procedido; tal como Caim usou da sua liberdade para matar o irmão Abel; assim também Saramago terá recorrido aos “seus dons literários” para de forma implícita e explícita fazer das suas palavras caminhos para encontrar um Deus que habitava no mais recôndito do seu inconsciente, sem que ele disso se apercebesse ou desse azo a que esse milagre pudesse acontecer.
Ironia? Heresia? Fantasia? Catarse libertadora duma verdade que recusava ver, aceitar ou acreditar? O coração tem razões, que a razão desconhece, dizia Blaise Pascal. Será que o nosso prestigiado Nobel, falecido há nove anos, no dia 18 de Junho, já terá contemplado o esplendor divino que em vida tanto procurou sem encontrar? Os caminhos do Senhor são insondáveis… «Pela fé, Abel ofereceu a Deus um sacrifício melhor do que Caim. Por causa da sua fé, Deus considerou-o seu amigo e aceitou com agrado as suas ofertas. E é pela fé que Abel, embora tenha morrido, ainda fala (Hebreus, 11,4)», in “Caim” de José Saramago.
SUSANA MEXIA
Professora