IGREJA DE SANTO AGOSTINHO

IGREJA DE SANTO AGOSTINHO

Papel importante na História de Macau

A construção da igreja de Santo Agostinho teve início em 1586, por iniciativa dos frades agostinhos (Eremitas de Santo Agostinho), e foi concluída em 1591. Inicialmente, tanto a igreja como o convento adjacente foram edificados, como outras primitivas edificações religiosas de Macau, em madeira e palha, materiais pouco resistentes ao clima húmido e aos ventos fortes do território. Para reparar os danos causados pelas intempéries, os frades cobriam as áreas afectadas com folhas de palmeira, que vistas à distância se assemelhavam a longas barbas. Esta característica peculiar levou a população chinesa a apelidar o templo de “Long Song Miu” (Templo do Dragão Barbudo).

O edifício actual, construído em pedra, data de 1814, e a configuração que hoje conhecemos foi estabelecida em 1874. Originalmente, a igreja era dedicada a Nossa Senhora da Graça e foi administrada pelos frades agostinhos italianos. Foi também a primeira igreja de Macau a realizar serviços litúrgicos em Inglês, um reflexo da diversidade cultural e da presença de comerciantes e missionários estrangeiros na cidade. O cardeal Tournon (Charles-Thomas Maillard De Tournon, 1668-1710), recorde-se, visitador apostólico com poderes de “legado a latere” do Papa Clemente XI ao Imperador Kangxi (Qing), faleceu nesta igreja no dia 10 de Junho de 1710.

MOMENTOS DE CONFLITO E TRANSFORMAÇÃO – A igreja sofreu danos durante os conflitos militares do Século XVII. Em 1623 foi atingida por três balas de canhão, um episódio que reflecte a instabilidade da época. No entanto, um dos momentos mais marcantes da sua história ocorreu em 1834, quando, no âmbito da política anticlerical do Império Português, todas as ordens religiosas foram extintas e os seus bens confiscados. A igreja de Santo Agostinho foi então convertida em quartel militar e hospital, perdendo temporariamente a sua função religiosa.

Com o abrandamento das políticas anticlericais no final do Século XIX, o Governador de Macau devolveu, em 1873, a administração da igreja à Confraria de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos, que restaurou a sua vocação religiosa e retomou o culto católico. Até aos dias de hoje, a igreja permanece sob a administração desta confraria, estando integrada no território da paróquia da Sé.

PROCISSÃO DO SENHOR BOM JESUS DOS PASSOS E A FÉ POPULAR – No interior da igreja destaca-se o altar-mor de mármore, ricamente ornamentado, onde se encontra uma estátua de tamanho natural de Jesus Cristo carregando a Cruz. Esta imagem está associada a uma tradição profundamente enraizada na comunidade católica de Macau: a Procissão do Senhor Bom Jesus dos Passos, realizada anualmente no primeiro Domingo da Quaresma.

Segundo uma lenda popular, houve um tempo em que as autoridades religiosas decidiram transferir a imagem para a Sé Catedral. Na manhã seguinte, a mesma imagem terá regressado, de forma milagrosa, ao altar da igreja de Santo Agostinho. Este episódio reforçou a devoção local e deu origem à procissão, que se mantém até hoje. Durante o evento, a imagem de Cristo é transportada até à Sé, onde permanece por uma noite, regressando no dia seguinte, em procissão, pelas ruas da cidade, num percurso que evoca a Via Sacra e a Paixão de Cristo.

Curiosamente, no início do Século XVIII, quando os frades agostinhos foram expulsos de Macau, a procissão foi interrompida. Pouco tempo depois, a cidade enfrentou um período de escassez alimentar, levando a população chinesa a associar a falta de provisões à ausência da imagem nas ruas. Atendendo aos pedidos da comunidade, a igreja decidiu retomar a tradição, coincidindo com o fim da crise alimentar, o que reforçou a crença no caráter milagroso da procissão.

ARQUITECTURA E ELEMENTOS HISTÓRICOS – A igreja de Santo Agostinho conserva diversos elementos que testemunham a tradição litúrgica pré-Concílio Vaticano II. Entre eles, destaca-se a grade da comunhão, onde os fiéis se ajoelhavam para receber a Eucaristia, e o púlpito octogonal de madeira, que numa época sem sistemas sonoros permitia aos pregadores serem ouvidos por toda a congregação. Acima do altar-mor encontra-se uma escultura de mármore de Santo Agostinho, um dos grandes pensadores e santos do Cristianismo, cuja vida e obra influenciaram profundamente a Igreja Católica. No interior da igreja, pode ainda ser vista uma imagem de Santa Mónica, mãe de Santo Agostinho, conhecida pela sua perseverança e orações pela conversão do filho. O interior da igreja distingue-se também pelo seu espaçoso tecto azul-turquesa, conferindo ao espaço uma atmosfera solene e serena.

PATRIMÓNIO E FIGURAS HISTÓRICAS – Desde 2005, a igreja de Santo Agostinho faz parte do Centro Histórico de Macau, um conjunto de edifícios classificados como Património Mundial da UNESCO. Este reconhecimento sublinha a importância histórica e cultural do templo, que continua a ser um dos marcos mais icónicos da cidade.

Além da sua relevância religiosa e arquitectónica, a igreja guarda a memória de figuras históricas, entre as quais se destaca Maria de Moura, protagonista de uma trágica história de amor. Em 1710, Maria casou com o capitão António Albuquerque Coelho, mesmo após este ter perdido um braço num duelo contra um pretendente rejeitado. Pouco tempo depois, Maria faleceu durante o parto e foi sepultada na igreja, juntamente com o filho e o braço do marido, perpetuando uma narrativa de romance e sacrifício.

CONCLUSÃO – A igreja de Santo Agostinho é um testemunho vivo da fusão entre as tradições ocidentais e a cultura chinesa, desempenhando um papel central na história religiosa de Macau. Desde os seus primórdios, quando era conhecida como o Templo do Dragão Barbudo, até ao presente, em que se afirma como um local de culto e peregrinação, este templo continua a ser um símbolo da identidade multicultural da cidade.

Vítor Teixeira

Universidade Fernando Pessoa

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