Da Bazuca de Draghi ao Cavalo de Tróia

Dois acontecimentos verificados na semana que findou foram um autêntico murro no estômago nesta Europa a braços com uma azia permanente.

Há muito que se desenhava a necessidade de um “abanão” no marasmo europeu, capaz de animar os povos e reacender a sua capacidade criativa na procura de melhores soluções para os males que os afectam. Eis que o até há pouco tempo impensável, e numa coincidência que não é inocente, aconteceu.

Desde que a crise financeira afectou a Europa e atirou para o desemprego mais de nove milhões e meio de trabalhadores, nomeadamente nos países com mais fracas estruturas produtivas, que os seus dirigentes só conseguiram apontar um caminho exclusivo: a austeridade. Essa solução aplicada, aprisionada que foi pelos cartéis financeiros transnacionais, acabou aumentando as desigualdades no seio dos povos, entre os países, conduzindo os cidadãos dos países mais sacrificados a uma enorme descrença nos seus partidos tradicionais.

A decisão do Banco Central Europeu de passar a comprar massivamente a dívida pública dos países em dificuldades, responsabilizando os bancos centrais desses países por 80% desses valores e os restantes 20% a serem partilhados por todos os países do euro, não constituindo uma solução vital para todos os problemas, embora designada como uma necessidade para inverter a deflação económica, resulta numa alteração profunda da orientação que tem sido seguida até agora, comprometendo politicamente todos aqueles que se têm oposto a tal medida, defendendo a austeridade por si só, tal como os antigos curandeiros sangravam os doentes para os libertar das suas doenças, acabando por matá-los.

Não sei se a decisão financeira que o presidente do BCE tomou, apelidada de “bazuca”, não foi uma “pedrada no charco” da incapacidade política da Europa em resolver os seus urgentes problemas, mas a sua publicitação, a escassos dias das eleições gregas, onde o partido Syriza era já dado como vencedor, não foi com certeza um simples acaso. Era preciso “acordar” a Europa para os novos tempos que se avizinhavam e o BCE “adiantou-se” à Comissão Europeia.

Eis agora a Grécia e a União Europeia com um sério desafio pela frente.

Desde que, no passado Domingo, as eleições gregas deram uma vitória confortável ao partido anti-austeridade chamado Syriza, que a grande maioria dos comentadores televisivos portugueses, assim como as tendências políticas que nos governam, fazem um coro de lamentações, juízos apriorísticos e acusações ao povo grego pela forma como vivia e como quer viver. Alguns vão mais longe, dando a entender que se avizinham autênticos cenários de catástrofe para este sacrificado povo, alegando que passará a ser dirigido por uma ditadura esquerdista, ou a preverem uma implosão da UE, com a hipotética saída da Alemanha, caso seja aceite a renegociação da dívida grega.

Ora vamos lá a ver se nos entendemos!

Independentemente das suas palavras de ordem, que parecem ser o que mais incomoda os seus detractores, eu (e eventualmente uma boa parte dos gregos que votaram neste partido) conheço mal as características ideológicas do Syriza, enquanto manifestação identitária dos vários grupos políticos que o compõem, para poder opinar sobre o que vai ser o seu comportamento governativo. O que eu sei é o que foi afirmado pelo seu dirigente: querer minorar a ruína do seu povo, manter-se na UE e no euro. E isso, que é algo indiscutível para qualquer político de bom senso, não entra em algumas “cabeças duras” do Norte da Europa (e também do Sul), confinadas a um Tratado Orçamental que determinou limites para o défice público, com base num rascunho produzido a um canto da mesa (segundo o insuspeito Bagão Félix) por um conselheiro de Miterrand, antigo Presidente francês, sem que tal estivesse apoiado por um estudo técnico credível.

A austeridade que tem sido aplicada, como um fim em si própria, em que o Estado nos tira dinheiro para pagar as suas contas, deixando-nos sem dinheiro para pagar as nossas, e o cansaço pelo comportamento dos partidos habituais dos Governos gregos, sem soluções e grávidos de corrupção, levaram o povo grego a votar massivamente num partido novo, que se propõe a alterar as actuais regras do jogo e que não pode voltar atrás, sob pena de gerar uma enorme convulsão social.

O que me parece notável, no que agora acabaram de fazer, foi terem enviado um autêntico “Cavalo de Tróia” para um coração europeu doente, na expectativa que outros os ajudem a reanimá-lo.

Será o Syriza capaz de levar a cabo todas suas promessas, mantendo-se na actual UE e no euro, sem a ajuda da Europa? Tenho as minhas fortes dúvidas (e acho que os gregos também). No entanto, se a política europeia não se alterar, mantendo-se tal como está, temo que as consequências poderão ser bem piores para toda a Europa.

Luis Barreira

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