São Tomás de Aquino

O Doutor Angélico

Temos falado nos últimos tempos de alguns santos ilustrados intemporalmente pelo seu intelecto, génio e sapiência. Dons esses que não foram apenas marcas, mas também legados, mas mais do que tudo foram instrumentos ou vias da sua santidade. Por a Fé, a Ciência, a Razão e o Amor também se podem interligar e santificar. Hoje falaremos assim de uma das maiores expressões dessa conjunção, S. Tomás de Aquino, OP (1225-1274), o célebre “Doutor Angélico”.

Tomás nasceu a 25 de Janeiro de 1225 no castelo de Aquino, em Roccasecca, na região meridional do Lácio, perto da Campânia (Nápoles), então no Reino da Sicília, na actual Itália. Não teve uma vida longa, pois a morte adveio-lhe a 7 de Março de 1274 (49 anos), na Abadia de Fossanova, mosteiro cisterciense. Mas a sua vida foi o trajecto de um dos maiores pensadores do mundo do último milénio, de uma figura que forjou a cultura e mentalidades, da Filosofia e da Teologia não apenas da Idade Média mas ainda nos dias de hoje, por via da sua herança intelectual plasmada, por exemplo, na majestosa e intemporal “Summa Theologica”, escrita entre 1265 e 1273, obra magna e universal terminada um pouco antes de se juntar àquEle por cuja fé sempre procurou discernir e ensinar o caminho da verdade.

Oriundo de uma família nobre, dos senhores de Aquino, cedo foi destinado a uma educação esmerada, confiado que foi a fazer, em 1239, os seus primeiros estudos na abadia beneditina de Montecassino, prestigioso foco de cultura e ensinamento na Idade Média. Um futuro brilhante era-lhe a cada dia prognosticado, pela sua inteligência viva e dedicação ao estudo. Por essa altura fora fundada a Universidade de Nápoles, para onde se dirigira então o auspicioso Tomás, deixando para trás o meio monástico beneditino, onde lançara as raízes do conhecimento e método.

Em Nápoles, todavia, descobriria a filosofia de Aristóteles, pela qual se “apaixonara”, tal como por Averróis ou Maimónides (muçulmano o primeiro, judeu o segundo). Seria o grande indício da sua refulgente trajectória na filosofia do conhecimento de Deus, na Teologia. Para se lhe dedicar totalmente, segue a sua vocação de vida religiosa, decidindo entrar na Ordem dos Pregadores, ou Dominicanos, um instituto de vida consagrada recente, fundado por S. Domingos de Gusmão em França (1207-16) e onde os estudos eram uma marca importante na vida dos frades, tendo em vista a sua formação para pregadores e para o ensino. Ser genial não implica não ter provações ou sofrer, os “caminhos de Deus são ínvios”, tortuosos e o sofrimento anda de mão dada com a fé. Tomás provou desse fel amargo quando enfrentou a oposição do seu pai em seguir a vida religiosa, indignado pela opção do filho, para mais por uma ordem mendicante, onde a pobreza é uma via para a perfeição apostólica. Tudo fez a família para que Tomás não seguisse a opção religiosa: prenderam-no, ameaçaram-no, contrataram até uma prostitua para o seduzir, mas nada o fez voltar atrás. Tomás teve pois que tomar uma opção: não abandonou a vocação, apenas a foi concretizar longe da indignação paterna, em Paris, por volta de 1243-44, onde então pontificava a maior e mais importante universidade do seu tempo, além do maior alfobre de teólogos de toda a Idade Média. O maior de todos esses expoentes ia entretanto a caminho, desde Aquino, com o hábito dos filhos de S. Domingos de Gusmão.

A família acabaria por ceder, ao fim de cerca de um ano, permitindo a Tomás que ingressasse no convento dominicano de Nápoles. Pouco tempo esteve aqui, rumando a Paris novamente, para o convento dominicano de St. Jacques, onde vai ter como mestre o seu confrade Alberto da Suábia, mais conhecido como S. Alberto Magno, um dos maiores filósofos do seu tempo. Foi o grande mestre em Aristóteles que adaptou e ensinou ao mundo latino, cristão, como de outros sábios gregos. Tomás acompanhou o mestre até Colónia (Alemanha), onde Alberto fundara uma faculdade de Teologia. Aqui estuda Filosofia e Teologia, embora ensinando também, regressando a Paris, onde seria ordenado sacerdote. Terá sido por volta de 1251. Regressa a Paris no ano seguinte, permanecendo ali até 1259, ocupando uma das duas cátedras de Teologia detidas pelos Dominicanos. Escreve também as suas primeiras obras, além do magistério.

A Universidade de Paris fervilhava naqueles tempos, nas disputas teológicas, com os mestres divididos em torno das relações entre a Fé e a Razão, afinal um tema em foco desde sempre na história da cultura católica. Aristóteles, Averróis, são os fundamentos clássicos destas disputas. Neste contexto, foi recebido, com outro grande sábio de Paris, (São) Boaventura de Bagnoreggio (1221-1274), franciscano e mais tarde cardeal, como Mestre, em 1257. Em 1259 regressa a Itália, a Nápoles, para reorganizar os estudos da Ordem, continuando sempre a escrever, além de ser consultor da Santa Sé e acompanhar debates e polémicas. Em Roma é designado em 1265 como director da escola do convento dominicano de Santa Sabina, onde começa a redigir os “Comentários a Aristóteles” e a magna “Summa Theologica”, obra ainda hoje capital nos estudos de Teologia e Filosofia. Esteve em Roma até 1268, recusando, pelo meio, o arcebispado de Nápoles e outras dignidades. Regressa a Paris e à universidade, onde os “ataques” aos Mendicantes (Franciscanos e Dominicanos) estão ao rubro. Tomás mantém a sua cátedra de Teologia, ao mais alto nível, até 1272, quando regressa a Nápoles, para ensinar.

É chamado ao Concílio de Lyon (França), como perito, mas o Pai chama-o no caminho, não longe de Nápoles, na abadia cisterciense de Fossanova, a 7 de Março. Curiosamente, morreu no mesmo ano do outro grande teólogo de Paris, do seu tempo, o magistral Boaventura, como já vimos, mas este faleceria em Lyon, em Agosto do mesmo ano de 1274, em pleno concílio.

Tomás foi canonizado em 1323 e considerado Doutor da Igreja em 1567. É considerado como o maior expoente da teologia católica de todos os tempos, um dos grandes sintetizadores e sistematizadores do pensamento clássico, antigo, na filosofia cristã. Mas sempre humilde, obstinado na fidelidade à vocação e ao seu magistério, ao trabalho e à Igreja.

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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