Mártires na Roma Cristã

Os Santos Marcelino e Pedro

Estamos em 303… Os cristãos encontram-se a ferro e fogo, em Roma, vivendo dias de sofrimento, perseguição, angústia, mas acima de tudo de afirmação e exaltação da sua fé. Reinava Diocleciano (284-305), imperador nascido em 244 e falecido em 311. Naquele ano de 303, descerrou sobre a população cristã do Império Romano a mais violenta das perseguições organizadas e suportadas por decreto imperial. Piores que as perseguições de Nero entre 54 e 68, mais atrozes que as de Décio (249-251), que basicamente ficou famoso, tristemente – e apenas reinou quase para isso – com suas as perseguições aos cristãos, estes mesmos actos conheceram com Diocleciano a definitiva forma e alcance do termo e objectivos, actos e crueldades. Com efeito, a perseguição de Diocleciano ou “Grande Perseguição” foi a mais sangrenta perseguição aos cristãos no Império Romano. Emitiram-se uma série de éditos em que revogavam os direitos legais dos cristãos e exigiam que estes cumprissem as práticas religiosas tradicionais, como o culto ao imperador, como um deus, principalmente, ordenando também a realização de sacrifícios às divindades romanas.

De entre tantos milhares de mártires desses alvores sangrentos do terceiro milénio da Encarnação, poderíamos aqui recordar dois nomes, de dois exemplos da abnegação indómita da afirmação da sua fé: Marcelino e Pedro, os quais foram ambos martirizados em 2 de Junho de 304. Marcelino era um presbítero, importante parece, na comunidade cristã de Roma, enquanto Pedro tinha apenas ordens menores, exercendo, ao que se julga, o ministério de exorcista. Marcelino foi torturado sobre vidros quebrados, enquanto Pedro se pensa ter sido asfixiado com cordas apertadas. Até à hora do seu suplício, não deixaram de semear a fé cristã. No cárcere, o seu zelo levou à conversão do seu carcereiro, Artémio, bem como da sua família. Mas acabariam, Marcelino e Pedro, por cumprir a sua condenação, às ordens de um magistrado chamado Severo. Algumas referências apontam para que tivessem sido decapitados, provavelmente já mortos, depois dos suplícios atrás mencionados. Foram depois enterrados num lugar ermo e desconhecido, de forma a que a sua sepultura permanecesse secreta e não suscitasse romagens e cultos por parte da comunidade cristã, que os transformaria em heróis de santidade. O carrasco que lhes perpetrou o martírio haveria, porém, de quebrar o segredo da tumba dos dois mártires, pois ele próprio se converteu ao Cristianismo. Tivesse sido ou não o lugar revelado pelo verdugo, sabe-se hoje que os seus restos mortais foram exumados e colocados na catacumba de São Tibúrcio, na via Labicana, em Roma. Trata-se de uma antiga catacumba romana situada na terceira milha da antiga Via Labicana, actualmente a Via Casilina, em Roma, próxima à igreja dos Santos Marcellino e Pietro ad Duas Lauros, junto à antiga basílica de Santa Helena. A sua primeira denominação é a do santo que ali estava enterrado antes, Tibúrcio, de que pouco se sabe em concreto. A catacumba ficaria depois conhecida pelo nome dos dois novos féretros ali inumados, os destes santos em apreço, Marcelino e Pedro. Mas muitos mais cristãos ali seriam enterrados depois, pois em 2006 mais de mil esqueletos foram ali descobertos, amontoados uns sobre os outros e ainda vestidos nas togas com as quais foram enterrados.

Da vida dos dois santos, antes do seu martírio, pouco se sabe. Apenas o que o Papa Dâmaso I (viveu entre 305 e 384, papado entre 366 e 384) afirmou ter ouvido acerca da história dos dois mártires, contada pelo seu carrasco convertido. O Papa era ainda um adolescente quando o infeliz verdugo lhe narrou aos acontecimentos trágicos sobre a prisão, tortura e martírio de Marcelino e Pedro. O Papa referiu que o presbítero Marcelino era um dos sacerdotes mais respeitados entre o clero romano. Com o amigo Pedro, exorcista (alguns mais tarde referem-se a ele como presbítero), difundiram a fé cristã em Roma, tornando-se exemplo e modelo. Mas estava-se ainda na clandestinidade, em meio à exaltação de Diocleciano e seus pares da cultura romana, do paganismo, da divinização do imperador. Não tardou a que fossem denunciados, refere Dâmaso I: foram intimados, julgados e nunca renunciaram ao Cristianismo ou aceitaram, por outro lado, louvar e adorar o imperador. O destino estava traçado…

Conheceram Artémio, que no começo duvidou deles. Depois, com a cura milagrosa da possessão demoníaca de que padecia sua filha, Artémio inclinou o seu coração perante os clérigo s encarcerados. E converteu-se, ele e a sua família. Artémio ainda os terá libertado, mas foram ambos recapturados e condenados à decapitação. Entretanto, Artémio e família tiveram que ser escondidos pelos cristãos, mas não deixando de pregar e assumir publicamente a sua fé. Foram também supliciados e passados pelo fio da espada. Quanto a Marcelino e Pedro, foram decapitados depois do suplício, às ordens do Prefeito de Roma. Mas foram-no fora da cidade, para que não houvesse comoção popular, como já vimos. Tudo se passou num bosque isolado da urbe, onde lhes cortaram as cabeças. Era o dia 2 de Junho de 304.

Um nobre e pia dama de Roma daria mais tarde uma digna sepultura aos cadáveres descobertos ulteriormente, alguns anos após o martírio. Chamava-se Lucila, desejosa de dar uma digna e cristã sepultura aos santos da sua devoção. Constantino mandaria depois construir sobre essas sepulturas uma igreja, transformada em 1751 na basílica dos Santos Marcelino e Pedro, que subsiste até hoje para conservar a memória dos dois mártires.

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *