Desenvolvimento sustentável
Tendo em vista a complexidade da questão energética, a Doutrina Social da Igreja considera que ela pode ser adequadamente enfrentada, interpretada e resolvida com base numa síntese de saberes, ou seja, numa abordagem interdisciplinar: científica, económica, ambiental, geopolítica, social e religiosa. A produção, a distribuição, o acesso e o consumo da energia a níveis individual e colectivo, local e global, de facto caracterizam-se por problemas técnicos, estruturais, institucionais e também culturais. Ou ainda, estão dependentes e condicionados pelo modelo de desenvolvimento dos países, pelos equilíbrios territoriais, por desigualdades no plano tecnológico, pelas competições ásperas e pelos fortes contrastes para controlar esses recursos, por intercâmbios comerciais nem sempre equitativos, por especulações financeiras onívoras, por deficiências nas infra-estruturas, nos recursos monetários, na inovação, e por fenómenos de corrupção e má governação, nos planos nacional e internacional.
Por outro lado, a questão da energia é interdependente e está interligada com outras questões não menos relevantes e decisivas para a vida e para a sua qualidade, como: a salvaguarda do meio ambiente a sustentabilidade das cidades, a segurança alimentar, o uso da energia nuclear de maneira civil e pacífica, os modelos de desenvolvimento económico, a paz.
Segundo a Doutrina Social da Igreja, na perspectiva da realização da paz que inclui muitos outros bens, é necessário que a energia seja pensada, produzida distribuída e utilizada de acordo com um paradigma novo, que avalie a sua particular densidade antropológica e a considere um bem de destinação universal, para a concretização do bem comum mundial, isto é, do bem dos povos, que implica solidariedade, sustentabilidade do desenvolvimento, com a inclusão de todos.
O paradigma da energia como bem de destinação universal, que deve ser acessível a todos e fruível segundo a regra da justiça e da consequente caridade, orienta novos comportamentos por parte de todos, baseados na responsabilidade, solidariedade, subsidiariedade e desenvolvimento integral dos povos. Em particular, o mundo da política deveria agir de acordo com o da ciência e da pesquisa, e com o apoio das virtudes cívicas.
Infelizmente, elas são pouco reconhecidas e valorizadas pelas elites dominantes. E assim, com frequência os representantes dos cidadãos e as classes dirigentes não sabem renunciar a interesses económicos imediatos nem a usos sem controles, que acabam por humilhar a dignidade dos mais débeis.
A perspectiva nefasta do feiticismo do dinheiro, de uma economia da exclusão, centrada na cultura do ter e do descartável, deve ser superada para assumir a de uma economia da inclusão, especialmente dos mais pobres, guiada pela lógica do dom e pelo princípio da gratuidade.
Trata-se de ordenar e estruturar de novo eticamente a economia actual que em muitos âmbitos é guiada pela ideologia da autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira. Da superação de tais paradigmas culturais ter-se-ão repercussões benéficas no campo da gestão da energia.
Em primeiro lugar, a atenção prestada aos mais desfavorecidos em relação à energia indispensável ao seu desenvolvimento integral. Em segundo lugar, a atenção às mudanças que isto provoca nas sociedades, no desenvolvimento económico, nos acordos comerciais e nas prioridades na pesquisa. Um novo paradigma da energia postula um novo paradigma cultural, social e político.
No contexto actual de um mundo globalizado e cada vez mais interdependente não podemos esquecer a exigência de novas instituições no plano internacional. Para a Doutrina Social da Igreja tal proposta deve ser necessariamente modulada segundo os termos da subsidiariedade. E, contudo, a governação internacional deve ser capaz de agir lá onde as complexas problemáticas transfronteiras ou os limites de cada Estado tomam particularmente difícil o seguimento de um desenvolvimento sustentável para o meio ambiente e para a família humana.
Tal governação deverá ser criada e apoiada pela vontade política dos vários Governos, dotada de meios adequados para a realização da sua tarefa, e pensada de modo a poder cooperar agilmente com outras estruturas internacionais nas actividades ligadas à energia.
Os objectivos relacionados com a questão energética podem ser alcançados mediante uma grande obra de educação na responsabilidade ecológica. As religiões, promovendo a abertura à transcendência, contribuirão para isto, inculcando o respeito pela natureza e o sentido de justiça.
Mário Toso
In L’Osservatore Romano