Filosofia, uma dentada de cada vez (60)

Precisamos de falar sobre o bem e o mal?

Ainda há pouco tempo falámos sobre liberdade (ver FILOSOFIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ, nos 47 e 48), o poder baseado na razão e na vontade, agir ou não agir, fazer isto ou aquilo, e assim deliberadamente efectuarmos acções da nossa própria responsabilidade. Pelo livre arbítrio moldamos a nossa própria vida (Catecismo da Igreja Católica, 1731). A liberdade faz-nos donos das nossas acções, torna-nos responsáveis por elas. O conceito de responsabilidade leva-nos à discussão sobre a ética (derivado do Grego “ethos” – “costume”, “uso”) e moralidade (do Latim “mos” – “costumes e usos”, “hábitos”) das nossas acções.

Algumas pessoas dizem que falar sobre ética e moralidade torna-nos menos livres. Assim, devemos “libertarmo-nos” das grilhetas das normas éticas. Alguns pensadores, como Marx (1818-1883) e Nietzsche (1844-1900), defendiam que a moralidade é-nos imposta. Ao passo que Freud (1856-1939) dizia que (a moralidade) emanava do nosso subconsciente, a nossa parte animal. Parece-nos, pois, que a moralidade não é nada que derive da nossa natureza e temos que nos ver livres dela. E tal é realmente possível?

Aldo Vendemiati (“In the First Person: An Outline of General Ethics” – “Na Primeira Pessoa: Um Esboço [Perfil] da Ética Geral”, segunda edição ampliada) disse que “no seu esforço para destruírem a moralidade, os manifestantes (protestantes – oponentes) apresentaram um alto grau de… moralização! Foi como se pensassem (se eu pudesse utilizar um jogo de palavras): é imoral impor a moralidade, sendo assim temos o dever moral de impor a imoralidade. Este facto lembra-nos a posição dos cépticos que estão cheios de contradições (ver FILOSOFIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ, nº 58).

No entanto, na vida quotidiana, não fazemos apenas julgamentos sobre factos, sobre se algo é ou não é. Também fazemos julgamentos sobre se uma acção é boa ou má. A nossa experiência diz que a ética não é algo imposto do exterior, ou emanado do nosso instinto animal. A ética vem do nosso intelecto, ou razão, e vemo-nos diariamente a fazer julgamentos de moral. Deixem-nos apresentar alguns exemplos:

Quando alguém nos ofende. O que acontece, por exemplo, quando não recebemos o respeito que pensamos que nos é devido, ou não recebemos uma compensação justa pelo nosso trabalho. Muitas vezes vemo-nos a pensar ou a dizer: “Isto não está certo”. “Isto não é bom”.

Quando alguém nos faz um favor. Há alturas em que exprimimos o nosso reconhecimento. “Ele fez-me um grande favor”. “Foi tão gentil da parte dela”. “Eles têm sido bons para mim”. “Fui tratado como um príncipe”.

Quando ficamos chocados pelas palavras ou acções de outra pessoa. A acção dos outros pode ou não afectar-nos, mas mesmo assim podemos ficar magoados ou chocados pelo comportamento dessa pessoa: grosseria, sarcasmo, mentira, traição, roubo, crueldade, etc. Consideramos estas acções como más.

Quando admiramos as palavras ou os actos de outra pessoa. Quando uma pessoa vai para além dos seus limites possíveis para ajudar alguém necessitado, aprovamos essa acção.

Quando sentimos ou remorsos ou satisfação por algo que fizemos. Por vezes, quando reflectimos sobre as nossas acções, podemos pensar: “Foi bom ter feito isto”, ou talvez possamos pensar o contrário: “Foi errado da minha parte ter falado daquela forma”. Além disso, todos os dias verificamos as consequências das decisões que tomamos. Em relação a algumas dessas decisões sentimos pena; em relação a outras sentimo-nos felizes.

Pelos exemplos acima podemos ver que estamos constantemente a fazer avaliações éticas, não apenas das acções dos outros, mas também das nossas próprias acções, sentimentos, palavras e atitudes. Fazer julgamentos morais é uma consequência de se ter liberdade. E este facto está profundamente ligado à nossa condição humana.

Pe. José Mario Mandía

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *