Declaração do GTIR

Declaração do GTIR

N.d.R.: A pedido do padre Peter Stilwell, ex-reitor da Universidade de São José e actual professor associado da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, publicamos um comunicado emitido pelo GTIR – Grupo de Trabalho Inter-Religioso | Religiões-Saúde – sobre a legalização da morte assistida de seres humanos pela Assembleia da República Portuguesa. Em segundo plano, publicamos também um comunicado sobre a mesma matéria, emitido pela AMCP – Associação dos Médicos Católicos Portugueses.

Nós, membros do GTIR – Grupo de Trabalho Inter-Religioso | Religiões-Saúde –, signatários da Declaração Conjunta Cuidar até ao fim com compaixão, de 16 de Maio de 2018, não podemos silenciar o nosso clamor perante a reincidente aprovação do diploma sobre o suicídio assistido e eutanásia, pela Assembleia da República.

1. Reafirmamos a convicção comum de que a vida humana é inviolável e indisponível, não só porque é um dom de Deus, mas também porque é revestida de uma dignidade específica da qual todos os homens comungam pelo facto de serem pessoas humanas, dignidade esta que não depende de qualquer tipo de autonomia, liberdade, fase da vida ou da qualidade de vida.

2. Estamos convictos de que o futuro das nossas sociedades não se encontra na oferta da morte, mas na aposta colectiva num modelo compassivo de sociedade. Neste sentido, os Cuidados Paliativos são uma resposta que o Estado deveria obrigatoriamente oferecer, de modo suficiente em quantidade e qualidade, para fazer frente às necessidades existentes dos doentes, sem marginalizar os mais frágeis e os mais pobres.

3. Não compreendemos que o Estado ofereça a morte a quem mais sofre, quando o SNS não responde atempada e adequadamente às necessidades dos doentes (tenhamos em conta as filas e os tempos de espera em consultas e cuidados); quando a resposta das Unidades de Cuidados Continuados é insuficiente; e quando não existe uma Rede de Cuidados Paliativos capaz de responder às solicitações dos doentes. O Estado que tem o dever de defender a vida adquire competências para determinar quem deve morrer e quem tem o dever de matar.

4. Verificamos com perplexidade que a problemática da vida e da morte deixa de ser uma questão ética e passa para o foro da política, ficando sujeita às maiorias de circunstância e aos interesses de lóbis e ideologias. Será que um dia destes cada um de nós acorda com um algoritmo que determina a hora da morte?

5. Não acreditamos que sejam suficientes as boas intenções dos legisladores ao limitarem a aplicação da lei a casos limite de sofrimento definidos por dicionário. Na verdade, foram ignorados os exemplos da rampa deslizante vindos do Canadá, da Holanda, da Bélgica e de outros países, por um lado, e, por outro, não foram escutados os alertas de peritos vindos desses países (alguns deles foram antes defensores da eutanásia) advertindo que a legislação da eutanásia não traria nada de bom. É, por isso, muito provável que novas maiorias se encarreguem de, abrindo outros dicionários, rasgar novas portas à lei para que mais casos e situações de sofrimento sejam integrados nos critérios de eutanásia, criando uma pressão injusta e ignóbil sobre os doentes e os idosos, os mais frágeis e os mais pobres.

6. Vemos como evidente que a morte a pedido não resolve o problema do sofrimento nem da falta de autonomia, de liberdade ou de qualidade de vida. A morte mata a vida e quando já não há vida, não é possível a autonomia nem a liberdade, já que é a vida que funda o direito, a autonomia ou a liberdade e não o contrário.

7. Lamentamos que médicos, formados para curar e proteger a vida, tenham de negar o juramento de Hipócrates e passem também a matar, violentando as suas consciências e gerando desconfiança nos doentes.

Por tudo isto, não deixaremos de nos empenhar na proclamação dos valores da vida e na formação humana suportada pelos mesmos porque cada pessoa é única e irrepetível, insubstituível e necessária à sociedade de que faz parte e porque não há vidas descartáveis.

