Continuar a apreciar o Papa Bom São João XXIII
São João XXIII (1881-1963) foi o Papa santo que convocou o Concílio Vaticano II. Com máxima simplicidade e humildade, passou toda uma longa vida ao serviço da Igreja. Sobre o seu “Diário da Alma” testemunhou: «A minha alma está nestes cadernos mais do que em qualquer outro escrito meu». Foi canonizado a 27 de Abril de 2014, em cerimónia presidida pelo Papa Francisco, na Basílica de São Pedro, em Roma.
O Papa João XXIII começou aos 14 anos a redigir as suas memórias e terminou a um mês da sua morte o manuscrito a que chamou “Diário da Alma”. É um registo espiritual que durou 68 anos! Tendo começado em 1895, aproxima-nos ao vivo da alma simples e pura daquele que depois foi o iniciador do Vaticano II. Esta obra corresponde a um «caso único e raro», segundo o seu secretário, hoje cardeal D. Loris Capovilla, sendo possível nela colher a intimidade da alma daquele homem bom: a sua oração e as suas ânsias; mais a sua simplicidade, humildade e pureza. “Ter sumo cuidado em conservar o formoso lírio da pureza e, para isso, vigiar bem os sentimentos…” é o que se pode ler no apontamento “para todo o tempo” de 1895 (com apenas 14 anos!), mas que vai marcar toda a sua vida, mesmo como Papa. Claro que estes escritos revelam no primeiro período da sua vida (1895-1904, ano da sua ordenação sacerdotal) efusões simples e minuciosas que põem a descoberto as inclinações naturais que se propõe disciplinar e educar; depois, nota-se a clarificação do seu pensamento e a alcançada maturidade de carácter, onde vale a visão de conjunto, o programa imediato e concreto da sua vida sacerdotal.
“Então, eu era um rapazinho inocente, um pouco tímido. Queria amar a Deus a todo o custo e não pensava em mais outra coisa senão em ser padre […]. Hoje, à distancia de 60 anos, dou por estes meus primeiros escritos espirituais graças ao Senhor. Depois da minha morte, publica-os (afirmou, voltando-se para o secretário). Acho que poderão fazer bem a quem sentir atracção pelo sacerdócio e por uma mais íntima união com Deus”.
Estes manuscritos não são um livro mecanicamente pensado, mas são, de verdade, um tratado de doutrina ascética intimamente vivida que introduz sacerdotes, religiosos e leigos no gosto das coisas espirituais. São a vivência de uma alma pura, praticamente impecável (pelo menos no que se refere ao pecado mortal e até venial deliberado): assim durante toda uma longa vida, por Deus assistida, certamente, mas ao mesmo tempo por Angelo Roncalli ciosamente escolhida e cuidada. Quem poderá, tranquilamente nos nossos dias, exibir uma imaculabilidade assim tão cuidadosamente construída e conseguida? Só um santo, como ele o foi, é capaz de fazer solenemente promessa de se conservar puro de todo o mínimo consenso de qualquer pecado venial voluntário, e sendo já homem adulto e bispo, após 25 anos de sacerdócio, pôde agradecer ao Senhor tê-lo preservado de cometer culpas graves e até leves, plenamente deliberadas. Foi assim toda uma vida de obediência ao aviso dado aos sacerdotes pelo Concílio de Trento: “Pujam os clérigos até das venialidades que neles representariam uma maior gravidade”.
E, no entanto, as suas circunstâncias de vida mudaram radicalmente pelo menos oito vezes no decurso da sua existência: seminarista, secretário do bispo, professor e director espiritual, primeiro presidente da Propaganda Fidei, visitador e delegado apostólico, primeiro na Bulgária, a seguir na Turquia e na Grécia, núncio em França, patriarca de Veneza, Papa. Sem o querer revelar, nele sempre se notou a sua inalterada serenidade no meio de um meticuloso ardor sacerdotal e apostólico.
Um apontamento seu, datado de 1959, admira-nos, pela sua humilde lucidez: “Sobretudo estou grato ao Senhor pelo temperamento que me deu, que me resguarda de inquietações e de sustos fastidiosos. Sinto-me obediente em todas as coisas que me aconteceram, ‘in magnis et in minimis’, o que confere à minha pequenez tanta força de simplicidade audaciosa”.
Definido o Papa Bom, o Papa de todos, o pároco do mundo, convencia os homens a rezarem e a meditarem no Evangelho, reformando os costumes a partir de si próprios. E, por último, o espectáculo da sua morte, nada menos sugestivo que uma missa papal. Cobriu a morte de beleza! Levou a dizer que era bonito morrer assim. Como foi tudo isto possível? Porque foi um grande sacerdote!
À sua morte aconteceram coisas maravilhosas. Floresceu a paz em muitas casas. Enfermos, antes desesperados, aceitaram a sua sorte; crianças irrequietas passaram a ser dóceis; jovens esposos, lembrados do seu discurso sobre “a carícia às criancinhas”, disseram um para o outro: devemos amar-nos rectamente. A sua pobreza impressionou a opinião pública e honrou os pobres. Muitos filhos pródigos decidiram consolar-se dos seus erros encontrando novamente o hábito da oração aprendido na infância. Muitos decidiram aproximar-se dos sacramentos.
Este volume dá-nos a chave de entrada no mistério da sua alma sacerdotal que conseguiu fazer vibrar as almas do seu tempo, suscitando uma profunda, sincera e imediata comoção, que ainda hoje se expande.
Pe. Mário Santos
In Síntese