Memórias e Fortalezas no Leste de África – Parte 8

O ouro de Monomotapa e o sonho dos pombeiros

Foi a busca dos metais preciosos – não a prata de Cambebe da costa angolana, mas sim o ouro de Monomotapa – a razão pela qual nos estabelecemos nestas paragens. Havia, portanto, que ocupar os portos. E foi o que fizemos, fixando feitoria em Sofala, em 1505, seguida de um forte, pois era aí que os árabes traficavam o ouro.

Um ano depois era construída a fortaleza de Quiloa, mil quilómetros a norte, numa metrópole já próspera, que abandonaríamos em 1512. Entre esse espaço temporal foi construída, em 1508, na Ilha de Moçambique, a primeira das fortalezas, a meio caminho da rota entre o cabo da Boa Esperança e a Índia. Muitas das embarcações enveredavam a partir daí em linha recta em direcção à Índia, passando acima das actuais Seychelles. A curiosidade dos lusos levou-os a contornar a grande ilha de Madagáscar (ainda estabelecemos, em 1515, feitoria em Matatana, mas os locais repeliram-nos) e a chegar às Maurícias e a uma infinidade de ilhas nas proximidades. De resto existem ainda topónimos que comprovam esse pioneirismo. O arquipélago das Mascarenhas, que compreende as ilhas Rodrigues e Reunião (hoje ainda colónia francesa), e o arquipélago dos Chagos, cuja ilha principal tem o nome do navegador luso Diego Garcia, são apenas dois exemplos.

 

EXPEDICIONÁRIOS PIONEIROS

Passo o último serão na ilha, após jantar um excelente arroz com feijão de soja verde num botequim local junto ao hospital, exactamente na fronteira entre a cidade de pedra e cal e a cidade de macuti, em frente a uma cerveja Manica, lendo acerca das terras de Manica, informação que me disponibiliza o mestre Jaime Cortesão.

Em 1570 Francisco Barreto, recentemente nomeado governador de Moçambique, chega ao Índico, com três naus e mil homens. Um ano depois partiria em busca das minas Monomotapa, missão que lhe fora incumbido pela Coroa, socorrendo-se das bases que os portugueses já tinham em Tete e Sena. Barreto ostentava até o título de Conquistador das Minas de Ouro de Monomotapa, mas as doenças e a falta de alimentação apropriada fizeram os seus estragos, dizimando a expedição. De Sena, Barreto enviou um presente ao soba que detinha o título de Imperador de Monomotapa, pedindo-lhe autorização para entrar nos seus domínios. O pedido seria concedido, só que as hostilidades encontradas pelo caminho e as muitas doenças fizeram-no desistir da ideia. Como resultado dessa expedição, os portugueses ficariam doravante autorizados a negociarem livremente na terra do poderoso soba e a obtenção do ouro das terras de Manica, embora a sua quantidade não justificasse tamanha despesa. Vasco Fernandes Homem ficaria para história como primeiro europeu a chegar às minas de Manica. Monomotapa, porém, continuava inacessível. Muitas seriam as peripécias em torno da procura destas minas. Figura incontornável ligada e esta região foi o conde da Feira D. Nuno Álvares Pereira (homónimo do de Aljubarrota), governador de Moçambique e vice-rei da Índia.

Durante este processo de penetração – no decorrer do qual foram dadas a conhecer ao mundo maravilhas da natureza como as nascentes do Zambeze, séculos antes de aí terem chegado Livingstone e quejandos, que ficaram com os louros e deixaram o seu nome para a posteridade nas enciclopédias – houve sempre a intenção de ligar os dois territórios de costa a costa, como o viriam a fazer Serpa Pinto, Silva Porto e tantos outros de que nunca ninguém ouviu falar. Esse imenso império ultramarino, que incluía os actuais territórios da Namíbia, Zâmbia, Zimbabué e África do Sul, só não foi uma realidade devido às maquiavélicas, mas eficientes, movimentações de um fanático chamado Cecil Rhodes, que resultariam nas tristemente célebres questões do Ultimato Inglês e do Mapa Cor-de-Rosa, que tanto humilharam Portugal.

