MASCOTE DO VELEIRO DEE ESTÁ DOENTE

MASCOTE DO VELEIRO DEE ESTÁ DOENTE

Dias difíceis para um fiel amigo

A semana que antecedeu a Páscoa não foi a mais fácil que tivemos desde que regressámos a Portugal, e no momento em que vos escrevo esta crónica, sentado na cama já depois da meia-noite, muito ainda vai acontecer com o nosso melhor amigo. A mascote da viagem que realizámos há uns anos pelas Caraíbas – era para ter sido de circum-navegação, mas não foi possível – está com idade avançada e a sua saúde deteriora-se a olhos vistos, a cada dia que passa.

Tinha planeado encher estas linhas de prosa mais alegre e descontraída, mas com o que está a suceder, o ânimo não é muito. O Noel, o nosso amigo de quatro patas, que foi de Taiwan para Macau, e que já nos acompanhou à volta do mundo, sofreu hoje mais um episódio e mesmo que sobreviva vai deixá-lo ainda mais debilitado.

Há cerca de um ano deixou de usar as patas de trás, com todos os problemas de saúde e de higiene que isso acarreta. Já para não falar nos problemas psicológicos do próprio animal, especialmente para ele que era extremamente activo. Para agravar a situação, depois de ter aparecido o problema de mobilidade, foi sujeito a uma operação aberta aos intestinos para que se removesse uma rolha que havia engolido. Sim, parece inacreditável, mas esta raça come de tudo, literalmente! Ainda há dias, o vi com um pequeno ramo de árvore na boca, tendo apenas descansado quando o triturou e o engoliu!…

Nas últimas semanas, também devido ao problema de mobilidade, que lhe afecta o sistema urinário e intestinal, passámos a forrar-lhe a cama com uma capa absorvente, uma vez que está incontinente. A solução parecia boa, mas como lança a boca a tudo não foi preciso mais de um par de dias para descobrir que podia comer a capa… Em muitas ocasiões ainda fomos capazes de o fazer parar, mas quando se encontrava sozinho em casa lá se ia entretendo a triturar o algodão e o plástico.

Dado que nestes casos a idade avançada e a deterioração da saúde não contribuem para grandes melhoras, com o passar dos dias a situação só tem vindo a agravar. Aliás, há uns dias, deixou pura e simplesmente de comer, o que para o Noel é algo muito estranho – sempre comeu imenso para o seu tamanho, ao ponto de sermos obrigados a controlar-lhe a dieta. Luto para que ao escrever estas palavras as mesmas não sejam sinónimo de despedida, mas depois de tudo o que tem passado, e vendo no que se transformou, temo que o pior esteja perto.

Muitos dirão que é apenas um cão, mas para nós é um membro da família. Para a NaE foi o único amigo que teve quando chegou a Macau, pois não conhecia ninguém. Para a Maria foi o seu primeiro amigo desde o dia em que deixou a maternidade do Centro Hospitalar Conde de São Januário. Assim que pousámos a cadeirinha de transporte da Maria no chão, o Noel deitou-se ao seu lado e nunca mais a largou. Até aos dias de hoje!

Quando a Maria, já a dormir sozinha no seu quarto, na Calçada do Monte, chorava durante a noite, fosse por ter a fralda suja, por ter cólicas ou por outra razão qualquer, tinha sempre o Noel como primeira companhia. Aliás, ele dormia no chão do nosso quarto e assim que sentíamos que ele ia para o quarto da Maria já sabíamos que ela ia chorar por alguma razão. O elo que se estabeleceu entre eles ainda hoje perdura e quando a Maria chora, o Noel acompanha-a! E quando ralhamos com a Maria, tenta sempre protegê-la.

Por tudo isto, nem quero imaginar o trauma que será nesta família e a falta que este animal nos irá fazer. Apesar de nos últimos meses andarmos a tentar convencer-nos para o inevitável, secretamente esperamos sempre que tal não aconteça. Claro está que irão perdurar as boas memórias de tudo o que vivemos juntos e das aventuras por que passámos.

O Noel viveu em Macau quatro anos, mais três no veleiro Dee; no último Natal completou onze anos.

De Macau temos a memória de um cachorro tão magrinho, mas tão magrinho, que muitos pensavam tratar-se de um chihuahua! Depois metemo-lo na aventura de ir connosco para as Caraíbas, quando a maioria dos nossos amigos nos dizia para o deixar em Macau. Pois fez a viagem de Macau para Hong Kong, dali para Zurique e depois para Miami, antes de chegar a Santo Domingo. Na capital da República Dominicana, connosco embarcou no veleiro, e sempre a guardar-nos percorreu mais de vinte mil milhas náuticas, tendo estado em todas as ilhas das Caraíbas. Apenas não entrou nas Ilhas Virgens Britânicas porque os procedimentos são muito complicados. Em todo o lado era o centro das atenções.

Depois de atravessar o mar das Caraíbas, em Curaçao efectuou a última viagem de barco. Dali voou para a Holanda e veio de carro para Portugal, em 2016.

Esta vai ser a sua última morada; aqui tem vivido os últimos anos rodeado de pessoas que o amam e de outros animais que o acolheram como se sempre tivessem vivido juntos.

É difícil saber o que os animais pensam, mas olhando para o seu focinho, mesmo com uma saúde débil, conseguimos adivinhar que foi feliz e que não trocaria a vida que teve por nada deste mundo.

Espero apenas que ainda possa ficar mais uns tempos connosco… sem sofrimento!

João Santos Gomes

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