Costa da Memória

Topónimos de origem portuguesa

Os veículos dos mauritanos só muito raramente eram revistados nas fronteiras e nas centenas de postos de controlo que víamos surgir nas estradas no meio do nada. Com os estrangeiros, acontecia o oposto. Muitos e diversos, os estratagemas utilizados pelos agentes de autoridade locais para tentar extorquir-lhes os tão apetecidos euros. As sugestões, indirectas ou não, para que os dessem de boa vontade chegavam a ser exigências às quais era difícil fugir. Houve casos de estrangeiros obrigados a esperar horas nos postos de controlo, só porque se recusaram a pagar as sempre aguardadas e muito apetecidas luvas.

A corrupção e o abuso de autoridade continuavam galopantes e, de há uns anos a essa parte, o Governo tinha responsabilidade na matéria, podendo-se dizer até que era conivente.

«– Todo este espalhafato é motivo de muita conversa e matéria anedótica para o futuro», comentava Jaspard, mas o certo é que a situação não deixa de ser incomodativa e nada abona em favor dos habitantes deste país.

Ao olhar para um mapa militar, depressa me apercebi da quantidade de topónimos de origem portuguesa que classificam esta paisagem. A península onde se situa Nouadhibou, dividida a meio por uma fronteira fictícia, é particularmente rica nesse domínio. Saliente-se que toda a zona oeste da dita, parte integrante do Saara Ocidental, está repleta de minas. Nos mapas marroquinos essa diferenciação era de tal forma bem vincada que, à altura de Nouadhibou, vinha indicado o centro populacional de Lagouira, a letras gordas, quando Lagouira (ou La Aguero, como dizem os espanhóis) não passava de um simples ponto do mapa. Ali residiam, temporariamente, alguns pescadores. E era tudo. O lado marítimo da península é conhecido ainda como a Costa das Focas, seguida da Las Ballenas para terminar em três pontas: a Ponta da Águia – também conhecida como o Falso Cabo Branco – a Ponta das Lagostas, a Ponta de L’Opera (!?) e a Ponta Porta Ilha, antes de chegarmos ao Cabo Branco. Do lado interior, já em território mauritano temos, de Sul para Norte, a Ponta Central, o Cabo Cansado e a Ponta do Rei, que limitam a Baía do Cansado. Seguem-se a Ponta Flores, a Ponta dos Mouros, a Ponta Estrela – no extremo da aldeia de Kobanu (Cabana), a norte de Nouadhibou – e a Baía da Estrela, perto de outro lugarejo denominado Domingo. Alguns destes termos aparecem escritos em Francês, mas a maioria mantém a grafia portuguesa, como é o caso de Cansado ou Ponta Rei.

Na costa frente à península, já no Banco de Arguim, de Norte para Sul, sucedem-se os nomes lusos: Ponta do Deserto; Ponta das Marés; Ponta das Hienas; Ponta das Avestruzes; Ponta das Conchas; Ponta Jerônimo, na Baía dos Pelicanos; Ilha dos Pelicanos; Cabo de Santa Ana e Ponta das Salinas, ambas opostas à Baía do Levrier. Há ainda uma Baía de Arquimedes e os bancos de areia Banco da Sentinela e Banco da Estafeta. A ilha de Arguim é também conhecida como Agadir, e as duas outras pequenas ilhas ali perto chamam-se Margarida e L’Ardent.

Verdade seja dita. Em Nouadhibou, além dos albergues Baie du Levrier, Sahara e Abba, refúgios para europeus de passagem, pouco mais havia que despertasse a curiosidade. Talvez um ou outro estabelecimento comercial, a seguradora Gama, a Mercearia do Povo e um centro para o ensino do Espanhol, para não mencionar os inúmeros cartazes alertando para a escalada da SIDA e a necessidade de tomar medidas preventivas.

Nas imediações do mercado, à entrada das lojas de informática, com telemóveis de todos os feitios nas montras, viam-se homens sentados e de cócoras, com pastas de executivo entre as pernas, em amena cavaqueira. Espiolhando um pouco adiante, lá encontraríamos uns quantos restaurantes, pertença de africanos subsarianos, pois os mauritanos não tinham por hábito aplicar-se nessas lides. Para completar o quadro, acrescente-se uns quantos vendedores de fruta – luxo por estas paragens; inclusive as proletárias bananas – um escritório do parque nacional de Arguim (parecia estar sempre fechado) e dois cibercafés.

Habituado à hiperactividade dos marroquinos, estranhei a quase ausência de iniciativa privada entre os mauritanos. Pelo menos que se visse. Viam-se, sim, negros enormes a deambular pelas ruas, de passo largo, rumo a não sei onde. Se calhar nem eles próprios sabiam.

Uma lanterna vermelha presa na parede alertou-me para um restaurante chinês, o Le Merou. Já cá faltavam, pensei. Viria a saber mais tarde que existiam ali vários restaurantes chineses, e também coreanos, fruto da iniciativa dos negociantes de peixe.

Esgotada a paisagem urbana, de reduzido interesse, meti-me num táxi colectivo rumo à aldeia de Cansado, para uma curta visita, sendo o meu objectivo principal o Cabo Branco.

É difícil imaginar a intensidade do calor de Verão a uma latitude daquelas. Entre as onze da manhã e as cinco da tarde, raramente se avistam pessoas nas ruas. As poucas unidades hoteleiras de Cansado estavam ocupadas, quase em exclusivo, por técnicos superiores estrangeiros empregados na fábrica de produtos à base de pirite de ferro, uns quilómetros a Sudoeste. Para ali me dirigi, na expectativa de ver aparecer algum veículo.

Joaquim Magalhães de Castro

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *