Bernardo Villegas, especialista em Economia Mundial

«Os americanos andam muito nervosos»

A economia do Sudeste Asiático vai suplantar a do poder ocidental na próxima década. E a China pode explodir como um vulcão social, defende Bernardo Villegas, filipino que não teme as disputas nos Mares do Leste e do Sul da China. Até porque na ordem do dia está o nervosismo dos Estados Unidos perante a criação do Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas. A’O CLARIM, o professor-emérito da Universidade da Ásia e do Pacífico sustentou que Macau pode ser um importante centro mundial na área do entretenimento, para além de constituir um importante foco de difusão de línguas para o continente asiático. Para tal, precisa apenas de contratar os melhores docentes do mundo, nem que sejam prémios Nobel. Segundo ele, as instalações da Universidade de Macau são melhores do que as de Harvard, nos Estados Unidos.

O CLARIMQue análise faz à economia do Sudeste Asiático?

BERNARDO VILLEGAS – O mais importante é pensarmos que no século passado a economia global era dominada por três poderes: os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão. Isto é muito claro. Também como bem sabemos, em pleno século XXI estas três economias estão saturadas e registam um crescimento lento. Provavelmente, os Estados Unidos vão crescer o máximo de 3%, mas nunca chegarão aos níveis do século passado. O século XXI será dominado por outros três poderes: a China, a Índia e a ASEAN, que será equivalente à UE.

CLQuando irá isso acontecer?

B.V. – Nos próximos dez anos. O crescimento da ASEAN será mais acelerado do que o da UE, que está em rápido processo de desintegração, porque foi muito ambiciosa ao querer formar os Estados Unidos da Europa. A UE é constituída por Estados-membros com raízes comuns e tinha aquela ilusão de criar uma união política, porém, a ASEAN é uma união muito prática e sabe que nunca poderá ter uma política unitária nem uma moeda comum.

CLA China tem grande influência na ASEAN, mas está também envolvida nas disputas marítimas nos Mares do Leste e do Sul da China…

B.V. – São disputas muito insignificantes. A China não fará nada insensato porque ainda tem cerca de 800 milhões de pobres para elevar ao nível dos 500 milhões que beneficiaram do grande crescimento dos últimos vinte anos. Estes estão a “flutuar” na riqueza e exibem todo o tipo de consumo, o que causa enormes tensões. A China pode explodir como um vulcão social.

CLE um cenário de guerra?

B.V. – A China não vai desperdiçar recursos a combater numa guerra. De tempos a tempos, quer apenas lembrar ao mundo que não dá o caso por encerrado, mas na realidade não fará nada que leve à guerra nos Mares do Leste e do Sul da China. Os líderes da ASEAN não têm medo do que a China está a fazer quanto às disputas territoriais.

CLHá peritos a sustentar que a China é já a primeira economia mundial, enquanto outros asseguram que ainda não o é, mas que irá ser até 2050…

B.V. – Vai ser líder em termos de PIB absoluto, mas o rendimento “per capita” será ainda muito pequeno em comparação com o dos Estados Unidos ou de Singapura.

CLO yuan é hoje a quinta moeda mais utilizada nas transacções internacionais. Acredita que a divisa chinesa vai ganhar cada vez mais importância?

B.V. – Terá maior adesão. Na verdade, os países do Sudeste Asiático querem aderir cada vez mais a esta moeda porque não desejam o monopólio do dólar americano.

CLQual a importância do Banco Asiático de Investimento em Infra-estruturas (AIIB, na sigla inglesa) liderado pela China?

B.V. – Infra-estruturas, infra-estruturas e infra-estruturas, porque o Banco de Desenvolvimento Asiático, com grande influência japonesa, também é a mesma coisa.

CLConsidera o AIIB um contra-poder ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial?

B.V. – Ao Banco Mundial, é definitivamente. Por isso, os americanos andam muito nervosos, mas a maior parte de nós [países do Sudeste Asiático] não quer saber dos interesses americanos. Eles que não nos importunem, pois estamos muito interessados no investimento chinês para as nossas infra-estruturas, porque esta é a grande vantagem do Sudeste Asiático. Queremos também um equilíbrio de poder, em vez de estarmos completamente nas mãos dos americanos.

CLNão serão os americanos “bons rapazes”?

B.V. – Não são necessariamente bons. Fazem muitas idiotices que tentam impingir, tais como o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e por aí fora. Se alguém como Hillary Clinton for eleita Presidente dos Estados Unidos receio que seja ainda pior.

CLEstará a fé católica a perder terreno para o capitalismo?

B.V. – Penso que não. Nas Filipinas obviamente que lutamos com unhas e dentes contra qualquer má interpretação do capitalismo. Infelizmente, alguns países europeus, tais como a Espanha, a Itália e Portugal, estão no secularismo e no relativismo. É de recriminar.

