CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXCV

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CXCV

Os Mórmons – VII

A fé mórmon irradiava pela nação americana, perseguindo os trilhos que empurravam o progresso até ao Oeste, ainda selvagem. Chegaram à Califórnia, mas foi no Utah que assentaram mais arraiais. Ali estabeleceram quase um “Estado mórmon”, que não o chegou a ser porque o Governo Federal impediu. Mas os Mórmons não esmoreceram, embora minados por polémicas ocasionais e problemas de “vizinhança”.

Em 1857, com efeito, chegavam relatos ao Presidente dos Estados Unidos, James Buchanan (1857-1861), sobre como Young, primeiro, se presumia a governar o Utah, e em segundo, fazendo-o como se se tratasse de uma teocracia pessoal. Buchanan reagiu, declarando o território em estado de rebelião e enviando dois mil e 500 soldados do Kansas para o Oeste. Embora não tenham oferecido resistência armada, os Mórmons acabariam por perseguir as colunas de abastecimento dos militares, dificultando-lhes assim a progressão. Mas as más notícias não acabaram ali. Em Setembro, daquele ano, uma milícia mórmon, liderada por John Lee, e agindo em conjunto com um grupo de nativos americanos, atacaram um “comboio” de carruagens de colonos do Arkansas, massacrando 120 homens, mulheres e crianças, no que ficaria conhecido como o “massacre de Mountain Meadows”. Apenas dezassete crianças com menos de oito anos foram poupadas. Durante muito tempo se debateu o possível papel que Young teve no massacre, ao autorizar tal atrocidade. O debate foi caloroso e enérgico, mas em termos de evidências apenas se apurou que encobrira a verdade sobre os crimes cometidos. Ou, pelo menos, nunca revelou tudo o que sabia sobre os terríveis acontecimentos…

POLÉMICAS, QUESTÕES…

Um novo governador assumiria o controlo do Utah em 1858, trazendo tropas federais para o Estado. Estava-se em plena “Guerra Mórmon”, como rezam os anais da história americana. As tropas atravessaram, porém, Salt Lake City sem problemas, o que permitiu a Buchanan declarar o fim do conflito e conceder uma amnistia geral. Mas o Utah demoraria a integrar-se na União (os Estados Unidos da América) como um Estado como os demais, vindo a ser admitido somente em 1896. Porque é que permaneceu quase quatro décadas à espera? Devido à persistência mórmon na prática contínua do casamento plural, a poligamia, que só seria considerada ilegal no Utah em 4 de Janeiro de 1496. Mas a poligamia ficaria como o adágio espanhol sobre as bruxas: ninguém acredita nelas, mas que as há, há!…

Também dissidências as havia, como se viu. Em 1860, Joseph Smith III, o filho mais velho do profeta mórmon, tornou-se o presidente da Igreja Reorganizada, a cisão mórmon, cuja sede se estabeleceria em Independence, no Missouri, até hoje.

Antes da lei de 1896, de ilegalidade da poligamia, não deixaram de ocorrer incidências curiosas em relação ao casamento plural entre os Mórmons. Por exemplo, em 1862, lançou-se uma primeira tentativa de criminalização da mesma, o Morrill Anti-Bigamy Act, abrangendo todo o território dos Estados Unidos. Todavia, curiosamente, o então Presidente do País, o célebre humanista Abraham Lincoln (1861-1865), recusou-se a aplicá-lo.

Os Mórmons continuaram a crescer em efectivos, sendo em 1866 quase sessenta mil, com sede em Salt Lake City. Empenharam-se na construção dos Estados Unidos, na sua colonização, na criação de infraestruturas (em 1868, trabalhadores mórmons participaram na construção da Ferrovia Transcontinental, por exemplo), criaram comunidades e povoaram o Utah, além de se expandirem para Estados vizinhos. Esse crescimento sustentou-se, contudo, na persistência da poligamia, na mesma proporção da resistência e crítica à mesma. Brigham Young chegou a ser acusado, em 1871, mas não chegaria a ser condenado por tal crime.

Outra polémica girava em torno do massacre de Mountain Meadows, que permanecia sem culpados e com contornos desconhecidos. Apenas se levou um único indivíduo a julgamento, em 1875, mas em nada resultou, pois o júri, na decisão, empatou! No ano seguinte, esse acusado, John D. Lee, seria julgado novamente, mas agora acabaria condenado por assassinato, vindo a ser executado em 1877, em Mountain Meadows. Mas, ainda assim, nada abalaria a fé mórmon. Ou melhor, algo viria a abalar, nesse mesmo ano, a 29 de Agosto: a morte de Brigham Young. Será velado por cinquenta mil pessoas, que participam nas cerimónias fúnebres.

A fé mórmon estava firme e a evidenciá-lo estavam as estatísticas: em 1878, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias contava 109 mil 894 membros. Sobre os quais pairava a acusação da prática da poligamia, que era uma realidade. Mas estava difícil de erradicar, mesmo quando a referida Lei Morril foi defendida pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos, em 1879. Ou três anos após este acórdão, com a Lei Edmunds, a declarar a poligamia como crime e a desautorizar todos os que a praticassem. Em 1893, mais de mil mórmons seriam mesmo condenados por “coabitação ilegal”, ou seja, havia mulheres adultas a mais em cada lar mórmon, sem consanguinidade.

A poligamia estava a tornar-se um fardo e era o alvo maior de desconfiança e acusações por parte da sociedade civil aos Mórmons. O conceito era frequentemente criticado por muitos mórmons, refira-se, o que, eventualmente, terá estado na base do seu repúdio como doutrina oficial da Igreja pela Igreja Mórmon em 1978. Mas não significa que a sua prática tenha desaparecido, pois muitos consideravam-na (e ainda hoje cerca de dez a quinze mil dos chamados Mórmons Fundamentalistas a praticam) uma forma de expiação de sangue, como uma forma de extirparem “pecados”…

Em 1887, a Lei Edmunds-Tucker desamortizou a Igreja Mórmon, ou seja, incorporou na posse do Governo Federal todas as propriedades da igreja acima de cinquenta mil dólares, que eram imensas, note-se. O Supremo Tribunal, posteriormente, viria a confirmar esta lei. A poligamia era a base de toda esta polémica em relação aos Mórmons nos Estados Unidos. Em 1890, o líder dos Mórmons, Wilford Woodruff, num manifesto em nome da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, renunciava à poligamia. Todavia, se para toda a sociedade, para o mundo em geral, esta renúncia tinha valor, para muitos mórmons não o tinha, pois não foi descrito, o manifesto, como uma revelação, condição sine qua nonentre os Mórmons para um documento, declaração ou manifesto ter valor doutrinal.

Apesar das adversidades, do contexto e das peripécias do destino, os Mórmons cresciam em finais do Século XIX: em 1894, eram 201 mil e 47 membros.

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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