Cristo desceu ao “inferno” e compartilhou da nossa mais profunda solidão
Embora já tenham passado alguns meses e Macau esteja de volta ao normal com as suas ruas movimentadas e cheias de turistas, ainda temos fortes memórias do que aconteceu no início deste ano: a incapacidade de conter o Covid, o afrouxamento da política de casos zero e, infelizmente, o alto número de óbitos, a maioria deles idosos. A Comunicação Social informou que Janeiro foi o mês mais mortal já alguma vez registado em Macau. Um total de 798 pessoas morreram no primeiro mês do ano, um número quatro vezes superior ao do ano anterior. As casas funerárias ficaram congestionadas, mas devido às restrições impostas pelo Covid as famílias não puderam estar presentes nas cerimónias fúnebres dos seus entes queridos. A morte no seu estado mais solitário!
Este fim-de-semana, com a celebração do Domingo de Ramos, iniciamos a Semana Santa, escutando o longo anúncio da Paixão do Senhor, este ano extraído do Evangelho de Mateus (Mt., 26, 14 – 27, 66). O Evangelho termina com o corpo de Jesus envolto em pano forrado e colocado num túmulo selado com uma pedra pesada. Jesus também enfrentou a solidão da morte. Terminaremos a Sexta-Feira Santa também com esse sentimento.
Depois, costumamos “avançar” para a Vigília Pascal, já cansados das longas liturgias dos dias anteriores e ocupados a preparar a jubilosa celebração da Ressurreição de Cristo. Infelizmente, apanhados em toda esta azáfama, muitos de nós perderemos o significado espiritual do Sábado Santo, o dia do Grande Silêncio da Igreja.
O Credo dos Apóstolos proclama que Cristo, depois do Seu sepultamento, “desceu ao inferno”. Este é o mistério que celebramos no Sábado Santo. Algumas explicações são necessárias. A Bíblia usa a palavra “inferno” não apenas para descrever o lugar de sofrimento eterno dos condenados, mas, mais em geral, como “a morada dos mortos” (shêol em Hebraico ou hades em Grego; em Chinês é traduzido como陰府).
Aqueles que morreram antes da Ressurreição de Cristo ainda estavam privados da visão de Deus e, portanto, não estavam em estado de bem-aventurança, daí a palavra “inferno”. Jesus, como todos os seres humanos, experimentou a morte e em alma juntou-se a todos os outros que morreram antes dEle no reino dos mortos. Cristo, porém, ali desceu como Salvador, proclamando aos espíritos aprisionados a Boa Nova do triunfo do amor sobre o mal, da vida sobre a morte (cf. Catecismo da Igreja Católica n.os632 e 633: para sermos claros, Jesus não desceu ao inferno para destituir o inferno do efeito da condenação, mas apenas para libertar os justos que haviam ido antes dele).
O Sábado Santo testemunha que Deus, em Jesus Cristo, não só partilhou a nossa morte, mas também a nossa permanência na morte, um lugar onde não há esperança nem futuro. Descendo ao reino da morte, chegou ao ponto de entrar na solidão mais extrema e absoluta da Humanidade, o lugar onde – sem Deus – não entra um raio de amor, antes reina o abandono total sem nenhuma palavra de conforto, como uma vez disse o Papa Bento XVI. Ao permanecer na morte, Cristo ultrapassou a porta desta última solidão para nos conduzir à vida.
As crianças que têm medo de ficar sozinhas no escuro só podem ser tranquilizadas com a presença de uma pessoa que as ame e as leve pela mão para a luz. É exactamente isso que celebramos no Sábado Santo: a voz amorosa de Deus ressoou no reino dos mortos para conduzi-los para fora. Porque Jesus desceu ao inferno, na hora da suprema solidão após a nossa morte, temos a certeza de que nunca mais estaremos totalmente sós.
Muitos mestres espirituais contemporâneos redescobriram recentemente o simbolismo do Sábado Santo também para descreverem os nossos tempos modernos. Deus parece ausente da cena do mundo e impotente diante das tragédias da História. Alguns filósofos proclamaram que “Deus está morto”. Como no episódio do Evangelho, quando os Apóstolos no barco foram apanhados pela tempestade, enquanto Jesus dormia, muitas vezes clamamos por Ele: «Mestre, não te importas que pereçamos?» (Mc., 4, 35-41). Presos numa espiral de desespero, às vezes sentimos que as nossas vidas são exactamente como o “inferno” e que Deus está longe. Mas mesmo no túmulo, aparentemente ausente, Cristo está a trabalhar activamente pela nossa salvação. A liturgia do Sábado Santo é um poderoso lembrete para mantermos viva a nossa esperança mesmo nos nossos momentos mais sombrios.
Se vós sentis que a vossa vida de fé é como um “sábado santo” sem fim – entre a morte e a vida, uma alternância de esperança e desespero, ou uma longa morada na desolação espiritual, enquanto o alvorecer da Páscoa ainda não aparece no horizonte –, não tenhais medo. Cristo, que desceu aos infernos, também está presente e actuante em todos os nossos medos e até nas profundezas das nossas trevas. Lembremo-nos disso, enquanto nos preparamos para a Páscoa.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