CLOs trabalhadores migrantes filipinos são muito importantes para a economia do seu país…

B.V. – São a principal fonte de rendimento. No ano passado mais de um milhão de trabalhadores migrantes enviou cerca de 28 biliões de dólares para as Filipinas. O mundo atravessa um Inverno demográfico e não há forma de voltar atrás. Os filipinos são a força laboral mais desejada nos países desenvolvidos. Onde quer que estejam são sempre os primeiros a serem contratados e os últimos a serem despedidos, especialmente nas áreas dos cuidados assistenciais, da enfermagem e do turismo, entre outras.

CLAlguns deputados de Macau estão contra a mão-de-obra importada…

B.V. – Enquanto Macau quiser filipinos haverá sempre mão-de-obra disponível porque a nossa população continua a crescer e não atingiu ainda o princípio do declínio demográfico.

CLÉ co-fundador e professor-emérito da Universidade da Ásia e do Pacífico, em Manila. O que recomendaria para introduzir da melhor forma a Economia nas escolas secundárias e nos estabelecimentos do Ensino Superior em Macau?

B.V. – Tal como nos países desenvolvidos, os estudantes do Secundário e do Ensino Superior precisam de ter uma iniciação à micro-economia e à macro-economia para se tornarem bons cidadãos e perceberem o que são políticas monetárias, fiscais e comerciais. Qualquer cidadão inteligente tem que entender todas estas teorias para saber o que “dizem” os jornais.

CLIria tal consciencialização aumentar a competitividade de Macau?

B.V. – Sem dúvida, porque sendo Macau um pequeno território terá de saber que tipo de especializações pode desenvolver. Por exemplo, Singapura sabe que tem sempre uma pequena população, por isso investe bastante na Educação de modo a desempenhar um papel que os outros países não conseguem.

CLQue direcção deve seguir a RAEM?

B.V. – Deve procurar um determinado nicho de especialização para dar cada vez melhor educação aos estudantes. Contudo, tem de identificar quais são essas especializações. A minha visão, como alguém de fora: os casinos vão fazer sempre parte de Macau, mas o que podem agora realizar em conjunto para que o território se torne na Broadway da Ásia?

CLRefere-se a um tipo de diversificação integrada da economia local, em que o sector dominante apoia os sectores mais débeis para estes se fortalecerem?

B.V. – Correcto. Como Macau já atraiu muitas pessoas para o negócio dos casinos, mesmo que as receitas do Jogo diminuam, a diversificação no entretenimento significa que o território pode ter as melhores escolas de música, de ballet e de dança da Ásia. Macau pode acolher muitos actores e actrizes que vão chamar a atenção do mundo da mesma forma como o mundo está atraído por Londres.

CLA Sands China já desempenha esse papel de certa forma, mas é uma companhia privada. O sector público necessita sempre de muito mais tempo por causa da sua pesada máquina administrativa. Como fazer o equilíbrio?

B.V. – A minha sugestão é para que capte muito investimento estrangeiro na área do entretenimento. Penso que a China está aberta ao investimento estrangeiro. É um dos seus grandes feitos. Macau pode questionar-se desta forma: Quem de Hollywood, de Londres ou de Nova Iorque pode investir em trazer os melhores artistas? Talvez o Simon Cowell… Há o X-Factor! Se além dos casinos Macau puder ser um centro de entretenimento estou convicto que este será um dos possíveis papéis que o território pode desempenhar.

CLQuais são os outros?

B.V. – Estive na Universidade de Macau e as instalações são ainda melhores do que as da Universidade de Harvard. Estudei em Harvard e a última vez que lá estive foi há dois anos. As que foram construídas [na ilha de Hengqin] são muito modernas. Macau devia atrair prémios Nobel para aqui leccionarem. Macau pode ser um centro universitário e também um grande centro linguístico para a Ásia. Pode criar muitos centros de línguas para cidadãos asiáticos em Inglês, Português, Mandarim, etc. Para isso, terá que atrair os melhores do mundo para o ensino.

CLDe que forma podem as PME ter sucesso num ambiente pequeno como Macau?

B.V. – O entretenimento não exige empresas grandes, porque pode ser operado por uma só pessoa, especialmente se combinar a tecnologia digital com as artes. Macau pode produzir todo o tipo de desenhos animados para o mundo. No entretenimento o pequeno é bonito.

CLTalvez haja o problema da falta de qualidade…

B.V. – Precisamente por isso Macau deve atrair os melhores educadores para o ensino dos jovens. Macau é um território pequeno para ensiná-los a serem carpinteiros ou electricistas. Há que ter a certeza que mais e mais jovens percorrem todo o caminho das melhores universidades para serem trabalhadores do conhecimento, em vez de trabalhadores manuais.

CLFoi convidado a integrar a estrutura de vários Governos das Filipinas. Por que recusou sempre?

B.V. – Estou convencido que o meu treino e experiência têm tido melhor utilidade no sector privado para promover o bem-comum da sociedade. Percebi muitas vezes que quem trabalha no Governo das Filipinas perde muito tempo apenas a contradizer os comportamentos inconvenientes das outras autoridades. Penso ter contribuído de melhor forma para o desenvolvimento nacional ao trabalhar nas ONG e nos negócios socialmente responsáveis.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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