Esquerda, Direita e o Lusitano Autofagismo

Em nome do Portugal universal

Há pouco mais de um ano fui convidado pelo Rafael Pinto Borges, que poucos meses antes me fora apresentado por um amigo que muito prezo, o Miguel Castelo Branco, para colaborar com conteúdos para uma página do facebook que o Rafael acabara de criar. Intitulava-se Nova Portugalidade e tinha como objectivo divulgar factos pouco ou nada conhecidos, desmascarar mitos e repor a verdade histórica no que concerne o período mais fértil da nossa história e épocas seguintes. Ora, quem conhece o meu trabalho (artigos na imprensa, livros, documentários) sabe que é essa a minha praia. Resgate e divulgação do Património Português, material e imaterial, espalhado pelo mundo, tem sido o cerne da minha actividade profissional nas últimas duas décadas. Aliás, presumo que tenha sido por essa razão que o convite me foi endereçado.

A Nova Portugalidade foi entretanto tomando outras iniciativas, dando a entender que pretendia ser mais do que uma simples página na Internet, e, porventura, terá até se constituído em movimento associativo. Desconheço se o fez ou não, pois passo longos períodos de tempo sem ir a Portugal. Desde que não se partidarize o projecto, tudo bem. Para mim, a Nova Portugalidade permanece uma simples página na Internet. Com isso, não quero dizer que não me reveja em algumas das iniciativas paralelas que os seus elementos possam tomar. Contudo, não me revejo nem compreendo o tema da conferência agendada para a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), na Universidade Nova, subordinada aos temas “Brexit, Trump e Le Pen”, no meu entender contraproducente, totalmente desenquadrada daquilo que entendo como propósitos da Nova Portugalidade e susceptível, claro, de vir a criar celeuma. Como, de resto, aconteceu.

Infelizmente, e confirmando os meus maiores receios, a iniciativa veio reabrir a rançosa e fútil discussão esquerda-direita, que, hoje mais do que nunca, totalmente repudio. Como se diz na minha terra: há muito que dei para esse peditório.

De um dia para o outro vi a página da Nova Portugalidade – até então pautada pela sensatez, espírito cordato, cariz informativo, diálogo construtivo, não sem as respectivas discordâncias e crispações, como é natural e desejável – ser inundada de insultos, ataques pessoais, acusações infundadas, difamações, discursos imundos, vindos da dita “esquerda”, vindos da dita “direita”, do mais vil e básico que já li. Pura histeria. Como seria de esperar, o assunto transbordou para “fora”, e alguma imprensa e alguns escribas do regime e fazedores de opinião do género espírito-santo-de-orelha, que no fundo no fundo se julgam detentores da verdade absoluta, sempre sedentos de sangue, armados em juízes da história, aproveitaram a maré para deturpar os factos, destilar fel, ressuscitar fantasmas, misturar alhos com bugalhos, rotular de fascistas este, aquele e aqueloutro (esse o argumento favorito de quem não tem argumentos), e – sim, não tenhamos medo das palavras – demonstrar, uma vez mais, o profundo desprezo que sentem (por simples desconhecimento, muito preconceito e alguma má fé, presumo) por esse Portugal universal derramado pelo mundo de que muito me orgulho e que merecia bem melhor referência de que uma ridícula luta fraticida entre patrícios.

Como se não bastasse, o muito do que produzimos nessa época está hoje na posse de terceiros. O que até, à primeira vista, poderia ser considerado um trunfo, se essas cartas náuticas, mapas-mundis, quadros e peças de arte que nos foram subtraídas servissem, de facto, para divulgar a nossa real dimensão na história da Humanidade. Tal não acontece, lamentavelmente. Assim, o verdadeiro papel dos portugueses permanece segredo de uns quantos historiadores, muitos deles estrangeiros, sem dúvida bem mais entusiastas pelo estudo da nossa história do que muitos portugueses que conheço.

Há muito que venho dizendo: não conheço povo mais autofágico do que o português.

Falo com conhecimento de causa, pois há décadas que em termos profissionais tento contornar os muros que sucessivamente têm sido erguidos à minha frente por um escol inquisidor instalado de pedra e cal em muitos centros decisores e de chefia, como se fosse grave crime abordar temas ligados ao período da Expansão Portuguesa. Segundo eles, esse é assunto para ficar entre académicos, pois para incentivar o orgulho e sentido de pertença do povéu basta o sacrossanto futebol.

Estou cansado de me debater com as suas irritantes condescendências e profundos cinismos, muitas das vezes disfarçados de simpatia, e se bem que não queira pôr isto em termos de esquerda-direita, a verdade é para ser dita: a resistência aos temas desse Portugal universal a que me refiro tem vindo sobretudo de sectores mais à esquerda. E até estou à vontade para o afirmar, pois se alguma vez naveguei no rio da política, sem nunca ter assumido qualquer tipo de militância, e isso há muitas, muitas, muitas luas, foi em águas que banham a margem esquerda.

Posto isto, reafirmo: para mim, a Nova Portugalidade continua a ser apenas e tão só uma simples página no facebook de divulgação de temas ligados à presença de Portugal no mundo, e enquanto for essa a filosofia, e o que escrevo bem vindo, pretendo continuar a dar, com o maior prazer e agora redobrado empenho, o meu contributo.

Joaquim Magalhães de Castro

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