«Macau sempre mexeu com o meu imaginário».
Ávido por literatura de ficção ou histórica, ficou a conhecer Macau sem nunca cá ter estado antes. Carlos Albano deve-o a Henrique de Senna Fernandes, Rodrigo Leal de Carvalho e Luís Gonzaga Gomes. No entanto, ficou decepcionado com a realidade nua e crua quando esteve pela primeira vez no território no passado mês de Dezembro. A’O CLARIM, o algarvio descreveu as suas aventuras no périplo por antigos lugares de presença portuguesa na Tailândia, Malásia e Sri Lanka.
O CLARIM – Visitou diversos lugares asiáticos onde se fez sentir a presença portuguesa. Qual a razão para esta viagem autodidacta?
CARLOS ALBANO – É uma paixão que já vem de há pelo menos trinta e cinco anos. Sempre gostei de História. Há dois períodos que me fascinam: a Idade Média e os Descobrimentos. E como sempre gostei de viajar, um dia pensei: e porque não relacionar uma coisa com a outra? Os portugueses estiveram em tantos sítios… Porque não ir aos locais onde houve presença efectiva – feitorias, fortalezas, comunidades portuguesas residentes – ou pontos geográficos que foram importantes.
CL – Como por exemplo?
C.A. – O Cabo Bojador, onde não houve presença, nem nenhuma construção, mas teve bastante importância, sobretudo no início da Expansão Portuguesa.
CL – Por onde andou até agora?
C.A. – Já fiz duas travessias em África com companheiros de viagem. Em 1995 levei quatro meses e uma semana entre Sagres e Moçambique. Em 1997 foram precisos cerca de quatro meses e meio para ir de Moçambique até Portugal, mas por um caminho diferente. Era o único que levava o trabalho de casa feito e que se interessava por isso [aspectos históricos].
CL – E agora a Ásia…
C.A. – Depois de África, a Ásia… Já fui quatro vezes à Índia. Fiz praticamente quase toda a costa do Malabar. Desta vez decidi começar por Macau. Ou seja, fui de Portimão, onde vivo, até Lisboa, onde apanhei um voo para Hong Kong, e dali o “ferry” para Macau, onde permaneci dez dias.
CL – Curiosamente, em Hong Kong aterrou onde chegou à China, por via marítima, o primeiro explorador ocidental, Jorge Álvares.
C.A. – É verdade! Infelizmente cheguei de noite, por isso não consegui fotografar convenientemente uma panorâmica do aeroporto.
CL – Que balanço faz da estadia em Macau?
C.A. – Gostei bastante, se bem que tenha ficado decepcionado. A imagem que levava de Macau, onde nunca tinha estado, foi tudo o que li de pessoas que viveram em Macau no século passado… Henrique de Senna Fernandes, Rodrigo Leal de Carvalho, Luís Gonzaga Gomes. Tenho uma coleção de livros sobre Macau enorme. Macau sempre mexeu com o meu imaginário… Macau, Ormuz [no Irão], Goa e Malaca!
CL – Porquê uma decepção?
C.A. – A imagem que tinha de Macau não teve nada a ver com aquela que fui encontrar, a dos arranha-céus, das construções, do tráfego automóvel e da grande quantidade de gente por todo o lado. Apesar de saber que já não existiria, estava desenhada no meu subconsciente aquela imagem retratada nos romances desses autores, que descreveram aquela Macau típica, inclusivamente nos filmes que vi, sobretudo o “Amor e dedinhos de pé”, de Henrique de Senna Fernandes. Li também “A Trança Feiticeira”, do mesmo autor, e os livros de Rodrigo Leal de Carvalho, um magistrado que passou muitos anos em Macau, o qual fiz questão de conhecer quando fui à ilha Terceira, nos Açores.
CL – O que mais o impressionou no património?
C.A. – Impressionou-me sobretudo as fortificações: o que resta do Baluarte do Bom Parto, depois o Forte de São Tiago e a Fortaleza do Monte. Pelo muito que li e por tantas fotografias que vi, até posso dizer que já conhecia Macau antes de fazer esta viagem (risos).
CL – De Macau viajou para Banguecoque…
C.A. – Exacto! Fui aos três bairros onde houve forte presença portuguesa – Bairro de Santa Cruz, Bairro de Samsen e Bairro de Nossa Senhora do Rosário. Fui também a Ayutthaya, ancestral capital do Reino do Sião, onde visitei as ruínas da igreja dos Dominicanos e os vestígios do antigo cemitério, agora coberto por um pavilhão branco com formato de igreja. Além das ruínas do palácio real e de um templo budista, fui também à fortaleza de Phom Phet e vi o trecho norte do muro da cidade que originalmente terá sido construído com a ajuda técnica dos portugueses.
CL – Seguiu de comboio para a Malásia, com o intuito de passar o Natal em Malaca. O que encontrou?
C.A. – Fiquei cerca de oito dias e visitei o que resta do legado português, tal como a entrada da fortaleza [“A Famosa”] e o bairro português, pois era minha intenção passar o Natal entre “gente nossa”. A determinada altura, passava eu por uma rua do bairro, vi um carro que levava no retrovisor um galhardete com a bandeira portuguesa. Mandei parar o carro, tirei a foto ao galhardete e troquei algumas palavras com o condutor, um senhor que falava um pouco de Português.
CL – Tem mais peripécias para contar?
C.A. – Sim! Foi reconhecer um senhor que tinha visto num documentário na televisão em Portugal, intitulado “Malaca 1511” e realizado por um português. Era o senhor [Noel] Félix. Depois de falarmos um pouco, chegou um “rapaz” português, a quem expliquei como tinha reconhecido o senhor Félix. Para minha surpresa, era o realizador do documentário, de seu nome Pedro Palma. Passado pouco tempo, apresentou-me o senhor Manuel Lazaroo, mais conhecido por “Papa Joe”. E não é que também já o conhecia? Era o condutor do tal carro que tinha mandado parar. E foi a convite do “Papa Joe” que, depois de irmos à missa, passei o Natal em casa da sua família, onde estavam as irmãs e os sobrinhos. Foi um jantar à antiga portuguesa, com vinho português e tudo. Falaram comigo num Português antigo e eu com eles em Português corrente. Entendemo-nos perfeitamente, embora “metêssemos” uma ou outra palavra em Inglês quando havia mais dificuldade de entendimento.
CL – Terminou o seu périplo no antigo Ceilão, actual Sri Lanka, de maioria budista…
C.A. – Dei a volta à ilha. Há muita coisa modificada pelos holandeses, mas também dei com uma ou outra excepção. Estive em Mannar, Negombo, Colombo, Kalutara, Galle, Batticaloa, Trincomalee, Jaffna e mais alguns sítios com menos importância, no que às construções portuguesas diz respeito. Em todos estes sítios existem fortalezas, também muitas igrejas e muitas palavras em Português.
CL – Que projectos tem para o futuro?
C.A. – Inicialmente tinha previsto regressar à Índia. Espero fazê-lo neste, ou no próximo ano, com o propósito de fazer toda a costa-Este da Índia, desde o Cabo Comorim até à costa da pescaria, e ir a São Tomé de Meliapor, onde se crê que terá falecido o Apóstolo São Tomé, subindo daqui o Coromandel até Bengala, onde se inclui o actual Bangladesh.
PEDRO DANIEL OLIVEIRA
pedrodanielhk@hotmail.com