Marguerite Bays, uma costureira a caminho dos altares

Marguerite Bays, uma costureira a caminho dos altares

O CLARIM FALOU COM O PADRE MARTIAL PYTHON, BIÓGRAFO DA FUTURA SANTA E PÁROCO DE ROMONT

A 13 de Outubro, a recatada Suíça vai inscrever um novo nome na cada vez mais vasta legião de santos católicos. Beatificada por João Paulo II em 1995, Marguerite Bays – uma costureira que viveu e morreu na pequena localidade francófona de Siviriez, no Cantão de Friburgo – será oficialmente elevada aos altares, numa celebração presidida pelo Papa Francisco. Trata-se da terceira pessoa de nacionalidade helvética a ser canonizada, depois de São Nicolau de Flüe e de Santa Maria Bernarda Bütler.

Visto da imponente torre do castelo de Romont, o pequeno lugarejo de Siviriez, no coração do Cantão de Friburgo, em nada se distingue das demais aldeias da região de Glâne. Calmo, verde, de uma pacatez bucólica, o vilarejo começa, no entanto, a rivalizar com a cidadela medieval que lhe é vizinha em termos turísticos. A notoriedade, deve-a Siviriez a Marguerite Bays, uma costureira de origens humildes que faleceu em 1879 e que vai ser canonizada a 13 de Outubro, numa cerimónia presidida pelo Papa Francisco.

Com um perfil eminentemente agrícola, Siviriez tem na beata Marguerite Bays a sua maior razão de orgulho e nos locais que a piedosa costureira frequentava os seus principais motivos de atracção. Todas as semanas são às dezenas os peregrinos que se deslocam à pequena aldeia para visitar a igreja onde Marguerite rezava todos os dias, o campo santo onde está enterrada, a modesta habitação onde viveu e morreu ou a pequena capela que frequentava e que agora lhe é dedicada.

Nascida em 1815, no rescaldo da tempestade napoleónica que varreu a Europa, Marguerite Bays distinguiu-se ainda em vida pela piedade e amor que dedicou aos pobres, aos doentes e às crianças. Para o padre Martial Python, pároco de Romont e biógrafo da futura santa, a disponibilidade e o carinho que Marguerite Bays sempre dispensou aos mais necessitados são dos primeiros indícios de que a vida da humilde costureira de Siviriez foi desde cedo tocada por Deus. «Marguerite sempre foi muito activa na paróquia. Tanto se envolveu nas Irmandades e nos movimentos que já existiam, como criou novas organizações com o consentimento do seu pároco. Ela dedicava muito do seu tempo aos pobres da região, particularmente às crianças órfãs ou nascidas em famílias fragilizadas social e moralmente. Por vezes, colocava os seus conhecimentos de costura ao serviço dessas crianças e fazia peças de roupa propositadamente para elas», conta o padre Python. «Não é de estranhar que uma boa parte das crianças de Siviriez a chamassem de madrinha ou mesmo de mamã», acrescenta o sacerdote, em declarações prestadas a’O CLARIMatravés de correio electrónico.

Se a entrega e a bondade com que Marguerite brindava os mais desfavorecidos se prefiguravam como um prenúncio feliz de santidade, a certeza de que mantinha com Deus uma relação de predilecção manifesta-se em 1854, ano em que venceu um cancro nos intestinos e os estigmas que a acompanhariam até ao resto da vida despontaram pela primeira vez. «Em 1854, Marguerite fica gravemente doente. Os médicos diagnosticam um cancro nos intestinos. A 8 de Dezembro desse mesmo ano, em Roma, o Papa Pio IX proclama o dogma de Maria associado à Imaculada Conceição. De acordo com testemunhos de contemporâneos, Marguerite aproxima-se do fim da vida. E eis que durante uma missa de acção de graças na igreja paroquial, numa altura em que já estava confinada a uma cama, Marguerite fica miraculosamente curada perante a estupefacção dos residentes de Siviriez. Os estigmas apareceram pouco depois», explica o pároco de Romont.

«A estigmatização é uma manifestação do Espírito Santo, o que significa que o Espírito Santo unge com carismas a pessoa estigmatizada. Marguerite foi por ele dotada do dom do conselho, do discernimento e da profecia. É por isso que um grande número de pessoas acorreram a Siviriez para a ver e visitar. Vinham da Suíça, mas também de outros países: da Bélgica, da Polónia. O pároco da altura, monsenhor Marius Marilley, ficou inquietado com o grande número de visitantes. Não manifestava grande abertura ao misticismo religioso e temia estar a ser ridicularizado pelas autoridades civis, então dominadas por correntes anti-clericais», lembra o padre Martial Python, complementando que o monsenhor «lançou uma investigação médica para analisar os estigmas e os fenómenos místicos que lhes estavam associados, uma vez que todas as sextas-feiras Marguerite revivia a paixão de Cristo. O médico não fez mais que reconhecer o carácter místico dos factos».

O testemunho de uma grande fé ou mesmo a manifestação dos estigmas não são, no entanto, motivo suficiente para que alguém, por mais piedoso que tenha sido em vida, seja elevado às honras dos altares. No caso de Marguerite Bays, a cerimónia de canonização agendada para 13 de Outubro faz culminar um longo e complexo processo, impulsionado por iniciativa dos fiéis da diocese de Lausana, Genebra e Friburgo.

Recordamos as etapas típicas de um processo destas características: os devotos pedem a um sacerdote ou religioso – o postulador – que apresente ao bispo um pedido fundamentado. O epíscopo envia depois o processo para a Santa Sé, para a Congregação para as Causas dos Santos e este organismo determina se há, em última instância, algo que impeça o processo de continuar. Se não se manifestar qualquer impedimento, arranca um longo processo de examinação de provas e de testemunhos com o propósito último de avaliar a vida e as virtudes do candidato à santidade. Para que a longa caminhada chegue a bom porto é necessário comprovar que a graça divina utilizou o candidato aos altares como veículo pelo menos por duas ocasiões para operar milagres.

No caso de Marguerite Bays, as graças associadas à intervenção da piedosa costureira estão registadas no “Summarium”, uma extensa compilação que regista todos os testemunhos de fé que lhe são associados. Duas intervenções em particular – recorda o padre Martial Python – ajudaram à causa, depois de terem sido consideradas inexplicáveis pelo Vaticano: «Depois da morte de Marguerite foram vários os milagres operados por Deus através da intercessão de Marguerite. Entre eles, dois foram propostos, um para a beatificação, em 1995, e outro para a canonização».

O primeiro milagre, sublinha o biógrafo de Bays, diz respeito a um acidente de montanha: «Um jovem montanhista escapou ileso a uma queda quando subia a um pico. As diligências conduzidas deixaram bem claro o carácter divino desta intervenção. O Vaticano, por sua vez, criou uma comissão de análise que mais não fez que confirmar os resultados das diligências feitas numa primeira instância».

O segundo milagre, desta vez a contar para a canonização, está relacionado com um acidente agrícola com contornos inexplicavelmente inócuos para a gravidade do sucedido: «Uma menina de 22 meses caiu do tractor em que seguia com o avô e uma das rodas grandes do veículo passou por cima dela. A menina escapou praticamente ilesa, ainda que as marcas da roda tenham ficado gravadas nas roupas que vestia e que o incidente lhe tenha deixado alguns hematomas no corpo». Mais: «Desamparado, o avô da criança invocou Marguerite. Ele acredita a cem por cento que houve intervenção divina através da intercessão de Santa Marguerite», conclui o sacerdote, que assegura que a menina não ficou com qualquer sequela.

Marco Carvalho

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