Caminhada pela Vida
No passado dia 23 de Outubro, juntei-me a milhares de pessoas que se manifestaram em Lisboa a favor do respeito pela vida humana. No mesmo dia, houve desfiles simultâneos no Porto, em Braga, em Aveiro, em Coimbra, na Guarda, em Viseu, em Santarém, em Évora e no Funchal. Em dez cidades de Portugal!
A SIC, o principal canal português de televisão, referiu «centenas de pessoas contra o aborto e a eutanásia» e, na breve reportagem que se seguiu, enquanto se ouvia a multidão gritar «toda a vida tem dignidade», a locutora traduzia por «eles opõem-se ao aborto». O telejornal da TVI e a CMTV deram um curto apontamento e a rádio da Igreja também deu a notícia.
Nos jornais de referência não encontrei nenhuma menção. No Correio da Manhã, que não se classifica como jornal de referência, apareceu uma fotografia mal escolhida, quase sem texto.
Lembrei-me de me ter cruzado há tempos com outra manifestação. Teria uns oito manifestantes, talvez fossem dez, acompanhados por meia centena de polícias. Um jornal de referência deu a notícia circunstanciada, registando apenas que havia quase tantos manifestantes como polícias, sem mencionar quantos manifestantes e quantos polícias. Diverti-me muito com o eufemismo!
Entre a meia dúzia de amigos com quem conversava na “Caminhada pela Vida”, alguém lançou a aposta de que a generalidade dos Meios de Comunicação Social iria silenciar o acontecimento. Não conseguimos apostar porque ninguém quis arriscar na hipótese contrária. Todos conhecemos a correlação de forças na Comunicação Social e todos sabemos que, nos grandes meios, a antiga missão de informar foi trocada por objectivos pedagógicos.
A intenção deste controlo ideológico talvez seja melhorar o mundo (quem somos nós para julgar as intenções) mas o preço desta opção é acabar com o jornalismo enquanto ofício de informar.
A defesa da dignidade humana está a enfrentar obstáculos cada vez mais difíceis, contra o poder económico e o poder político. As maiores fortunas estão determinadas em promover a morte dos bebés, dos doentes, dos idosos, dos mais pobres. Os interesses económicos ligados à sexualização da vida social estão cada vez mais insaciáveis: já não lhes basta o negócio da pornografia e dos serviços sexuais, procuram alargar o mercado à homossexualidade e às experiências extravagantes. Estes recursos económicos capturaram a política e, neste momento, temos diversos Governos a subsidiar esta ideologia e a perseguir quem protesta.
Em Portugal e no estrangeiro, médicos e enfermeiros são preteridos por não aceitarem fazer abortos e intervenções não éticas. Professores estão a ser postos de lado por não ensinarem a excelência das relações sexuais avulsas. Em Portugal e noutros países, as autoridades ameaçam internar os filhos em orfanatos quando os pais rejeitam a iniciação sexual que a escola estatal lhes pretende ministrar. O silenciamento nos Meios de Comunicação Social é talvez a medida mais suave deste furor pedagógico com que alguns nos querem impor um mundo melhor.
Nos Estados Unidos e noutros países desenvolvidos, já há muitos anos que se sofre na pele a valentia de defender o respeito pela vida e os Direitos Humanos. A fase dura começa a chegar agora a Portugal, a África e aos países mais pobres da América e da Ásia. Que vai acontecer por cá? Preocupa-me a experiência de grandes heróis que sofreram generosamente mas não aguentaram a pressão. Sem se aperceberem, gradualmente, substituíram a alegria de viver pelo desejo de vingança. Alguns acabaram amargurados, detestando os que os atacam e até os que não os acompanham na resposta agressiva. Dá imensa pena ver grupos que outrora defenderam a vida, cheios de ideal, tantas vezes inspirado pelo Catolicismo, se dedicam hoje a atacar a Igreja e o Papa. Que vai acontecer por cá?
Na “Caminhada pela Vida”, em Lisboa, no meio de muitos cartazes sugestivos, encontrei um que reproduzia uma fotografia infeliz da jovem Greta Thunberg e lhe fazia uma crítica. Assustei-me! A mensagem maravilhosa da vida vai ser envenenada pelo espírito amargo da morte?
Os poderes que se opõem à dignidade humana são tão esmagadores, e frequentemente tão cruéis, que só um milagre pode fazer com que os mártires dos nossos dias consigam sofrer felizes, cheios de estima pelos que lhes fazem mal. Parece impossível. No entanto, ao longo dos séculos, este milagre aconteceu. Talvez a diferença entre o êxito e o fracasso seja que uns confiam em Deus, os outros confiam nas próprias forças.
José Maria C.S. André
Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa