Lusofonia, Médio Oriente, Ásia, China

Tem Francisco uma agenda política?

A pergunta é simples, mas a resposta indefinida. O Papa Francisco tem marcado o seu ainda curto pontificado pela aproximação aos fiéis, mas tem saído pouco de Itália. As viagens apostólicas não abundam no currículo, sendo planeadas com todo o cuidado. Contudo, começam-se a visualizar as principais prioridades do Santo Padre no que respeita à agenda diplomática. Sem reserva dizemos que o mundo lusófono está inscrito na lista, ao lado do Médio Oriente e da Ásia, com a China no topo das prioridades. O CLARIM faz uma breve resenha das deslocações do Papa ao estrangeiro, desde que foi eleito em 2013, procurando deslindar o sentido político por detrás de cada visita.

Terá o Papa Francisco uma estratégia, de âmbito diplomático, para os diferentes blocos políticos e sócio-económicos que regem os cincos continentes?

Desde que foi eleito para a Cadeira de Pedro que o antigo arcebispo de Buenos Aires é alvo dos mais variados estudos por parte de especialistas em Comunicação, Diplomacia, Geopolítica, Geoestratégia, entre outras áreas sociais. A prová-lo está o número de intervenções dedicadas ao Papa Francisco durante o “IX Seminario Professionale sugli Uffici di Comunicazione della Chiesa”, realizado na Pontificia Università della Santa Croce, em Roma, em Abril deste ano.

De facto, a intervenção de João Paulo II na esfera da política mundial – de que viria a resultar a queda do Muro de Berlim – deixou um legado aos seus sucessores difícil de gerir, dado que a influência da Igreja Católica também diminuiu com a democratização do Leste Europeu, e consequentemente de outros países fora do Velho Continente, deixando de ser relevante para a resolução dos conflitos diplomáticos. Coube ao Papa Bento XVI reposicionar o Vaticano no mapa político mundial, tendo aproveitado o tempo para redefinir a Doutrina Religiosa, pelo menos no que respeita à sua prática.

O surgimento de Francisco marca o terceiro período do ciclo iniciado com João Paulo II, que se traduz no reaproximar das pessoas à Igreja, não deixando de intervir de forma diplomática sempre que esteja em causa a dignidade humana. O encontro mediado pelo Sumo Pontífice entre o presidente israelita, Shimon Peres, e o presidente da Autoridade Nacional Palestiniana, Mahmud Abbas, nos jardins do Vaticano, demonstrou que a Santa Sé continua a ser voz activa no longo e tortuoso processo de pacificação do mundo.

Um bom barómetro da importância atribuída pelo Papa aos diferentes blocos políticos e sócio-económicos são as viagens apostólicas por ele efectuadas, não só pelo que significam para os crentes, como pela força da mensagem transmitida em cada momento.

 

Francisco lusófono

A primeira viagem apostólica do Papa Francisco teve lugar em 2013 – uma visita ao Brasil por ocasião da Jornada Mundial da Juventude. Da primeira deslocação fora de Itália ficará para sempre na memória a missa de encerramento do evento na Praia de Copacabana, que juntou cerca de três milhões de pessoas.

No rescaldo foram mencionados vários factos como a importância dada por Francisco aos jovens; o carinho com que abraçou o povo brasileiro, à margem da rivalidade histórica entre o Brasil e a Argentina; a primeira viagem ter como destino a América do Sul, região onde o Catolicismo continua a crescer de forma considerável; e tratar-se de um país lusófono, sabendo-se o peso político e económico do Brasil no seio dos Países de Língua Portuguesa. Quanto à mensagem do Papa, foi realçada a questão da inclusão dos jovens e dos mais pobres na sociedade, por força dos desvios a que os jovens estão sujeitos e do fosso entre ricos e pobres.

Depois do Brasil, em 2015 Francisco é esperado em Timor-Leste, que também tem o Português como língua oficial. Por enquanto não se conhecem quaisquer pormenores da visita do primeiro Papa ao País depois da independência (o Papa João Paulo II esteve em Díli em Outubro de 1989, durante a ocupação indonésia).

O convite foi endereçado pelo presidente da Conferência Episcopal de Timor-Leste, D. Basílio do Nascimento, bispo de Baucau, no âmbito da preparação das comemorações dos 500 anos da chegada dos portugueses.

No percurso entre a Itália e Timor-Leste o Papa irá aterrar no Sri Lanka, país com fortes ligações históricas a Portugal e onde o Português é ainda falado por pequenas comunidades. O Sri Lanka é membro de pleno direito da Associação dos Comités Olímpicos de Língua Oficial Portuguesa (ACOLOP).