Queremos viver o desafio de uma maior proximidade aos doentes através do acompanhamento espiritual porque não somos indiferentes ao pedido de um doente terminal que pede para morrer. Sabemos que esse pedido não só é um grito que clama por ajuda para enfrentar o sofrimento, mas é também um pedido dramático de proximidade humana e um desejo de sentido espiritual. Por isso clamamos que o SNS e os Hospitais privados abram as portas das suas Instituições para que os doentes sejam acompanhados espiritualmente sem entraves ou tabus de uma forma organizada e integrada, segura e transparente. Na verdade, para além de ser uma necessidade, eles têm direito à assistência espiritual e religiosa que, como é referido pela literatura científica, também é fonte de bem-estar, sentido e qualidade de vida, sobretudo nas situações severas de sofrimento.

Continuaremos, por isso, a afirmar o princípio “não matarás” porque acreditamos que a vida é um dom que recebemos de Deus, que tem um carácter sagrado e uma finalidade última e por isso temos o dever de a cuidar até ao seu fim natural. O princípio “não matarás” conduziu a humanidade pelas vicissitudes da história até ao respeito pela vida e pela dignificação da pessoa humana, ficou consagrado nos direitos humanos e nos códigos constitucionais da maior parte das nações e é património das grandes tradições religiosas. O novo princípio legal do “dever de matar” não nos impedirá e mais nos motivará para reafirmar o princípio ético, ancestral e universal de “não matarás”.

Lisboa, 5 de Novembro de 2021

Aliança Evangélica Portuguesa

Comunidade Hindu Portuguesa

Comunidade Islâmica de Lisboa

Comunidade Israelita de Lisboa

Igreja Católica

Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons)

Patriarcado Ecuménico de Constantinopla

União Budista Portuguesa

União Portuguesa dos Adventistas do Sétimo Dia

CAIXA ——-

COMUNICADO AMCP

SOBRE A APROVAÇÃO DA EUTANÁSIA EM PORTUGAL

A eutanásia acaba de ser aprovada em Portugal, em sede parlamentar. Estamos diante de um dia negro na história do país, de retrocesso das conquistas e liberdades dos cidadãos. A AMCP – Associação dos Médicos Católicos Portugueses mantém, ancorada na possibilidade do veto presidencial ao projecto de lei, a esperança de que a eutanásia não venha a ser uma realidade em Portugal.

A AMCP reafirma a posição assumida em comunicados anteriores, de que a legalização da eutanásia e do suicídio assistido viola claramente o princípio da inviolabilidade da vida humana consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição Portuguesa.

Do ponto de vista médico, enquanto associação profissional representativa de associados médicos e estudantes de medicina de todo o país, a AMCP rejeita o suicídio assistido e a eutanásia como actos médicos. Ao médico cabe a defesa intransigente da vida.

A aprovação hoje efectuada, na 25ª hora, mostra bem o desespero dos defensores da causa. Neste sentido, a AMCP lamenta que a táctica política não corresponda aos problemas reais do país, que assim se vê enfraquecido do ponto de vista humano e ético.

Nesta hora sombria, a AMCP alerta que a exemplo dos países onde a legalização já está em vigor, o caminho da defesa da vida humana torna-se mais sinuoso em Portugal, pois a aprovação abre a porta que leva a uma rampa inclinada de consequências trágicas que lesam de forma absoluta a dignidade da pessoa humana.

Apelamos ao Senhor Presidente da República que faça tudo o que estiver ao seu alcance para impedir a entrada em vigor de uma lei que desumaniza e atrasa Portugal.

5 de Novembro de 2021

Associação dos Médicos Católicos Portugueses: www.medicoscatolicos.pt

FB: @associacaodemedicos.catolicos

Instagram: amcp_1915

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