 

DE COSTA A COSTA

Data de 1798 uma das mais ousadas tentativas de ligar a costa oriental de Moçambique à contra costa de Angola, um sonho que tinha já sido alimentado, em 1592, por Abreu de Brito, um homem ao serviço de Paulo Dias Novais, um dos pioneiros em terras dos Ngola. Abreu de Brito apresentara um plano para conquista e alargamento do território angolano e tinha até efectuado algumas visitas de reconhecimento ao interior. Assegurava que não só «poderia terminar a conquista de Angola em quatro meses» como estender o domínio lusitano «às serras de Monomotapa, tão famosas pelas suas minas de ouro». Segundo ele, a distância que iria de Luanda à contra costa era de aproximadamente 405 léguas, assegurando que «os negros soassos» faziam repetidamente essa viagem «ao serviço dos brancos». Abreu não era o primeiro a pensar assim. Quatro anos antes, um tal Diogo Ferreira, homem que conhecia bem a região, propusera ao rei um plano de conquista que seguia exactamente o mesmo padrão e sustentava-se nas mesmas prerrogativas. O objectivo de unir os dois territórios seria o de reduzir para metade o tempo dispendido nas comunicações com a Índia.

Dois séculos depois, partindo do Tete, Francisco José de Lacerda e Almeida percorre território inóspito durante três meses, e com grandes dificuldades, atinge o reino de Camzebe, visitado por negros de ambas as costas, acabando, porém, por sucumbir de febre, mas sem antes incumbir a continuidade da tarefa ao seu capelão, que nada pode fazer, já que aos régulos locais não interessava que os homens brancos concluíssem tal empreendimento. Ora, olhando no mapa, e tendo como ponto de partida o Tete, bem no interior do País, uma viagem de três meses, por mais lenta que fosse, implicaria percorrer uma parte considerável dos território do Zimbabué e da Zâmbia, que faz fronteira com Angola.

Anos depois, em 1806, os pombeiros Pedro João Baptista e Amaro José falharam inicialmente o seu objectivo de ligar Angola a Moçambique, porque o rei de Cambeze prometeu-lhes guias para os conduzir a Tete e em vez disso reteve-os durante vários anos, impedindo-os de cumprir a tarefa na data que previam. Viriam a consegui-lo com a chegada, já em 1810, de compatriotas seus que residiam nos Rios de Sena, e que os levariam dali. Regressariam, ainda esse ano, pelo mesmo caminho, e mais uma vez ficariam retidos no Cazembe, mas já nada os impediria de chegar a Angola e fazer um feito nunca antes alcançado: o de ter ligado a costa de Angola à de Moçambique e regressado pelo mesmo caminho, tendo sobrevivido para relatar a façanha. Infelizmente os nomes destes pombeiros, como tantos outros exploradores, continuam arredados do grande público, sendo conhecidos apenas por um determinado número de historiadores e curiosos. Pombeiros em África, tropeiros no Brasil, quanto deles não cometeram façanhas muito antes daqueles que agora a História lembra e honra.

 

DECADÊNCIA À PORTUGUESA

Aquando a Restauração, o domínio português estendia-se por toda costa, de Lourenço Marques a Melinde, e era relevante a ocupação interior feita através do rio Zambeze. Para isso concorria a agricultura e o comércio com os indígenas, o ouro e o marfim, que chegava às vilas de Tete e de Sena graças a um leque de feiras e pequenas feitorias fortificadas que tínhamos espalhado pelo interior.

A instalação era tal que já nesse século XVII padecíamos do mal que atingiria Goa, Malaca e no Brasil e, mais tarde, outros locais, sendo o último Macau. Ou seja, a já velha e repugnante boçal opulência à portuguesa. O governador dos Rios de Sena, citado por Francisco Maria Bordalo, escreve nos “Ensaios sobre as Estatísticas de Possessões Portuguesas no Ultramar” que os portugueses da região de Sena «não saíam fora de casa sem ser na sua cadeirinha, e com dois grandes chapéus-de-sol de veludo com grandes maçanetas de prata de uma e de outra parte, para que os raios do sol perto do seu ocaso, os não molestassem; que viviam envolvidos em sedas e panos brancos finíssimos; que adoeciam de indigestão ou mordaxim, por causa da sua esplêndida e profusa mesa; e que, fielmente, gastavam o seu tempo a espalhar fato, e arrecadar ouro e marfim». Mais mordaz ainda, em 1806, falava de o «senhor indolente e inerte, que nem ao menos precisa de fazer a mínima combinação de ideias para o seu comércio, passa os dias ora dormindo ora fumando e tomando chá; e se alguma vez sai de casa, já quando o Sol entra no ocaso, é para dar ao público e fastidiosos espectáculo da sua indolente estupidez e grandeza quimérica, aparecendo deitado nu na machila e conduzido por quatro miseráveis escravos». Mas os sinais da nossa decadência tinham surgido muito antes. Já em 1670, quando os árabes de Mascate, depois de nos terem expulsado de Golfo Pérsico, tencionavam desalojar-nos de Moçambique também, eram já deste calibre os colonos que por lá andavam.

Joaquim Magalhães de Castro

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