Do “Motu Proprio” Summorum Pontificum

O Rito Latino

Muito se tem falado sobre os Ritos na Igreja Católica. Ritos, liturgia, unidade na diversidade, várias palavras-chave surgem, impondo-se a clarificação por parte do Papa e da Santa Sé. Através dos “motu proprio”, por exemplo, por iniciativa e autoridade do Papa. Hoje vamos abordar precisamente o Rito Latino, nas suas expressões várias, à luz do “Motu Proprio” de Bento XVI, de 2007, “Summorum Pontificum” (“Dos Sumos Pontífices”). Para esclarecer, os ritos são actos executados por um determinado grupo humano, que lhe confere o seu sentido, seja a nível social, seja no protocolo, seja numa forma sagrada, onde está a vertente religiosa. Na Igreja Católica existem, pois, ritos, designados de litúrgicos. Compreendem um primeiro grupo, os das igrejas católicas, no Ocidente e no Oriente. No Ocidente predominam os ritos latinos – com base no Rito Romano, mas admitindo outros, como o Ambrosiano, o Hispânico, o Bracarense, entre outros; depois temos os orientais, como o Bizantino (em Grego ou línguas eslavas), Copta, Arábico, Arménio, por exemplo. Existe ainda um outro tipo de ritos, os das celebrações litúrgicas. Estão devidamente descritos nos livros litúrgicos (Missal, Pontifical, Rituais…), já devidamente revistos, seja em Latim, seja nas edições em línguas vernaculares, devidamente aprovados pelas Conferências Episcopais e pela Santa Sé.

Cada celebração litúrgica (missa, sacramentos, sacramentais, etc.) é feita de ritos diversos, distintos pela sua história e significação espiritual, mas também com as marcas próprias das assembleias, dos ministros, dos que presidem a cada acto litúrgico. Mas os ritos, legitimamente reconhecidos, são considerados como iguais em direito e honra pelo Concílio Vaticano II, na “Sacrosanctum Concilium” (constituição). Princípios gerais para todos, a reforçar a unidade, mas normas práticas consignadas para cada um, em especial o Rito Romano, a sublimar a beleza da diversidade e autenticidade.

E o que é um “motu proprio”? À letra significa “da sua iniciativa própria”. É um documento emanado directamente do Papa, por sua própria iniciativa e autoridade. Contém a promulgação de uma lei particular, que modifica e aperfeiçoa a Constituição Apostólica. Dir-se-ia um parecer mais vinculativo do que consultivo, de tipo normativo, sendo um documento breve, afectado a questões concretas, pois os documentos papais de natureza jurídica com maior amplitude e longitude são as Constituições, enquanto que se forem de natureza doutrinal se chamam Encíclicas. O mais antigo “motu proprio” foi promulgado por Inocêncio VIII em 1484. O “motu proprio” é algo decidido pessoal e unicamente pelo Papa, não por outra figura eclesiástica.

Os ritos litúrgicos latinos, ou ritos litúrgicos ocidentais, são os ritos litúrgicos da Igreja Católica de Rito Latino, a maior e a mais numerosa das 23 Igrejas autónomas (sui juris) da Igreja Católica, a qual conta com mais de 95% dos católicos do Mundo. Existem variantes do Rito Latino, como o Rito Romano (o mais utilizado), o Rito Ambrosiano, o Rito Bracarense, o Rito Galicano, o Rito Moçárabe (ou Hispânico), o Rito dos Cartuxos e o Uso Anglicano, além de ritos usados por algumas ordens religiosas, como Cister, Carmelitas, Dominicanos, os Cartuxos ou os Premonstratenses, entre outros. O Rito Romano surgiu com as reformas litúrgicas do Concílio de Trento e do Concílio Vaticano II, pois antigamente havia muitos outros ritos litúrgicos ocidentais latinos. Dentro do Rito Romano temos a forma ordinária (a mais usada, mais recente) e a forma extraordinária, a Missa Tridentina, usada até ao Vaticano II. Mas são cada vez mais os que defendem a Missa Tridentina ou o uso de outras variantes do Rito Latino. Ou o uso mais frequente do Latim na liturgia.

Por isso Bento XVI interveio com o referido “motu proprio”, “Summorum Pontificum”, em 2007. Na essência, para tratar de regras específicas da liturgia latina de acordo com o missal anterior ao Concílio Vaticano II, permitindo que a Missa Tridentina seja celebrada sem necessidade de permissão dos bispos, bem como outras formas pré-conciliares de celebração dos sacramentos. Ou seja, pode-se usar o Missal Romano de João XXIII, em vez do de Paulo VI de 1969. Assim, apesar da reforma litúrgica iniciada no Concílio Vaticano II, continua em vigor o Missal de João XXIII na forma ordinária do rito litúrgico romano. Pode pois, de acordo com o “motu proprio”, ser usado segundo as normas para o seu uso por este definidas, considerando o elevado número de fiéis que vinham (e continuam) a solicitar a sua utilização (do Missal João XXIII).

Recorde-se que a Sagrada Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos publicara em 1984 um documento de indulto para o uso restrito do Missal de João XXIII, que nunca fora aliás anulado canonicamente, apenas substituído pelo de Paulo VI. João Paulo II, que reeditou o Missal de 1969, deu continuidade a este indulto, que apoiara, quando instou, depois, os bispos a não impedir os fiéis que solicitassem o uso daquele missal pré-conciliar, nas suas dioceses. Aliás, o Papa polaco, como Gregório I, Pio V, João XXIII e Paulo VI são recordados na exortação de Bento XVI, no “motu proprio”, pela sua devoção ao culto e à liturgia. Bento XVI foi, porém, mais adiante, no uso desta forma litúrgica, possibilitando-a ainda em mais ocasiões, lugares e permitindo, sempre com as devidas autorizações de ordinários ou superiores das congregações, um uso mais regular e repetido, podendo-se ter os dois missais em uso, de acordo com as normas e a liturgia, os sacramentos e outros imperativos. Considera-se uma forma litúrgica extraordinária, mas perfeitamente possível. As leituras, por exemplo, poderão ser efectuadas em língua vernacular (corrente), se houver povo na missa, pois podem ser celebradas sem fiéis. O ritual pode ser usado pelos párocos em sacramentos como o baptismo, o matrimónio, a penitência e a unção dos enfermos, podendo os bispos administrar a confirmação, se assim for para o bem das almas. Além disto, os clérigos poderão usar o Breviário de 1962, como também os bispos podem erigir paróquias para estas celebrações da forma antiga do Rito Latino.

O documento foi promulgado e publicado juntamente com uma carta explicativa do próprio Papa dirigida aos bispos de todo o mundo, na qual explica as razões que motivaram o documento. Entrou em vigor a 14 de Setembro de 2007, Festa de Exaltação da Santa Cruz. A Pontifícia Comissão Ecclesia Dei é a entidade vaticana de supervisão deste processo.

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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