Filosofia, uma dentada de cada vez (56)

A verdade ainda importa?

A verdade ainda importa? Ainda é importante? Um autor lamentava-se que tínhamos entrado numa “era de pós-verdade”.

“Houve tempos em que tínhamos ao mesmo tempo verdades e mentiras. Agora temos verdades, mentiras, e declarações que podem não ser verdadeiras mas que consideramos tão benignas (sem importância) que não as chamamos de falsas. Os eufemismos abundam”, escreveu Ralph Keyes, o autor de “The Post-Truth Era: Dishonesty and Deception in Contemporary Life” (“A Era da Pós-Verdade: Desonestidade e Decepção [fraude, desilusão] na Vida Contemporânea”). Keyes afirma: “Na era da pós-verdade as fronteiras esbatem-se entre a verdade e a mentira, honestidade e desonestidade, ficção e verdade. Enganar os outros tornou-se um desafio, um jogo e, finalmente, um hábito. Algumas pesquisas sugerem que o cidadão americano médio mente numa base diária”.

Como é que o ambiente pós-verdade nos afecta? Keyes responde: “O resultado é uma sensação generalizada de que muito do que nos dizem pode não ser credível”.

“A pós-veracidade leva à construção de um edifício social frágil, baseado em cautelas e desconfianças”, acrescenta. “Este facto desgasta as fundações da confiança que definem qualquer civilização saudável. Quando um número suficiente de nós aceitar a fantasia como um facto, a sociedade perderá a sua base de realidade. A sociedade desmoronar-se-á completamente se assumirmos que os outros são tão propensos a dissimular quanto a dizer a verdade”.

Nós, seres humanos, temos um anseio natural de conhecer a verdade. O nosso intelecto busca a verdade. Santo Agostinho usava uma observação simples para provar que todos procuramos a verdade: “Sei de algumas pessoas que enganam os outros (com mentiras), mas não conheço uma única pessoa que queira ser enganado pelos outros”.

Mas… o que é a verdade?

São Tomás definia-a como adaequatio rei et intellectus – a conformidade entre a coisa e o intelecto. De facto, podemos distinguir três tipos de verdade, baseadas na sua simples definição.

À primeira forma podemos chamar “ontológica” (“ontos”, em Grego, significa “ser”). Quando nos referimos a algo como um facto, a algo que realmente aconteceu, ou que realmente existe, a algo actual (real), estamos a falar de verdade ontológica. É a verdade verificada em cada coisa real ou actual, em conformidade com o seu Criador. Este é um ângulo da verdade ontológica: a relação entre a coisa e o seu Criador, que conhece a coisa ainda antes que Ele a faça.

Já tínhamos dado antes (ver FILOSOFIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ, nº 30) uma outra definição da verdade ontológica: dissemos que algo é verdade na medida em que possa ser conhecido (pelo homem). Mas apenas podemos conhecer algo se existir em alguma forma.

Algumas pessoas negam a existência da verdade. “Nada é verdadeiro”, dizem elas. Mas há uma contradição: se essa declaração “nada é verdadeiro” for verdadeira, então a mesma declaração “nada é verdadeiro” não é verdadeira!

A segunda forma de verdade é o que podemos chamar de “verdade lógica” ou “verdade gnoseológica”. Esta é a forma de verdade a que nos referimos quando falamos do nosso conhecimento. O que eu sei, é verdade? O meu conhecimento está correcto? Está de acordo com a realidade? Algumas pessoas afirmam que não é possível conhecer a verdade e dão muitas razões para o dizerem. Esta posição é chamada de cepticismo. Outros, por outro lado, dizem que a verdade depende de cada um de nós. É o chamado relativismo. Falaremos em breve sobre cepticismo e relativismo.

À terceira forma de verdade chamamos “verdade moral”. Esta refere-se ao relacionamento ou conexão entre o que eu penso e o que eu digo ou faço. As minhas palavras reflectem os meus pensamentos e crenças? Todos nós desejamos que os outros sejam verdadeiros para connosco, que sejam verdadeiros nas suas palavras. Mas sabemos que não é fácil. Por vezes, nos próprios somos culpados do síndroma pós-verdade.

Pe. José Mario Mandía

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