Objecto e objectos da esperança – 3
Depois de tentar responder à pergunta “o que é a Esperança?” e à pergunta “quem são aqueles que esperam?”, ou seja, depois de reflectir sobre a natureza da esperança e sobre os peregrinos esperançosos no caminho da vida, tentamos responder, na terceira coluna, à pergunta “o que é que esperamos?”. Consideremos, a seguir, o objecto principal da esperança cristã e os seus objectos secundários.
A esperança tem três características essenciais: pessoal, comunitária e cósmica. A definição clássica de esperança indica-nos os sujeitos da esperança (os peregrinos esperançosos) e o objecto e objectos da esperança. Ao examinarmos os objectos da esperança teologal, conheceremos melhor a natureza da esperança cristã.
O fundamento, o objecto e o fim da esperança é a vida eterna, isto é, o encontro com o Senhor da glória e da misericórdia, a comunhão plena com Deus, a felicidade eterna ou o fim do nosso caminho de vida esperançosa. Para poder esperar a vida eterna, a felicidade perfeita, a vontade do homem precisa do dom da virtude infusa (teologal) da esperança. Lemos na Constituição Gaudium et Spes do Vaticano II: “Criados todos à imagem e semelhança de Deus…, e todos são chamados a um só e mesmo fim, que é o próprio Deus” (GS, n.º 24).
Os israelitas do Antigo Testamento esperavam sucessivos objectos da esperança: a posteridade de Abraão, a Terra Prometida, o regresso à pátria e a era messiânica. A esperança do Antigo Testamento é geralmente esta esperança-palavra, com algumas excepções, em particular o livro da Sabedoria, que fala da esperança da imortalidade dos justos (cf. Sb., 3, 4; 5, 14).
Os cristãos esperam a glorificação do Senhor, a glória do Pai, a manifestação desta glória nos santos, em todos nós. Esperam a salvação, a herança dos santos, o Reino de Deus, a vida eterna. A esperança cristã inclui a imortalidade não só da alma, mas também do corpo (somos corpo-alma). O objecto da esperança – um bem futuro, difícil mas possível de alcançar – é, objectivamente, o próprio Deus e, subjectivamente, a visão beatífica, ou seja, a visão de Deus pelos seres humanos no Céu. O objecto final da esperança é Deus, como nosso fim último.
Assim, na Teologia tradicional, o primeiro objecto da esperança é a vida eterna (cf. 1Jo., 2, 25), sendo sempre um objecto velado para a pessoa humana. Deus é objecto da esperança e, ao mesmo tempo, objecto de temor: da esperança, por causa da sua infinita misericórdia; de temor, por causa da sua infinita justiça, que é justiça misericordiosa.
O objecto motivador da esperança é, fundamentalmente, o amor infinito de Deus pelos homens – e pela sua criação. São Tomás, exprimindo a tradição cristã, fala dos dois motivos fundamentais da esperança, a saber: os atributos de omnipotência e de misericórdia de Deus.
A nossa vida está orientada para o Céu. A nossa vida “é esperança, o mistério do futuro absoluto”, “a expectativa do Céu”, que é “a plena realização da esperança”. Subjectivamente, a nossa vida está orientada para o Céu. O Céu representa o motivo mais poderoso da vida humana (L. Boros, “Viver na esperança”). O Céu é o objectivo da nossa vida. E esperamos o Céu para nós e para os outros: a esperança não é um desejo egoísta do Céu, mas uma esperança pessoal e comunitária: espero que tu e eu – e todos – cheguemos ao Céu.
Palavras para reflectir: Não esperamos nenhum sucesso, mas o regresso de Jesus Cristo e o estabelecimento do seu reinado (cf. Jacques Ellul, “Essential Spiritual Writings”).
Percorremos o caminho de Jesus com uma esperança fiel, através de passos de amor. O papel que Jesus nos atribuiu: «Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações; baptizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e ensinai-os a cumprir tudo quanto vos mandei» (Mt., 28, 19-20). A nossa fé ensina-nos que não somos do mundo, que estamos no mundo, mas desligados do mundo (enquanto representação do mal) e, portanto, prontos a contribuir para a salvação do mundo. Daí o desapego e o envolvimento: desapegar-se do mundo e empenhar-se na missão de salvar a humanidade para o Pai, por Cristo, no Espírito.
Como estar mais perto do Céu? A condição essencial de Jesus: “Amar a Deus e amar o próximo”. Santo Agostinho: “Só podemos caminhar para o Céu com passos de amor”. “Na verdade, Deus é o futuro daqueles que sabem amar” (José António Pagola).
A vida cristã é uma peregrinação à casa do Pai – ao Céu – com e pelo Caminho, que é Jesus Cristo, com a luz e a guia do Espírito Santo. A então Congregação do Clero dizia: a formação contínua ou permanente para todos os seguidores de Cristo é um processo de configuração gradual e contínua a Cristo no seu ser e no seu agir (“O Dom da Vocação Sacerdotal”, Dezembro de 2016).
Objectos secundários, mas também importantes, da esperança cristã são todas as coisas relacionadas com Deus, incluindo os objectos das nossas legítimas esperanças humanas. Os motivos secundários da nossa esperança são a graça e as graças de Deus e os instrumentos da graça, incluindo a humanidade de Cristo, os Sacramentos, as nossas boas obras agraciadas como expressões de amor, a intercessão dos santos, principalmente da Mãe Maria. A Mãe Maria, a quem devemos ter uma devoção especial – amor filial –, é um ícone importante da nossa esperança e uma intercessora única diante de Deus: Maria é, segundo o Vaticano II, sinal de esperança segura e consolação para o povo de Deus peregrino (LG, n.º 68).
E para terminar! O que significa acreditar na vida eterna para a pessoa humana? Responde Santo Tomás: Significa a união com Deus, que implica a perfeita visão de Deus (chamada “visão beatífica”), o perfeito conhecimento e louvor de Deus, a perfeita realização dos desejos, a perfeita segurança e a companhia dos bem-aventurados. Que maravilha: “A vida eterna consiste na agradável companhia de todos os bem-aventurados, uma companhia repleta de prazeres, uma vez que cada um possuirá todas as coisas juntamente com os bem-aventurados” (Catecismo de Aquino, “O que os cristãos acreditam”, “O Credo dos Apóstolos”). O Céu “é o fim último e a realização das aspirações mais profundas do homem, o estado de felicidade suprema e definitiva”; é “comunhão de vida e de amor com a Santíssima Trindade, com a Virgem Maria, com os anjos e todos os bem-aventurados” (Catecismo da Igreja Católica n.º 1024).
Quais são as principais dimensões da esperança? Na nossa próxima coluna tentaremos responder a esta pergunta.
Pe. Fausto Gomez, OP