Filosofia, uma dentada de cada vez (58)

A dúvida é uma opção válida?

A Filosofia Ocidental iniciou-se com os pensadores gregos do século V a.C. Como vimos, a Filosofia começa quando perguntamos “porquê”. Era este o tema que os pensadores gregos discutiam: o “porquê” ou as causas das coisas, a “arche”.

Com o continuar da discussão apareceu um grupo que não estava muito interessado em encontrar a verdade. Estava apenas concentrado na arte da discussão, da retórica, do “discurso bonito” que terminasse com um final que convencesse os outros, e a alcançar as suas ambições pessoais. Deste modo, podemos verificar que o discurso politicamente correcto não nasceu nos nossos dias, assim como a ideia da “pós-verdade”. Os erros da Filosofia e da Teologia foram sendo reciclados ao longo dos séculos.

Os homens que se dedicavam ao “discurso suave” (falinhas mansas) eram chamados de “Sofistas”. A sua posição pode ser resumida nesta afirmação de Górgias (487-376): “Nada é (existe). Se existisse algo, não poderia ser conhecido pela humanidade. E se pudesse ser tornado conhecido, de qualquer forma, não seria comunicável.” Obviamente isto é o oposto a tudo o que aprendemos antes: que as coisas existem, que podemos conhecê-las e que podemos comunicar os nossos pensamentos ou ideias sobre o que existe. A posição de Górgias também é, em si mesma, contraditória. Se fosse verdade de que “nada é”, de que “nada pode ser conhecido da humanidade” e de que “se fosse conhecido da humanidade, não seria comunicável”, então como é possível que Górgias tenha falado sobre o que quer que seja?

O debate sobre a causa das coisas fez aparecer numerosas opiniões divergentes, mas quando alguém era confrontado por diferentes opiniões, em vez de examinar a validade dos argumentos, optava por não tomar posição. Este foi o caso de Pirro de Élis (360-270 a.C). Decidiu que a melhor postura era a de não fazer julgamentos, não ter opiniões e manter-se num estado de dúvida. Esta foi a sua fórmula para ter uma vida tranquila. Este foi o cepticismo de Pirro. Naturalmente que na vida real tal é impossível. Desde o momento em que acordamos temos que fazer julgamentos e escolhas. Se não fizermos escolhas, seremos como os vegetais, de acordo com Aristóteles.

Existe um outro grupo de cépticos que pertencem à Nova Academia. Enquanto Pirro mantinha o seu julgamento sobre qualquer coisa em suspenso, a Academia aceita que possamos ter o conhecimento, mas não a certeza. Sendo assim, podemos apenas ter opiniões, que são apenas probabilidades mas não certezas.

Alguns séculos mais tarde, Sextus Empiricus (II ou III séculos a.C.) iria reviver o Pirronismo. Este voltaria a reaparecer com Michel de Montaigne (1533-1592). Montaigne afirmava que não podíamos apoiar-nos tanto nos sentidos, como na razão, para termos a certeza.

Neste quadro, como podemos estar seguros? Teremos que nos fiar (apoiar) na Iluminação Divina. Isto é (muito parecido) com o quase descrédito da razão, e acreditar apenas na confiança da Fé, de Martinho Lutero.

René Descartes (1596-1650) queria acabar com todo o cepticismo e construir um corpo de conhecimento do qual não pudesse haver dúvidas. Propôs um método que, ironicamente, começa com a dúvida. Isto não significa que de facto não duvidasse, mas como forma de procedimento ou método. Decidiu que em primeiro lugar iria eliminar todas as fontes de dúvida possíveis. É por isso que a intenção de Descartes é conhecida como a “dúvida metódica”.

Quais são as possíveis fontes de dúvida? Descartes nomeou três, as quais são todas exteriores à sua própria mente: os sentidos, a Fé, e os filósofos anteriores a ele próprio. Por outras palavras, teve que por de lado todo o conhecimento que tivesse recebido. E porque é que considera fontes de dúvida?

Continuaremos esta discussão na próxima conversa.

Pe. José Mario Mandía

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