Gastão de Barros, o último fundador d’O CLARIM

Gastão de Barros, o último fundador d’O CLARIM

ANTIGO PRESIDENTE DA CÂMARA DAS ILHAS FALECEU NO PASSADO DOMINGO

Gastão Humberto de Barros, o último sobrevivente do grupo de oito jovens que em 1948 propôs aos padres Júlio Massa e Fernando Maciel a criação d’O CLARIM, faleceu ao final da tarde do passado Domingo, aos 89 anos. Nascido no Bairro de São Lázaro, o antigo chefe-substituto da Repartição dos Serviços da Administração Civil notabilizou-se como presidente da Câmara Municipal das Ilhas nos dias turvos que se seguiram ao motim do 1,2,3.

Fundador d’O CLARIMe antigo administrador da ilha da Taipa, Gastão Humberto de Barros faleceu no passado Domingo, aos 89 anos, devido a complicações associadas à doença de Alzheimer. A informação foi avançada pelo filho, Gastão Humberto de Barros Júnior, que adiantou que o corpo do antigo chefe-substituto da Repartição dos Serviços de Administração Civil segue hoje (sexta-feira) para a República Popular da China, onde será cremado. Antes, por volta das dez horas, é rezada missa na Casa Funerária Diocesana.

Nascido a 10 de Dezembro de 1929 na Rua do Volong, em pleno coração do mais castiço dos bairros macaenses, o bairro de São Lázaro, Gastão de Barros tem o nome associado à fundação d’O CLARIM, mas foi ao serviço da Administração Pública do território que se notabilizou, primeiro como administrador da Taipa e autarca das ilhas, depois como administrador do concelho de Macau e, finalmente, como director-substituto da Repartição dos Serviços de Administração Civil, o organismo que antecedeu a actual Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP).

Os anos em que esteve à frente dos destinos da Taipa e de Coloane, arquipélagos à época ermos e remotos, foram dos mais conturbados da história do território, mas o trato diplomático com que se muniu e a rara capacidade de conciliação que demonstrou nos meses que se seguiram ao 1,2,3 valeram-lhe um voto de louvor do então governador Nobre de Carvalho e o reconhecimento do Governo de Lisboa. «O meu pai era um apaziguador», sustenta Gastão Humberto de Barros Júnior. «Foi o meu pai, na qualidade de presidente da Câmara Municipal das Ilhas, que ajudou a serenar o mal-estar que se instalou entre as duas comunidades. Tanto é que aquando da inauguração da Estrada do Istmo, pouco mais de um ano e meio depois do levantamento, o governador Nobre de Carvalho é recebido por uma grande multidão e entre os que o receberam, de bandeira portuguesa na mão, estavam alguns dos instigadores do 1,2,3», ilustra o filho do antigo autarca.

Apesar de ser nominalmente administrador da Taipa à altura dos acontecimentos da recta final de 1966, o motim de 3 de Dezembro surpreende Gastão de Barros a mais de dez mil quilómetros de distância. Funcionário da Administração Pública do território desde Janeiro de 1949, diligente e perseverante, o jovem macaense foi enviado para a metrópole para reforçar competências no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, ao abrigo do processo de desenvolvimento e transformação da organização política e administrativa das então possessões ultramarinas.

Gastão de Barros devia permanecer em Lisboa por três anos. Acabou por regressar a Macau ao fim de pouco mais de um. «Quando o levantamento ocorreu, o meu pai frequentava o segundo ano do curso de administração colonial. O Ministério do Ultramar ficou alarmado com a forma como o Rui de Andrade, o administrador interino, geriu os acontecimentos e mandou o meu pai regressar», recorda Gastão Humberto de Barros Júnior.

RECONQUISTAR AFECTOS

Na Taipa que Gastão de Barros encontra no regresso ao Oriente já não se ouvem os pregões revolucionários que varreram o então enclave português no Inverno quente de 1966, mas a ilha continuava tolhida pela desconfiança. De Lisboa chegam ordens para que se faça o possível e o impossível para que se serenem ânimos e reconquistem afectos. Sem tempo para digerir em toda a sua amplitude os recentes tumultos, o Governo de Nobre de Carvalho lança um ambicioso projecto de construção de infra-estruturas públicas que tem, em grande medida, como objectivo acabar com o isolamento a que as ilhas estiveram secularmente remetidas. Nos sete derradeiros anos do Estado Novo, cutucado pelos inflamados ventos que sopravam de Pequim, Portugal faz mais pela Taipa e por Coloane do que havia feito nos cem anos imediatamente anteriores. A Gastão de Barros, na qualidade de presidente da Câmara Municipal das Ilhas, cabe a supervisão das obras que colocaram definitiva, mas tardiamente, a Taipa e Coloane na órbita da colónia. «Foi durante o consulado do meu pai como administrador das ilhas que se fizeram e inauguraram obras como o Istmo Taipa-Coloane e a Ponte Nobre de Carvalho, e que se normalizou o abastecimento de água à ilha da Taipa, com a construção dos reservatórios de Sete Tanques», explica Gastão H. Barros Júnior, acrescentando: «O meu pai chegou a pedir um parecer técnico ao engenheiro Edgar Cardoso para a construção de um pequeno reservatório junto ao que são agora as instalações da Hovione. Este reservatório ainda existe. É aquele pequeno lago, no jardim que ali há».

Impulsionador de pontes, físicas e metafóricas, foi também durante o consulado de Gastão de Barros à frente dos destinos das ilhas que começou a ser construído aquele que é actualmente o maior necrotério do território, o cemitério budista de Sá Kong. A obra mais emblemática em que o antigo autarca, agora falecido, se viu envolvido foi, no entanto, a primeira travessia entre Macau e a Taipa, recorda o filho: «Uns dias antes da inauguração da Ponte Nobre de Carvalho, já depois do 25 de Abril, foi promovida uma cerimónia para assinalar o fim das obras. O meu pai foi convidado a colocar as últimas pazadas de betume do lado da Taipa. O Joaquim Morais Alves, presidente da Câmara Municipal de Macau, fez o mesmo do lado da península. Este foi sempre um dos momentos que o meu pai evocou com maior orgulho».

A Macau, os ventos da democracia chegaram com o atraso costumeiro e envolveram o autarca na sua faceta mais hostil, a dos saneamentos políticos. Afastado das lides da Administração, Gastão de Barros só no final da década de 70 regressa à ribalta, ao ser nomeado administrador do concelho de Macau, cargo que desempenhou durante pouco mais de dois anos. No início da década de 80 é convocado para aquele que seria o seu derradeiro grande desafio na máquina administrativa local, substituindo interinamente Augusto Pires Estrela na liderança da Repartição dos Serviços de Administração Civil. Os anos de glória há muito que repousavam no passado, mas Gastão de Barros cedo conquistou um lugar na história. Em 1948, com dezanove anos acabados de fazer, juntou-se a José Patrício Guterres, Herculano Estorninho, José Silveira Machado, Rui da Graça Andrade, José de Carvalho e Rêgo, Abílio Rosa e a Rolando das Chagas Alves e sugeriu aos padres Fernando Leal Maciel e Júlio Augusto a criação de um jornal de inspiração católica que pudesse dar voz às aspirações dos jovens do território. O primeiro número d’O CLARIM chegou às bancas a 2 de Maio desse mesmo ano, com oito páginas.

Marco Carvalho

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