A importância dos portos
Pouco se sabe da Península Malaia dos tempos pré-históricos, mas há cerca de dez mil anos os aborígenes malaios – conhecidos como “orang asli” – iniciaram movimentos migratórios a partir do sudoeste da China.
Na Europa, já nos primeiros séculos da era cristã se ouvia falar da Malaya. Ptomoleu retratou-a nos seus mapas e os romanos mostraram apetência por aquela região do mundo onde se dizia haver «ouro e outras riquezas» em abundância. Quem, em vez de se limitar a sonhar, decidiu ir verificar a veracidade dos rumores foram os mercadores chineses e indianos, tendo chegado, estes últimos, a estabelecer pequenos reinos ao longo da Península. Etnicamente semelhantes aos autóctones das ilhas de Samatra, Java ou até das Filipinas, os malaios misturaram-se com a população local, governaram e foram governados ao longo da história.
Em 1405 demandou a Malaca o almirante chinês Zheng He com cumprimentos do “Filho Celestial” sedeado em Pequim e com promessas de protecção aos nativos contra os ameaçadores siameses, que alargavam então os seus domínios até ao norte da Península. Garantido o apoio militar e logístico da China, Malaca passaria a funcionar como verdadeiro pólo catalisador. Mais ou menos por essa altura difundia-se, célere, em toda a Península, a religião islâmica, trazida pelos mercadores árabes. A prosperidade e riqueza do porto de Malaca depressa chegariam aos ouvidos dos mercadores portugueses, que, para além do ouro e das especiarias, tinham um outro pretexto para se deslocarem a tais paragens: travar a propagação do Islão.
Malaca, pérola do mundo mercantil, zelada por poderosos sultões, acabaria por ser conquistada, em 1511, pelo temível Albuquerque. Quase 150 anos depois, em 1641, seria a vez de os holandeses imporem o seu domínio, embora os inquilinos mais renitentes fossem os ingleses, a partir de 1795. Inicialmente interessada apenas nos portos de mar, que lhe permitisse proteger as rotas comerciais, a matreira Albion, com a descoberta de minas de cobre, decidiu estender o seu mando ao interior do reino.
Só em 1957 a Península conseguiria a sua independência, recuperando o ancestral e singelo nome Malaya. Seguir-se-ia um período de forte instabilidade política e social, resultante de uma revolta comunista interna e da confrontação externa com a vizinha Indonésia. Em 1963 os Estados do norte do Bornéu – Sabah e Sarawak, – conjuntamente com Singapura, associaram-se à Malaya para constituir um país que, definitivamente, chamar-se-ia Malásia. Foi, porém, uma aliança de curta duração. Dois anos depois Singapura saiu da federação e passou a governar-se a si própria sob a liderança de um chinês de punho de ferro: Lee Kuan Yee. Esse corte cerce da ilha-cidade (habitada maioritariamente por chineses) deveu-se à política malaia de “uma Malásia para os malaios” discriminatória das restantes etnias da jovem federação.
Em boa hora Singapura tomou as rédeas com as próprias mãos. Turismo, comércio e indústria trouxeram-lhe prosperidade, graças ao pragmatismo governativo “chim”. Singapura é hoje uma cidade moderna e desenvolvida, muito embora as limitações à liberdade individual reacendam a vontade de mudança dos que exigem mais reformas democráticas e um relaxamento substancial das leis draconianas em vigência.
Por seu lado, a Malásia, findo o conflito com a Indonésia e com os rebeldes comunistas, viu-se confrontada, em 1969, com uma onda de violentas pelejas inter-raciais (com especial relevo na capital) que se saldaram em centenas de mortos. A razão da tensão racial teve a ver com o claro favorecimento governamental para com os cidadãos de etnia malaia, aqueles que possuíam o estatuto de “bumiputra” – que se pode traduzir como “filho da terra”. Essa continua a ser uma problemática actual, embora a sociedade malaia, no seu todo, se mantenha coesa e cooperativa.
A nível político, desde que as eleições de 1974 deram uma vitória esmagadora à Frente Nacional – no seio da qual a UMNO (United Malays National Organization) desempenhava um papel preponderante – as atenções continuavam viradas para o Dr. Mahatir Mohamad, o mais antigo político asiático no poder. E o Dr. Doc, como era também conhecido o dirigente malaio, não parecia estar com pressa para abandonar a cadeira do poder.
Foi nesse contexto que visitei Malaca, em finais da década de 1990, com o intuito de documentar a vida da mais célebre das comunidades de luso-descendentes em toda a Ásia, os já nossos conhecidos malaqueiros.
Foi em Goa, onde se reabasteceria o barco em que viajava, que Fernão Mendes Pinto soube do interesse do capitão de Malaca em recrutar homens válidos para a defesa e manutenção dessa praça-forte. O conhecido viajante português chegaria a Malaca a 5 de Junho de 1539, tendo essa cidade passado a ser, desde então, verdadeira plataforma giratória na sua vida de aventuras e desventuras. Ali regressaria por diversas ocasiões.
Seria em Malaca que Mendes Pinto, após a sua segunda viagem ao Japão – de onde trouxe um cristão local que viria a ser fundamental para a difusão dessa nova fé no Império do Sol Nascente – travaria conhecimento com o padre Francisco Xavier, facto que influenciaria a sua vida futura. Mendes Pinto refere-se a Xavier como «reitor universal da Companhia de Jesus nas partes da Índia, que havia pouco dias chegara de Maluco, com grande nome de santo na voz de todo o povo, por milagres que lhe lá viram fazer». Em posterior passagem por Malaca, Pinto seria informado da morte desse seu amigo, «no porto de Sanchoão, que é uma ilha a vinte e seis léguas da cidade de Cantão, onde naquele tempo se fazia o trato com a gente da terra», tendo sido uma das pessoas que foi buscar o seu corpo para o trazer para Malaca, onde ficaria algum tempo antes de seguir para Goa.
Não foram, por isso, as encantadoras praias, nem as montanhas ou os parques naturais, o principal objectivo da minha primeira visita à sonhada terra do fictício herói Sandokan, “o tigre da Malásia”, mas sim a memória viva de Portugal nestas paragens.
Joaquim Magalhães de Castro