Dois episódios vistos de Portugal
O caso do senhor de Hong Kong que foi atacado depois de se ter envolvido numa acesa troca de argumentos com manifestantes, sobre o facto de todos serem chineses mas aqueles afirmarem ser “hongkongers”, correu mundo. Não querendo tomar partido, penso que os limites do bom-senso estão a começar a ser ultrapassados. Quando os manifestantes têm de recorrer a violência gratuita para impor o seu ponto de vista, seja ele qual for, perdem toda a razão que possam ter.
Ora, tudo o que se tem vivido em Hong Kong obriga-nos a reflectir sobre o que realmente se passa nesta antiga colónia britânica. Pessoalmente tenho-me retraído de tecer quaisquer comentários. É que estando a viver longe de Hong Kong, dificilmente consigo dar uma opinião de forma objectiva.
Tenho para mim que o problema é muito mais do que o desejo de uma menor interferência do poder de Pequim. Este sempre existiu mesmo durante a gerência inglesa. Há algo mais profundo e que tem a ver com interesses económicos, estando a democracia ou o direitos adquiridos em segundo plano. Mais uma vez, é o dinheiro que está por detrás de todas estas semanas de incessante violência na RAEHK. E o pior é que não se deslumbra qualquer solução a curto prazo, tendo em conta a posição extremada dos manifestantes, a ponto de já ninguém compreender o porquê de tanta violência.
Entretanto, em Macau, pelo que me tem sido dado a saber pela imprensa local, veio novamente à baila o caso do conjunto escultórico do Jardim das Artes, da autoria de José Guimarães, que se encontrava na zona da Avenida da Amizade… até aparecerem os novos casinos. Com a necessidade de remodelar toda aquela área, a fim de instalar os novos hotéis-casino, o jardim quase desapareceu e resta apenas uma pequena faixa onde permanecem algumas estátuas. Lembro-me, por exemplo, das estátuas de Adé e Zheng Guanying.
Segundo o jornal Ponto Final, parece que José Guimarães ter-se-á deslocado a Macau com o intuito de interpelar o Governo sobre o sucedido e que a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) também irá ao território para ver se – no mínimo – recebe um pedido formal de desculpas.
Lembro-me bem deste episódio e de muitos outros, verdadeiros erros de julgamento aquando das intervenções realizadas no património artístico de Macau. Neste caso, houve peças que chegaram a estar perdidas, pelo menos aos olhos da população. Quem autorizou ou quem efectuou tais atentados lá saberá onde colocou as esculturas.
Conhecendo bem a realidade de Macau, tenho quase a certeza que tentar sacar responsabilidades às pessoas envolvidas no processo é o mesmo que levar com mais areia nos olhos. Se a SPA quer – de facto – receber um pedido de desculpas, mais vale esperar sentada pois voltará para Portugal com mais promessas. Será pois mais fácil para José Guimarães pedir uma indemnização por danos. Quando se trata de perda de face, mais rápido aparecem um milhares de patacas do que um pedido de desculpas público. Se o autor não entende como funciona Macau e persiste em melindrar o Governo, então talvez não tenha compreendido o porquê de lhe terem encomendado o conjunto do Jardim das Artes para 1999.
Segundo o Ponto Final, recorrendo a uma citação da Agência LUSA, José Guimarães denuncia “não apenas a violação moral dos direitos de autor, mas também a destruição de um conjunto de obras de arte que representa uma cultura que permaneceu em Macau durante séculos”.
Na verdade, a cultura a que o artista se refere (certamente o jargão do “encontro de culturas”, tão chique no pré-handover) deverá estar retratado nas árvores metálicas que elaborou para Macau, em resultado de um aprofundado estudo e pesquisa apurada. No entanto, deve ter saltado o capítulo referente aos aspectos sócio-culturais do povo chinês, que os portugueses desde muito cedo conseguiram decifrar. Daí terem “aguentado” quase quinhentos à frente da Administração de Macau, numa parceria implícita, embora não assumida por ambas as partes.
Lembro-me de notícias vindas a público em 2005, tanto na Imprensa chinesa como portuguesa, acerca da insatisfação da população pelo desaparecimento do Jardim das Artes. Acontece que valores mais altos se impuseram e foi necessário remodelar parte da Avenida da Amizade. Como bem sabemos, quando é preciso não há nada que demova os governantes chineses, ainda para mais quando no seu entender é para o bem da população. Quer se queira, quer não, o Jogo é o motor da economia e os empreendimentos turísticos têm prioridade sobre tudo o resto.
À época, muitas vozes se levantaram a questionar o destino das esculturas, que até agradavam à grande maioria da população. Aquando da sua inauguração, as críticas na Imprensa chinesa foram muito positivas, pois tratava-se de uma novidade, tendo em conta outras obras encomendadas a artistas portugueses. A título de exemplo, recorde-se a polémica em torno do Centro Ecuménico Kun Iam, que ainda hoje gera comentários menos apropriados.
A terminar, insisto: é verdade que no Jardim das Artes houve falta de zelo e descuido. Mas se querem um pedido de desculpas e o reconhecimento público de que erraram, bem podem esperar sentados. Quanto muito poderá vir a ser a paga uma indemnização, se bem que o pedido para tal devesse ter sido feito há catorze anos. Agora poderá ser tarde!
João Santos Gomes