Pecados contra a Esperança – 6
Os pontos básicos da nossa reflexão sobre a esperança cristã devem incluir uma nota sobre os pecados contra a esperança. O que é o pecado?
O pecado é um mal moral, um acto humano mau, uma falha na realização humana, um apego indevido às coisas e o consequente afastamento de Deus. O pecado pode dominar a nossa vida e tornar-nos escravos (cf. Rm., 3, 9; 7, 14). De facto, «todo aquele que comete o pecado é escravo do pecado» (Jo., 8, 34). O pecado, o pecado grave, é o mau uso da liberdade. Santo Agostinho diz-nos nas suas “Confissões” que, quando estava em pecado – quando era jovem e levava uma vida desregrada –, tinha “a liberdade de um escravo fugitivo”. O pecado é uma traição do amor que perturba a nossa relação com Deus, connosco próprios, com os outros e com a natureza (Vaticano II, GS, n.º 13). Desde o pecado de Adão e Eva, o pecado apresenta-se como promessa, mas não passa de uma ilusão e de uma mentira (A. Peteiro).
A definição de pecado aplica-se formalmente aos pecados mortais ou graves, isto é, aos pecados que cortam a nossa relação graciosa e amorosa com Deus e uns com os outros. Os pecados veniais não nos afastam da graça e do amor divinos, mas são também pecados que diminuem a alegria e o fogo do seguimento de Jesus e, embora sejam pecados leves, são má companhia no nosso caminho esperançoso da vida; podem mesmo levar-nos a pecados graves. Há diferentes tipos de pecados quanto à sua matéria distinta, incluindo os pecados contra as virtudes. Quais são os pecados contra a virtude cristã da esperança?
O Catecismo da Igreja Católica, ao apresentar o primeiro mandamento, “adorarás o Senhor teu Deus e só a ele servirás”, fala brevemente das três virtudes teologais. Relativamente à esperança, o Catecismo descreve brevemente a definição de esperança e os principais pecados possíveis contra a esperança, nomeadamente o desespero e a presunção (cf. n.os 2091 e 2092).
O desespero é um pecado contra a esperança por defeito. Provém da luxúria e da preguiça (cf. Suma Teológica, II-II, 20, 4). O desespero é um pecado muito grave: «A tua dor é incurável, a tua ferida é dolorosa» (Jer., 30, 12). É descrito como um fracasso antecipado, como uma morte interior, como uma renúncia voluntária à bem-aventurança eterna considerada inatingível, como “o reverso de um orgulho mascarado”. É contra a misericórdia de Deus. O desespero é um pecado muito perigoso. “Cometer um pecado é a morte da alma; mas desesperar é descer ao inferno” (A. Royo Marin). Não é fácil cometer um pecado de desespero perfeito. Mas não é assim tão difícil cometer pecados de desespero imperfeito, como o abandono das práticas espirituais e da oração, o desânimo, a ansiedade. Da parte de Deus, todos os pecados são perdoáveis; da parte do homem, no entanto, alguns pecados podem parecer – mas não são – imperdoáveis, por exemplo, o pecado do aborto para algumas mães que o cometeram.
A presunção é um pecado contra a esperança por excesso. É, observa São Tomás, a falta de temperança e de moderação na esperança. Opõe-se à magnanimidade, que modera a esperança. A presunção é descrita como “realização antecipada”, como “uma confiança excessiva em obter a salvação da alma por meios não sancionados por Deus”. O Catecismo da Igreja Católica afirma que uma pessoa pode ser pecaminosamente presunçosa se pensar que pode ser salva pelas suas próprias forças, ou se compreender mal a misericórdia de Deus ao esperar alcançar o seu perdão sem conversão, e a glória sem mérito (cf. CIC n.º 1092). Embora o pecado da presunção perfeita não seja fácil de cometer, não é difícil pecar contra a esperança, confiando excessivamente nas nossas forças para fazer o bem ou na misericórdia infinita de Deus – mesmo sem arrependimento.
A esperança é a virtude do peregrino. Acontece que, no caminho para o encontro com Deus no céu, haverá obstáculos e dificuldades: o caminho do peregrino da esperança é, por vezes, acidentado e, por vezes, sem luz visível. Estes perigos exigem do peregrino paciência. Por isso, a impaciência é outro pecado contra a esperança. O peregrino caminha com outros, que são diferentes dele e pedem respeito e tolerância (J. R. Flecha). O apego aos bens, às outras coisas, é um sinal de falta ou de fraqueza de esperança. Escreve Thomas Merton: A esperança é proporcional ao desapego. Estar muito agarrado a si próprio, ao nosso “ego gordo”, é sinal de que a nossa visão não está orientada para o futuro. A esperança está aberta ao futuro – a Deus, à vida eterna (cf. Bento XVI, Spe Salvi).
A esperança teológica pode ser negada pelas utopias intramundanas ou pela ideologia do progresso. O progresso é ambivalente (Bento XVI). O autêntico progresso humano acredita no progresso integral – para um e para todos – e está aberto à transcendência (Paulo VI). Escreve o teólogo José Román Flecha: “O progresso material necessita do progresso moral e este exige o progresso espiritual” (“La esperanza”).
Quais são os outros pecados contra a esperança? J. Moltmann considera que o pecado que mais ameaça o crente não é o mal que ele faz, mas o bem que ele não faz. Não são os seus erros, mas as suas omissões. Estas acusam-no de falta de esperança.
Outro pecado contra a esperança, hoje, é a solidão: a solidão do cristão que está só e solitário. Neste sentido, como escreve o teólogo Felicisimo Martínez, a solidão e a falta de esperança são irmãs gémeas. A solidão absoluta é como o inferno. Por seu lado, Segundo Galileu considera como pecados algumas superstições actuais contra a esperança, incluindo superstições religiosas, científicas e ideológicas.
No seu livro “As Virtudes do Cristão Vigilante”, Carlo Maria Martini, citando Heinrich Schlier, indica alguns dos sinais da falta de esperança nos nossos dias. Estes são, entre outros, os seguintes: ceder ao mau humor, à impaciência, à inquietação, à amargura; toda a falta de calma, o excesso de conversa em discursos vazios, a dispersão numa multiplicidade de coisas, a falta de estabilidade nas decisões da vida. O cardeal D. Martini cita outros: a falta de clareza, a falta de objectividade, a incoerência e a desonestidade.
Outro pecado contra a esperança é a acédia ou tristeza espiritual. A acédia é um pecado contra a esperança: é tristeza, passividade (cf. Suma Teológica, II-II, 20, 4). A tristeza foi considerada por alguns eremitas e padres como o oitavo pecado capital. Podemos acrescentar outro pecado contra a esperança: descartar a possibilidade de se tornar santo. Somos levados a dizer: “A santidade é para almas extraordinárias e eu não sou uma delas”. Errado: Deus chama-nos a todos à santidade, e nunca nos abandonará, mas temos de cooperar – com a sua graça e o seu amor – para fazer a sua vontade.
Para terminar, citemos o teólogo B. Haring: “Estará o nosso mundo actual consciente de um dos pecados mais perigosos contra a esperança? É o empenho excessivo na actividade, no sucesso, no progresso e no desenvolvimento, cortando as fontes da esperança: a contemplação, a oração, o repouso diante de Deus. Quem não se preocupa em manter limpa e forte a fonte da liberdade criativa e da fidelidade, está a pecar contra a sua própria esperança e a esperança do mundo” (in “Livres e fiéis em Cristo”, cap. II).
Pe. Fausto Gomez, OP