O que fazemos aqui?
De que é feita a democracia de hoje? Como podemos enriquecer o Estado democrático? Qual o papel de cada um na sua comunidade, quer no condomínio do prédio, quer nas redes sociais ou noutros lugares onde podemos deixar o nosso contributo? Estaremos à altura dos novos desafios? A participação na coisa pública é de todos e para todos.
Quando chega o mês de Abril recorda-se, em particular, a liberdade conquistada em Portugal há precisamente 41 anos. Esta data não precisa de números redondos para continuar a ser falada, debatida e reflectida. Muitos ainda gritam 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais – uns fazem-no de forma mais expressiva, outros em surdina e outros ainda encolhem os ombros… de indiferença. A memória está mais fresca para uns do que para outros. O que correu bem para uns não correu para outros.
A partir do dia seguinte ao 25 de Abril iniciou-se um processo que viria a dar origem a um regime democrático e à entrada em vigor da nova Constituição a 25 de Abril de 1976.
Não há regimes perfeitos – a democracia também não o é. Lembrava Winston Churchill: «Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos».
Voltando o foco para o nosso país, há ainda quem pense que, lá por vivermos em democracia, tudo está consumado e consolidado.
A geração que hoje está na casa dos 3O anos cresceu a olhar para a geração que fez o 25 de Abril com admiração – apesar dos excessos e dos erros que se cometeram mais tarde. Muitos tinham a chamada “inveja positiva” de uma geração sem medo, que ousou romper com os costumes estabelecidos e foi mais longe na luta pelos seus direitos e liberdades fundamentais. Aquela geração sentia o dever de ir para a linha da frente combater por um ideal. Democratizar, Descolonizar, Desenvolver – os 3 D que alimentaram a esperança de muitos. Ainda há 10, 15 anos parecia estar (quase) tudo conquistado. Porque alguém no passado tinha feito isso – e os vindouros beneficiavam dessas vitórias. A crise que se instalou no País veio pôr quase tudo em causa. Inclusive, a ideia de que não há conquistas eternas. É necessário construir um percurso sólido, tendo em atenção que, mesmo assim, pode desabar a qualquer momento, se a apatia tomar conta das pessoas. Tudo está em construção. Tudo é um caminho. Porque tudo é provisório.
«A democracia, enquanto regime e sistema político, constitui, do ponto de vista político e social, sobretudo um processo, o processo de democratização, que está permanentemente em curso, em construção», realça Paula Espírito Santo, politóloga e professora no ISCSP-UL (Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas – Universidade de Lisboa).
41 anos depois do 25 de Abril, um dos principais sinónimos da democracia contemporânea portuguesa é a capacidade de participação política, livre e esclarecida por parte dos cidadãos. E isso expressa-se nas múltiplas manifestações sociais e cívicas do quotidiano. Há a capacidade de exprimir opinião em diferentes palcos cívicos. E a docente do ISCSP lembra que «uma das condições para efectivar a democracia é a educação, assim como a existência de um conjunto de bases estruturais do sistema político sólidas, como a justiça, a saúde, a cultura, pelo menos, e a economia, sempre». «Estes ingredientes», acrescenta, «encontram-se em níveis de apreciável desenvolvimento, em termos estruturais, na democracia portuguesa, se a compararmos com o que tínhamos há 41 anos. No entanto, apesar de, conjunturalmente, a expressão da democracia sofrer sérios retrocessos quando a economia vacila, as bases do desenvolvimento cívico são mais consistentes, mais duradouras do que os ciclos económicos e as suas flutuações».
Pelo menos desde 2008, a Europa, Portugal e as democracias ocidentais têm vindo a viver uma profunda crise económica, cujas consequências são visíveis no plano social. Paula Espírito Santo sublinha que «esses efeitos arrastam múltiplas insuficiências que constituem um óbice importante na caminhada para o processo de democratização da jovem democracia portuguesa».
Viriato Soromenho-Marques, professor catedrático de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que lecciona nos cursos de Filosofia e de Estudos Europeus, considera que temos em Portugal «uma clássica democracia representativa», contudo «nestas décadas as suas limitações tornaram-se bem mais claras do que as suas potencialidades». E justifica: «Assistimos ao enquistamento do processo representativo em maquinas partidárias, fechadas e burocráticas, que se encontram muito mais próximas de grupos de pressão poderosos do que dos eleitores que elegem os parlamentos».
No entendimento de Soromenho-Marques, há perigos que beliscam a democracia: «No caso português, já perdemos o controlo democrático sobre os orçamentos e a política económica devido à deriva da austeridade. Não acredito que se o projecto europeu falhar, existam condições para uma democracia robusta em nações que serão forte e rapidamente empobrecidas. Temos de evitar que a democracia seja transformada num instrumento de uma oligarquia económica multinacional».
Há, portanto, desafios que se colocam à democracia de hoje. Os maiores são, no prisma deste filósofo, «os de estar à altura» deles. E exemplifica: «Desde as questões da sobrevivência ambiental e climáticas às tarefas da justiça social, dos direitos humanos, e da imparcialidade das instituições e do sistema judicial». Soromenho-Marques preconiza que «para isso temos de ser capazes de construir uma escala federal para a democracia na Europa».
Por sua vez, Paula Espírito Santo considera que os desafios que se colocam à democracia do nosso tempo são «a educação para a política, para a participação cívica e eleitoral, em particular junto dos jovens, os quais se apresentam menos mobilizáveis para o voto, para os partidos e para a política em geral. O processo de socialização política, e o papel de agentes como a família e a escola deveriam ser mais efectivos nesta integração e desenvolvimento do interesse da política junto dos mais jovens». Promovendo a educação, enriquece-se a democracia. Tem-se vontade de participar na coisa pública, quando as pessoas estão sensibilizadas e esclarecidas para poderem acrescentar algo nos contextos onde se movem.
Cada um de nós pode dar um contributo positivo a democracia. Como? – é a questão que muitos colocam. «Com a coragem de não desistir de dar o nosso contributo, desde o condomínio do prédio à escola dos nossos filhos, passando pelas eleições, tanto como eleitores como na condição de eventuais eleitos», sugere a docente da Faculdade de Letras.
A professora do ISCSP conclui dizendo que «cada um de nós se pode tornar mais participante no seu quotidiano, investindo em mais educação, em mais cultura, junto dos que lhe são mais próximos, e sobretudo junto das crianças. Trazer mais política, mais cultura, mais reflexão crítica para casa poderá ser um dos caminhos para nos tornarmos mais interessados na construção do nosso espaço democrático».
A DEMOCRACIA E AS REDES SOCIAIS
As redes sociais são mecanismos importantes de reforço na democracia, considera a professora do ISCSP-UL, Paula Espírito Santo. «As redes sociais online são, em particular, uma alavanca potente para avivar e promover competências políticas, sociais e outras, tanto quanto exigem uma capacidade permanente de partilha e recepção de novos e permanentes estímulos no plano da integração social». A politóloga reconhece que as redes sociais são «fundamentais para a estimulação democrática, para o desenvolvimento das competências cívicas, para a integração social, para a auscultação e pressão sobre o exercício de cargos públicos, para a mobilização e renovação permanente do sistema político democrático».
Por sua vez, o docente da Faculdade de Letras, Viriato Soromenho-Marques, diz que «as redes sociais ajudam no processo de circulação de informação, criando uma espécie de espaço publico para a formação virtual de opiniões. Mas não são panaceia. Muitas das informações carecem de validação crítica, sob pena de estarmos a criar mitos e a difundir mentiras por via electrónica», alerta.
Sílvia Júlio
Família Cristã