Tanto Timor-Leste como o Sri Lanka vivem hoje a herança da guerra, cuja história é contada pelos mais velhos, mas os efeitos – fome, baixo nível de literacia e gritante desigualdade social – são ainda sentidos pelas novas gerações.

A título de curiosidade, depois do Sri Lanka seguem-se as Filipinas, antiga colónia de Espanha – à semelhança da Argentina – onde outrora o Castelhano foi língua oficial.

Em 2017 o Papa é esperado em Portugal por ocasião do Centenário das Aparições de Fátima.

 

Terra Santa e Coreia do Sul

Este ano o Papa visitou a Terra Santa e a Coreia do Sul, duas viagens de diferente significado em termos religiosos, mas com um mesmo objectivo: fomentar a Paz.

Na Terra Santa, Francisco conseguiu unir o que guerra e os muros há décadas insistem em separar. Judeus e palestinos estiveram em comunhão com o Papa, independentemente das religiões professadas, testemunhando a Paz emanada do Santo Padre. O encontro com o Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu I, principal bispo da Igreja Ortodoxa, foi um exemplo para o mundo, pela forma sincera com que os dois líderes religiosos se abraçaram, reforçando a ideia de que o diálogo é a única solução para o entendimento e a comunhão na diferença.

Também a reza no Muro das Lamentações, a visita à Basílica da Natividade e a tantos outros lugares relevantes, sem medo de quaisquer represálias por parte de grupos fundamentalistas, provaram que os homens puros não são ameaça à liberdade do seu semelhante. Depois, claro está, o lado político da viagem: o convite endereçado a Shimon Peres e Mahmud Abbas para se encontrarem no Vaticano.

De Paz falou igualmente o Papa na Coreia do Sul, no passado mês de Agosto, por ocasião da Jornada Asiática da Juventude. Recebido ao mais alto nível pelas autoridades do País, Francisco deixou uma mensagem de esperança para o futuro das relações entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte, numa altura em que se intensifica a guerra de palavras entre os dois lados, com maiores prejuízos para o lado norte, desde há muito refém das sanções económicas impostas pelo Ocidente ao regime fundado por Kim Il-sung.

Apesar da Coreia do Norte ter retirado a possibilidade a alguns dos seus nacionais de participarem na missa de encerramento da Jornada Mundial da Juventude, presidida pelo Papa, e deste ter desistido da ideia de visitar a zona desmilitarizada, a viagem apostólica redundou num sucesso, tendo em conta o número de fiéis que durante os diferentes momentos do programa oficial quiseram ver, ouvir e estar junto de Francisco.

Para a Coreia do Norte foi enviada a mensagem de que a Igreja não defende nem acusa regimes, apenas procura que todos vivam em liberdade, paz e harmonia. A “luta” do Vaticano é a defesa destes três pilares, estando atento e vigilante a todas as movimentações que atentem contra a sua vigência.

 

China

A presença do Papa na Coreia do Sul encheu de esperança o mundo católico que ansiava que Francisco pudesse vir a fazer escala em território chinês. Algumas semanas antes da viagem a Seul especulou-se nos corredores do Vaticano sobre a possibilidade do “avião papal” poder aterrar – ainda que por breves horas – em Pequim. Na base desta esperança esteve o facto do Papa e o Presidente chinês Xi Jinping trocarem cartas desde que ambos foram eleitos em 2013, com intervalo de apenas 1 dia.

Todas os anseios e esperanças caíram por terra no passado mês de Agosto quando o Santo Padre apenas sobrevoou a China. No “cockpit” do avião orou pelos católicos do País.

Apesar das relações entre o Vaticano e a China ainda não permitirem o aperto de mão entre os líderes dos dois países, a Igreja Católica vai percorrendo o seu caminho, sendo de registar a nomeação de um padre de etnia chinesa para arcebispo da arquidiocese de Kuala Lumpur, a nomeação do ex-governador de Hong Kong, Chris Patten, para líder de um grupo de trabalho encarregado de modernizar e optimizar os Meios de Comunicação Social do Vaticano e o envolvimento da Diocese da ex-colónia britânica no processo de democratização do sistema político.

Está também em estudo a migração em massa da população chinesa do campo para a cidade, no que respeita aos novos desafios da Igreja Católica na China, uma vez que serão os fiéis os primeiros a pressionar Pequim para estabelecer um dialogo mais profícuo com a Santa Sé, em detrimento dos interesses da nebulosa Associação Patriótica Católica Chinesa.

José Miguel Encarnação

jme888@gmail.com

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