ENTREVISTA À ASSOCIATED PRESS (AP)

ENTREVISTA À ASSOCIATED PRESS (AP)

Com a China «devemos caminhar pacientemente»

Há dias, o Papa Francisco concedeu uma entrevista à agência noticiosa ASSOCIATED PRESS (AP), que é, desde há quase duzentos anos, a maior e mais influente do mundo. Tem sede nos Estados Unidos e centenas de escritórios em 99 países. Tradicionalmente, a AP é muito agressiva contra a Igreja Católica, mas um colosso desta dimensão tem espaço para muitas excepções, como a entrevista mostrou.

A conversa com os jornalistas percorreu muitos temas importantes.

Obviamente, falou-se de Bento XVI, que Francisco descreveu como um pai e um «gentleman», muito generoso, muito aberto, em quem se apoiava muito: «quando eu tinha dúvidas, chamava o motorista e ia ao mosteiro perguntar-lhe».

Os jornalistas perguntaram-lhe acerca das críticas que lhe têm feito. Prefere que não haja críticas anónimas, ou escondidas: «abertamente, porque é assim que todos crescemos». «Alguns deles vieram ter comigo e discutimos, com normalidade, como se discute entre pessoas maduras. Não zanguei com ninguém, mas expressei a minha opinião e eles expressaram a sua. Se não fosse assim, criava-se o que eu chamo uma ditadura da distância, em que o imperador está ali e ninguém lhe pode dizer nada. Não. Deixem as pessoas falar, porque a companhia, a crítica, ajuda a crescer e a que as coisas andem bem».

Ao princípio, um Papa vindo da América Latina suscitava surpresa, depois – comentou Francisco com simplicidade – «começaram a ver os meus defeitos e não gostaram».

Está a fazer um ano que os russos invadiram a Ucrânia. Faz sentido dialogar? «Acompanhei vários processos aqui. Por exemplo, a troca de prisioneiros da siderurgia resultou de uma mediação muito bem feita. Muito bem feita por mulheres. As mulheres são ideais para estas tarefas, negoceiam melhor que os homens, há um diálogo para além das palavras».

Relativamente à homossexualidade, explicou que não era um crime, mas um pecado. Esta tendência contra a natureza não justifica agressividade contra ninguém. «Também é pecado faltar à caridade com os outros», e citou o Catecismo da Igreja Católica: «as pessoas com tendências homossexuais devem ser acolhidas, não marginalizadas». Francisco acrescentou que ninguém, não só os homossexuais, deve ser marginalizado: «nem mesmo o maior assassino, o maior pecador deve ser marginalizado. Todos os homens e mulheres devem ter uma janela na própria vida por onde possam ver a esperança e a dignidade de Deus».

Como se sabe, as dificuldades com a China são muitas, mas Francisco não desiste de tentar: «devemos caminhar pacientemente». Não é fácil. «Às vezes, as autoridades chinesas fecham-se um pouco, outras vezes não tanto». «O essencial é que o diálogo não se interrompa».

Noutro plano, o ambiente na Igreja alemã também não está fácil. Reivindicam a abolição do celibato sacerdotal, o sacerdócio feminino e outras reformas, «perniciosamente ideológicas», promovidas por um pequeno grupo vanguardista, «alheio a todo o povo de Deus». É bom dialogar, «mas a experiência alemã não ajuda». «O perigo é que se infiltre uma grande, grande, dose de ideologia». E comenta com ironia: «Quando a ideologia se infiltra nos processos eclesiais, o Espírito Santo vai para casa, porque a ideologia vence o Espírito Santo».

Os jornalistas também tiveram curiosidade de saber como vai a saúde do Papa e ele explicou cabalmente, sem ocultar nada, as infecções, uma pequena fractura, etc. «Pode ser que morra amanhã, mas, para já, está tudo sob controlo. Tenho uma boa saúde e peço sempre a Nosso Senhor que me conceda o dom do sentido do humor».

José Maria C.S. André 

Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa

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