O que acontece na Eucaristia, no momento da Consagração?
Não raras vezes, fazemos a experiência de que há determinados alimentos que, dependendo das circunstâncias, não têm o mesmo sabor. Há determinados sabores que só as avós ou as mães conseguem extrair dos alimentos. A razão está num ingrediente muito especial: amor. Uma refeição confeccionada com amor adquire um sabor distinto.
Sem desprezo da dimensão sacrificial, a Eucaristia é também um banquete. O mais antigo relato desta refeição é-nos transmitido por São Paulo na Carta aos Coríntios – documento do ano 56 d.C.: «Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de Mim”. Do mesmo modo, depois da Ceia, tomou também o cálice, dizendo: “Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que beberdes dele, fazei-o em memória de Mim”». Os Evangelhos sinópticos atestam esta mesma tradição (Mt., 26,26-27; Mc., 14,22-24; Lc., 22,19-20).
«Fazei-o em memória de Mim», diz Jesus; e, por isso, a Igreja é fiel ao mandato do Senhor. Quando celebramos o sacramento da Eucaristia, o sacerdote, que preside à assembleia reunida, pronuncia estas palavras sobre o pão e o vinho, no momento da Consagração. Cristo torna-Se realmente presente nas espécies do pão e do vinho. “No centro da celebração da Eucaristia temos o pão e o vinho que, pelas palavras de Cristo e pela invocação do Espírito Santo, se tornam o corpo e o sangue do mesmo Cristo” (Catecismo da Igreja Católica n.º 1333).
O Concílio Vaticano II fala de quatro presenças de Cristo na Liturgia: na pessoa do ministro que preside, na Palavra proclamada, na assembleia reunida e nas espécies do pão e do vinho consagradas (Sacrosanctum Concilium, n.º 7). A presença “real” de Cristo no pão e no vinho consagrados não exclui que as outras presenças também sejam reais. Não obstante, esta presença “real” de Cristo é substancial, porque por ela Se torna presente Cristo completo, Deus e homem, explicita o Catecismo da Igreja Católica no seu número 1374, citando São Paulo VI, na Encíclica Mysterium fidei. A palavra substância é fundamental para nos aproximarmos da realidade da Consagração.
Em qualquer alimento, e também no pão, devemos distinguir aquilo que são características particulares (formato, cor, sabor, cheiro, etc.,) do alimento em si. Quão distintas são as características entre uma broa de Avintes e um papo-seco ou uma carcaça? E todos são pão! Chamamos ao pão em si de substância, e às características particulares acidentes, usando uma terminologia filosófica.
Voltemos à mesa e ao pão em si, para escutar Santo Agostinho, bispo de Hipona (430): “O que vedes, caríssimos, na mesa do Senhor, é pão e vinho; mas esse pão e esse vinho, acrescentando-se-lhes a palavra, tornam-se corpo e sangue de Cristo… Tira a palavra, e tens pão e vinho; acrescenta a palavra, e já tens outra coisa. E essa outra coisa que é? Corpo e Sangue de Cristo” (Sermão 6,3).
Para usar uma palavra, compreensível à Filosofia e Teologia da época, capaz de traduzir esta transformação, a Igreja do Século XIII adoptou o termo: transubstanciação.
A Igreja acredita que, depois de invocar o Espírito Santo, o sacerdote ao fazer memória das palavras de Cristo na Última Ceia, sobre o pão e o vinho, pela força do mesmo Espírito eles tornam-se Corpo e Sangue de Cristo, embora as características (formato, cor, sabor, cheiro) se mantenham. A transubstanciação é assim obra do Espírito Santo.
Não podemos negar que esta é uma realidade difícil de traduzir por palavras. Imaginemos uma mãe muito doente, desempregada, que vivia sozinha com o seu filho pequeno. Precisava de um medicamento para sobreviver e não tinha como o comprar. Certo dia, alguém lhe deu a quantia exacta para comprar o remédio. Ao ir à farmácia, levando o seu filho, passou por uma padaria. O filho, ao ver o pão na montra, exclamou: «Mãe, tenho fome». A mãe fez o que qualquer mãe faria. Entrou e comprou pão para o filho. O pão que ela comprou tornou-se radicalmente diferente do que estava na montra, porque impregnado de amor. O amor transforma a realidade, e «Deus é amor» (1Jo., 4,16). A Eucaristia é o sacramento do amor.
Pe. José André Ferreira
Director da revista Família Cristã