Fórmula E em Hong Kong

Sam Bird e Rosenqvist vencem em Central

Durante o passado fim-de-semana disputou-se a prova inaugural da quarta edição do “All Electric FIA Formula E Championship”, que levou à Região Administrativa Especial de Hong Kong alguma emoção e o velho desejo da cidade vizinha em também ter uma corrida de carros de cariz internacional. Tudo bem, mas o que é a Fórmula E?

A Fórmula E surgiu da necessidade de se adaptar as tecnologias da electricidade motora a monolugares de desporto. Em 2012, quando se começou a pensar neste projecto, já algumas marcas de renome usavam carros híbridos em provas de longa duração, como por exemplo do Campeonato do Mundo de Resistência, que inclui as famosas 24 Horas de Le Mans. 2013 é o ano oficial do “nascimento da Fórmula E”.

Durante os anos de 2012 e 2013 realizaram-se testes, alterações e adaptações, e o resultado foi a apresentação do Spark-Renault SRT 01E, no Salão Automóvel de Frankfurt de 2013. Um carro estranhamente bonito, fruto da combinação de esforços entre diversos nomes grandes do desporto motorizado. O chassis foi concebido pela Dallara, o motor eléctrico pela McLaren, o conjunto de baterias pela Williams Advanced Engineering, a caixa de velocidades de cinco mudanças pela Hewland, e a Michelin concebeu os pneus. Esta foi a motorização original, mas com o andar dos tempos e a confirmação de que a Fórmula E tinha vindo para ficar outros fabricantes foram entrando no desafio da electricidade e desde a época passada a categoria conta com nove construtores de motores: ABT Schaeffler, Andretti Technologies, DS-Virgin, Jaguar, Mahindra, NextEV TCR, Penske, Renault e Venturi.

O sucesso não foi imediato com muitos detractores a distanciarem-se do projecto, que demorou a atrair tanto espectadores como pilotos de renome. Para esta situação contribuiu o facto dos carros terem a velocidade limitada a 200/220 quilómetros por hora e as corridas serem disputadas em traçados muito pequenos – o de Hong Kong, onde se correram as duas primeiras provas desta temporada, tem apenas mil e 900 metros de perímetro, e o maior circuito tem três mil e 400 metros, pouco mais de metade do Circuito da Guia. Já se fala em aumentar o número de carros e a autonomia por forma a cobrirem distâncias maiores. Os carros actuais cobrem entre 55 a sessenta por cento da distância das provas. Esta realidade obriga a que cada piloto disponha de dois carros exactamente iguais: um para a primeira parte da corrida e o outro para a segunda metade. Os pilotos são chamados às boxes – em Hong Kong o sistema de comunicação via rádio (boxe-carro) não funcionou devidamente, o que causou alguns problemas – e trocam de carro com estratégias semelhantes às da Fórmula 1, incluindo mudança de pneus.

Embora ainda não tenha chegado a confirmação, ouviu-se por mais de uma vez que na próxima época (2018-19) os carros terão que cobrir a totalidade das corridas. Seria bem mais interessante pois a mudança de carro corta o ritmo das provas, por vezes prejudicando irremediavelmente o piloto – bem se pode queixar António Félix da Costa, que de segundo caiu para 16º com a alteração de carro.

A classificação é igual a todas as outras corridas da FIA, acrescidas de alguns bónus: três pontos pela “pole position” e um ponto pela volta mais rápida (nos dois primeiros anos atribuíram-se dois pontos). Os pilotos podem ainda beneficiar de um aumento de energia de 100KW, conhecido como “Fanoost”. O público, através das redes sociais, vota nos pilotos. Os três mais votados beneficiam deste aumento de potência, o que lhes permite atacar ou defender com mais facilidade.

A primeira corrida deste ano, com alguns contratempos durante a qualificação, viu Jean-Éric Vergne passar a linha de meta em marcha atrás, depois de um violento pião em que não bateu em nada, e mesmo assim obter a “pole position” e os cobiçados três pontos. Vários pilotos sofreram com a pequena largura da pista, toda murada e com poucas ou nenhumas escapatórias dignas desse nome.

Pela primeira vez na Fórmula E foi mostrada a bandeira encarnada, devido a um “engarrafamento de trânsito” na primeira volta. A corrida recomeçou cerca de 35 minutos mais tarde, com o “pace car” a impor o ritmo durante cerca de meia volta. Um senhor, de nome Edoardo Mortara, que saíra da 16º posição, acabou a primeira corrida no oitavo lugar. No primeiro pódio da época estiveram Sam Bird, em primeiro, Jean-Éric Vergne, em segundo, e Nick Heidfeld no degrau mais baixo. No Domingo, Mortara fez o segundo tempo da grelha de partida, tendo a seu lado Felix Rosenqvist. A corrida demorou em começar, enquanto se decidia a melhor forma de não haver outro “molhinho” na primeira volta. Tudo ficou resolvido com o “pace car” a entrar em pista – esticou o pelotão e ainda antes de completar meia volta deixou o traçado para que a corrida começasse a todo o gás (uma ideia a implementar em Macau!?).

O piloto finlandês dominou desde o início da corrida até ser traído por um bloqueio das rodas traseiras num dos “ganchos” do circuito. Ainda assim, conseguiu aproveitar o deslize do “Senhor Macau” e acabou no segundo posto. Mortara, muito ao seu estilo, a conduzir para além dos limites, parecia que tinha a corrida ganha, quando a três voltas do fim travou tarde de mais e acabou por deixar passar alguns carros. Por sorte, beneficiou do atraso dos concorrentes, tendo terminado no terceiro lugar. A sua linguagem corporal dizia bem do seu estado de espírito, admitindo ter cometido um erro durante a entrevista do pódio. Edo não estava ali para subir ao pódio; tinha ido para ganhar! O piloto alemão Daniel Abt venceu a segunda corrida, mas foi desclassificado devido a uma infracção técnica e a vitória caiu no colo de Felix Rosenqvist.

Foi bom? Hum… foi! Houve duelos roda com roda, reviravoltas na classificação, condução nos limites, muitos carros juntos, mas estes apenas andam a 200 quilómetros por hora. Os circuitos muito pequenos fazem com que os carros estejam sempre a passar e o espectadores gostam disso, mas vê-se que os pilotos, muitos deles com bons palmarés em outras disciplinas, querem mais, e talvez o público também. No primeiro ano em Hong Kong a afluência de espectadores foi fraca, mas este ano melhorou exponencialmente. Se para o próximo ano os carros já conseguirem cobrir todas as voltas da corrida, em provas mais longas, então tudo deverá ficar “comme il faut”.

Manuel dos Santos

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *