Família e Fé

Amor aos pais

É conhecida a história de Eneias, famoso herói da Eneida, obra-prima do poeta romano Virgílio. Neste antiquíssimo poema relata-se que, quando Tróia foi incendiada pelas forças gregas, os jovens troianos começaram a abandonar as muralhas da cidade dispostos a recomeçar a sua vida noutro lugar.

No momento da destruição da cidade, Anquises, pai de Eneias, tinha já uma idade avançada e mal podia andar. Por esse motivo, suplicou ao filho que o deixasse morrer ali, pois não desejava um estorvo que o impedisse salvar-se da destruição.

Eneias recusou-se terminantemente a ceder a essa petição. Respondeu-lhe que nunca conseguiria viver o resto dos seus dias com dignidade se, naquele momento, abandonasse o pai em tão tristes circunstâncias.

Depois de pronunciar estas palavras, Eneias carregou Anquises sobre os seus ombros e deu a mão ao seu filho Iúlo. Os três – três gerações unidas – abandonaram as muralhas da cidade em chamas.

Por este motivo, Virgílio chama ao seu herói o piedoso Eneias, já que a palavra piedade na sua raiz latina – pietas – significa exactamente isso: amor aos pais.

Desde sempre, o amor aos pais manifesta-se na gratidão por aqueles que foram instrumentos de Deus para nos transmitir o primeiro de todos os dons: o dom da vida.

Somos um fruto directíssimo da generosidade dos nossos pais. Temos uma dívida para com eles que nunca poderemos pagar. Claro que alguém poderia contar casos de filhos ingratos que abandonam os pais em dificuldades. São casos reais, sem dúvida nenhuma, mas não parece que sejam os casos mais comuns – sobretudo nas famílias sãs.

O mais comum é a gratidão dos filhos para com os seus pais. Gratidão que, com o passar dos anos, se torna mais consciente e madura. Gratidão pela educação que soube conjugar aspectos aparentemente contraditórios: exigência e carinho, autoridade e respeito pela liberdade, coerência e flexibilidade.

Gratidão também porque os nossos pais não temeram dizer a palavra “não” quando era necessário. Talvez nesses momentos não tenhamos entendido bem. Hoje, pelo contrário, estamos agradecidos por essa manifestação de bondade e fortaleza.

Porque educar não é o mesmo que mimar.

Quanto mais se mima uma criança, mais ela fica indefesa para enfrentar as dificuldades da vida. Poupar em todas as ocasiões os pequenos sacrifícios aos filhos não os educa bem, nem lhes robustece a vontade.

Para educar bem – que é diferente de educar de qualquer modo – é necessária uma exigência amável. Exigência que não confunde o amor com o sentimentalismo.

Eneias tinha aprendido dos seus pais a dizer que “não” a si próprio quando era necessário. Apoiado nessa aprendizagem, soube dizer que “não” à sua tendência para o comodismo – inclinação com que todos nascemos.

Eneias não se deixou arrastar pelo mais fácil, por muito que isso lhe simplificasse a vida. Por ter ouvido algumas vezes um “não” na sua educação, ele era agora capaz de amar o seu pai de verdade.

Pe. Rodrigo Lynce de Faria 

Doutor em Teologia

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