Vida nova em terra de católicos
Sempre tive por princípio que o mais importante na vida é viajar, e que numa viagem o mais importante é o trajecto e aquilo que com ele se vai aprendendo. Não distingo entre os meios de viagem, mas se me perguntarem qual prefiro escolho o carro; pela liberdade que nos dá de explorar locais a nosso bel-prazer e por termos a facilidade de rapidamente mudar de rumo e ir por ali, em vez de por acolá. Só porque sim e não porque alguém disse que tem de ser assim. A seguir, seria viajar de veleiro, pela total comunhão com os elementos e com a cumplicidade que tem de existir entre a Natureza e quem comanda os destinos da embarcação. Já viajar de avião é para mim um tormento. Só a ideia de estar enfiado dentro de uma lata, várias horas a fio, com centenas de pessoas que não me dizem nada e, principalmente, não ter qualquer controlo sobre a situação, faz com que só viaje de avião quando não existe outra opção viável.
Esta crónica foi escrita a meio de uma viagem por terra, de carro, num total de quase dois mil quilómetros; viagem que nos levou ao nosso próximo destino de vida e que para muitos é mais uma etapa que não entendem porque a fazemos. Mas quem realmente nos conhece, sabe que somos assim e que só assim sabemos ser felizes. A nossa vida tem sido isso mesmo: um encadear de aventuras, desafios e novos destinos. Se algum dia nos virem a acomodar, aí sim, devem ficar preocupados! Agora, enquanto formos surgindo com novos desenvolvimentos, que por muito tresloucados que pareçam são opções tomadas de livre vontade, podem ficar descansados que estamos bem e a nossa saúde mental ainda não nos deixou…
Chegámos a Portugal em 2016, em Setembro mais concretamente. E a razão que nos levou a Portugal foi negativa e forçada, pois motivos de saúde nunca são boa notícia. E essa razão sempre pairou no nosso subconsciente, e por muito que disséssemos que estávamos bem, lá no fundo sabíamos que estávamos ali obrigados. Por isso, agora que a situação de saúde parece estar clinicamente estabilizada – graças a Deus! –, é altura de dar outro salto. Um salto no escuro mas de lanterna na mão!
Como já revelámos anteriormente, a nossa nova etapa de vida passa actualmente pelo Grão-Ducado do Luxemburgo, onde mora metade da população da minha vila (é verdade!) e metade da minha família. E vamos, claro está, com emprego à nossa espera.
Se vamos gostar, se vai funcionar, se nos vamos ambientar? São perguntas recorrentes que nos colocaram diariamente desde que decidimos que teríamos de dizer às pessoas que vínhamos embora. A resposta é: NÃO SABEMOS! Mas também, sinceramente, para quem viveu na Ásia grande parte da vida; visitou quase todos os países do Sudeste Asiático e do Extremo Oriente de mochila às costas; e até viveu num barco e em ilhas que nem electricidade ou água canalizada tinham, não me parece que um dos países com índices de desenvolvimento mais elevados do mundo possa ser um grande problema de ambientação. Pessoalmente, penso que a maior dificuldade será mesmo voltarmos a viver num apartamento. Desde Macau que não sabemos o que é viver em altura. O espaço diminuto não é problema, tanto que vivemos num barco durante vários anos, mas viver numa “caixa”, com vizinhos, elevadores, lavandarias comuns, escadas, caixotes de lixo comunitários, vai ser uma aventura conseguir ajustar a nossa mentalidade a tudo isso.
Penso que quem vai ter menos problemas será mesmo a mais nova – a nossa Maria. A sua experiência de viver num apartamento em Macau não lhe deixou memórias, mas como tem amigas de escola que vivem em apartamentos, já há algum tempo que nos tem dito que gostava de viver num… A ver vamos se continua com a mesma opinião quando se aperceber que não pode correr no pátio ou ir ao quintal; ou mesmo saltar da cama para o chão sem que o vizinho de baixo não comece a bater no tecto com o cabo da vassoura. Era assim que eu me queixava à vizinha do 12.º andar no Ocean Gardens quando esta chegava a casa com energia a mais, depois de uma noite no Wanchiu, e eu a ter que ir entrar na Rádio Macau às cinco da manhã.
Uma certeza tenho: vamos conscientes das dificuldades e dos problemas que vamos ter de enfrentar, principalmente nos primeiros meses de adaptação. A língua de trabalho, o Francês, não será grande problema para nós, adultos, porque ambos falamos a língua francófona. A Maria, com a facilidade que as crianças têm em aprender coisas novas, muito provavelmente já se deverá desenrascar passados seis meses. A comida, como não iremos ter muito tempo para comer fora, também não será um problema pois será confeccionada por nós. Já o frio do Centro da Europa, esse malvado que me dá cabo dos ossos, é que pode deixar marcas. É que sou “alérgico” ao frio. Mas, como sempre acontece, já estou mentalizado; e se os outros o conseguem enfrentar, porque não serei eu capaz de conseguir? Mas sobre o frio falar-vos-ei lá mais para Abril do próximo ano, quando a neve e o gelo desaparecerem pela primeira vez. Até lá, deixem-me andar entretido com outras matérias para que não me lembre desse contratempo.
Uma coisa é certa, o Luxemburgo tem tanto para nos dar e tanto para nos ensinar que valerá a pena o esforço. Para a semana trago-vos um primeiro cheirinho da forte presença do Catolicismo no Grão-Ducado.
João Santos Gomes