Os resultados das eleições legislativas portuguesas, do passado dia 4 de Outubro, podem ter baralhado as contas a muitos partidos políticos e criado dificuldades acessórias à governabilidade mas, simultaneamente, clarificaram a posição do povo quanto ao estado da nossa democracia e do papel dos seus principais agentes.
Confesso que ao longo destes últimos 40 anos de eleições em Portugal muitas vezes me interroguei se os resultados eleitorais obtidos se deviam à incapacidade do nosso povo em discernir politicamente o certo do errado ou a uma sábia compreensão em transmitir aquilo que realmente quer. Começo a acreditar que a “sabedoria popular” me tem surpreendido.
Poucos esperariam que a actual coligação PSD/CDS, após quatro anos a fustigar o povo com o “chicote” da austeridade, conseguisse recuperar a maioria parlamentar da próxima Assembleia da República e, para o caso em questão, pouco interessa saber se foi por mérito próprio ou por demérito de quem se lhe opunha. Ganharam!
No entanto, o povo, ao expressar-lhe o seu apoio maioritário, não o fez sem condições, ou seja, só lhe atribuiu a maioria relativa, obrigando-o a uma negociação permanente com a oposição, para manter alguma estabilidade governativa e impedi-lo de governar a “seu belo prazer”.
Mas o povo disse mais:
Disse que a expressiva maioria dos votos nestas eleições (mais de 60%) recaiu sobre partidos políticos (PS, BE, CDU) que estão frontalmente em desacordo com a política de austeridade da coligação, como solução para os nossos problemas. Mas também disse, ao eleger esta coligação e o PS como as formações políticas mais votadas, que quer que Portugal se mantenha na União Europeia e no Euro, em clara contradição com as posições do BE e da CDU.
E disse ainda, com uma abstenção que atingiu o máximo de sempre (43%, mais 2% do que em 2011), que a comunidade política portuguesa terá que fazer uma profunda reconversão da forma como exerce a sua actividade e dos valores que devem estar subjacentes aos servidores da causa pública. A continuarmos assim, mais tarde ou mais cedo e em consequência de causas endógenas ou exógenas, irá consumar-se o divórcio entre a sociedade e os seus políticos e a democracia republicana portuguesa, tal como a que conhecemos, sofrerá uma enorme transformação.
Claro que estes sinais (igualmente visíveis em alguns países europeus) não parecem preocupar muito as diversas formações políticas portuguesas que, no auge da contagem dos seus resultados eleitorais, estão sempre mais atentas aos ganhos e percas dos seus votos e à defesa dos seus propósitos sectários, do que à interpretação nacional do sentido de voto dos portugueses.
Assim (e porque o espaço disponível não me permite referir-me aos outros partidos), enquanto a coligação festejava efusivamente a sua vitória, com a obtenção de mais deputados e o direito a ser o próximo Governo, iludia-se uma outra realidade: obteve a aceitação de 36,9% dos votos dos portugueses, contra 63,1% dos que a rejeitam; perdeu 738 mil votos, em comparação com 2011; herdou um país com uma economia muito mais pequena e a crescer apenas 1,6%; uma taxa de emprego a desacelerar (12%); uma dívida pública já muito perto dos 130% e o défice previsto para este ano de 2015 (2,7%), em clara dissonância com o que foi obtido no primeiro semestre (4,7%).
Razões de sobra para colocar esta coligação a reflectir senão terá obtido uma “vitória de Pirro” que a conduza, em tempos próximos, a provocar uma “saída airosa” de cena, responsabilizando a oposição pela ingovernabilidade eminente.
Se tal acontecer, e para que a culpa não fique solteira e se engane no infractor, basta que a oposição faça uma simples exigência à coligação: ponha em prática tudo o que prometeu aos eleitores, nomeadamente na campanha eleitoral (descida de impostos, reposição de salários da Função Pública, devolução de sobretaxa, não ao corte das pensões, etc.), mantendo o défice a que se propôs, ou seja, ter apenas um défice de 0,7% no segundo trimestre deste ano.
Afinal, trata-se apenas de uma exigência legítima de um povo que não quer ser enganado pela segunda vez…
PS: No meio de tantas preocupações, deixo uma nota curiosa e “refrescante”: a eleição de um deputado de um novo partido, o PAN (Partido dos Animais e da Natureza). De que lado ficará sentado na Assembleia da República?
LUIS BARREIRA