Regresso às aulas marcado pelo “marketing”

Regresso às aulas marcado pelo “marketing”

Esta semana, em Portugal, muitos pais estão a passar – pela primeira vez – a mesma experiência que nós. Em Macau o mesmo se passou há uns dias, mas deixo-vos o testemunho da nossa experiência.

A nossa filha, nascida em Macau, vai completar sete anos de idade. Ingressa este ano na «escola dos grandes», como lhe chama. A Primeira Classe, dizemos nós, mas para ela é sempre a «escola dos grandes»…

Na passada sexta-feira foi dia de apresentações, do professor, do pessoal não docente e das instalações. O professor é um amigo de família, por nós conhecido de longa data, e que já foi responsável pelos primeiros quatro anos de escola do meu sobrinho mais novo. Agora é a vez da nossa pequena macaense, que viveu grande parte dos seus seis anos a bordo do veleiro Dee.

Três anos após nos termos fixado em terra firme – mais precisamente em Portugal – (fez três anos no passado dia 16 que por motivos de saúde tivemos de deixar a nossa “casa flutuante” nas Caraíbas e rumar à Europa) a Maria ainda passa por alguns sobressaltos com a vida em terra, mas como é natural as experiências fora de água começam a superar as que viveu no barco. No entanto, as memórias estão de tal forma enraizadas que de tempos a tempos vamos sendo surpreendidos com pormenores que recorda dos primeiros anos de vida. Há muitas coisas que nós – adultos – somente a muito custo nos conseguimos lembrar.

No passado fim-de-semana, depois do dia das apresentações na Escola Primária onde irá aprender a ler e a escrever, fomos às compras com a lista do material que nos foi entregue. Andámos o Verão todo a tentar evitar comprar material escolar, pois não queríamos comprar algo que depois não fosse necessário. Apenas adquirimos os livros oficiais com recurso ao sistema de senhas que o Governo de Portugal patrocina, o que permite obter os manuais do ensino obrigatório de forma gratuita. No final do ano lectivo serão entregues para que possam ser usados por outros meninos que ingressem na Primeira Classe. Para o efeito, os alunos não podem escrever com caneta nos manuais.

Comprámos uma mochila com rodas e a imagem estampada de um buldogue francês, semelhante ao nosso Noel, nascido em Taiwan. Para levar à escola quis vestir um conjunto de roupa que insistiu comprar em França, durante a última viagem que efectuámos. Tudo o resto foi adquirido no passado fim-de-semana. Por incrível que pareça, por meia-dúzia de canetas, lápis de escrever e de cor, uma régua, alguns cadernos e capas para guardar as fichas de avaliação e os trabalhos realizados, uma marmita para o lanche da manhã e da tarde, uma borracha e mais alguns itens diversos, pagámos cem euros. Ora, tratando-se de uma criança da Primeira Classe, considero a quantia astronómica. Imagine-se como fazem as famílias que têm dois e três filhos em idade escolar.

Se aos cem euros juntarmos os dez euros com que carregámos o cartão das refeições (deverá dar para pouco mais de cinco almoços, dado que cada um custa 1 euros e 46 cêntimos, e ainda há que pagar alguns cêntimos por uma bebida), mais setenta euros para a mochila, trinta para os livros de actividades, e uns cinquenta para a roupa nova, o total gasto aproxima-se de metade do ordenado mínimo em Portugal… Basta multiplicarmos este valor por duas ou três crianças para facilmente nos apercebermos que a ginástica financeira de grande parte das famílias deve ser extraordinária. É preciso também não esquecer que os custos vão aumentando à medida que os anos de escolaridade vão avançando.

A juntar a tudo isto está o “marketing” das marcas e dos supermercados que nesta altura do ano estão de “armas apontadas” a todas as crianças. Como estas não sabem distinguir o essencial do acessório, dado que a idade não lhes permite, levam os pais a comprar material a preços inflacionados, gastando centenas de euros para que os filhos possam fazer “boa figura” junto dos seus colegas no primeiro dia de aulas. É a sociedade de consumo no seu melhor e ainda nem chegámos ao Natal.

Tenho saudades dos dias em que vivíamos no barco e em que a Maria não sabia o que era a “Frozen”ou a “Vampirina”, nem fazia birra porque queria ver desenhos animados na televisão. Contentava-se a ver livros no seu quarto, a desenhar e a pintar em todo o tipo de papel com lápis de cera, gastos até não darem mais para pintar. Agora tem dezenas de caixas de canetas de feltro, de lápis de pintar e de cera, e cada vez que vai ao supermercado pede mais. E pede porque ainda não tem aqueles… Podemos afirmar com toda a certeza que quando vivia num ambiente que não era controlado pelo consumismo e pelo imediatismo da sociedade actual, era tão ou mais feliz do que agora. Era certamente mais activa e independente do que hoje em dia.

A própria Maria reconhece que quando vivia no barco tinha muito menos e não se importava de partilhar tudo o que tinha. Agora – algo confusa – diz não perceber porque não consegue parar de pedir que lhe compremos mais e mais… Tão bem funciona o “marketing” direcionado aos mais novos e os Governos nada fazem para o prevenir!

Mas consumismo à parte, o primeiro dia da Escola Primária, à semelhança do primeiro dia no Jardim de Infância, marca uma etapa no crescimento sociológico da criança e deve ser abordado como algo muito importante. Disso, nós, como pais, temos feito questão de lhe mostrar e de lhe dar a entender que entrar na “escola dos grandes” é um passo importante que deve ser valorizado. São mais responsabilidades e mais afazeres que ela sabe estarem a caminho, mas também mais oportunidades de ver o mundo de outra forma quando souber ler e escrever. Novas portas que se irão abrir todos os dias para explorar áreas que até agora lhe eram inacessíveis.

Para nós é também um desafio. À semelhança das crianças, vivemos estes dias com ansiedade.

João Santos Gomes

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