A fonte de Agadir
Entrámos em Agadir pelo norte, continuando para sul uns bons quilómetros antes de enveredarmos a oeste, até à Gare Routiére des Voyageurs, um edifício moderno, todo envidraçado, mas sem um único autocarro à vista.
Telefonei ao Mohamed Etilaoui (o negociante do peixe que falava Espanhol) e ele veio de imediato buscar-me para me mostrar, como tinha prometido, e antes que o Sol se pusesse, «o local dos portugueses». O Agadir Oufella, o kashba local, está empoleirado numa colina ao norte da cidade. Ou melhor, as ruínas que sobraram na sequência do devastador terramoto de 1960.
Pelo caminho, Mohamed chamou-me a atenção para as estruturas que se avistavam, «mira las canalizaciones», cortadas por um barranco atravessado pela via rápida. A hospitalidade do marroquino custar-lhe-ia 50 dirhams de multa, por ter passado um sinal vermelho, entretido que estava a explicar-me a paisagem circundante. Intimidado pela presença do estrangeiro, o agente teve o cuidado de o levar para longe para poder receber o suborno à vontade.
Por ser Domingo, o local estava entupido com as viaturas transportando centenas de pessoas que iam assistir ao pôr-do-sol. Em baixo, estendia-se o gigantesco porto e a parte moderna da cidade ao longo da baía. Encontrado o cenário, os fotógrafos propunham camelos para compor o primeiro plano que se queria personalizado, para mais tarde recordar.
Parte da muralha fora reconstruída e, na porta principal, pude ler uma inscrição em Holandês com a data de 1700. Mesmo assim, ouvi uns barbudos falarem de Portugal a respeito da ruína… Mas, seria mesmo esse o local da fortaleza portuguesa? Seria aí a Santa Cruz do Cabo Gué, fundada em 1505? Quase de certeza que não.
Segundo David Lopes, o “castelo foi edificado à beira mar, em lugar favorável à navegação”, não nos dizendo o historiador se era em local elevado. Diz-nos, isso sim, que dele hoje nada resta, senão o nome “Founti”, dado pelos franceses a uma parte da povoação, e que vem do termo português fonte, “porque aí havia uma muito abundante”. Algumas páginas adiante, porém, fala de um morro, de uns 220 metros, que dominava a povoação. “Os nossos chamavam-lhe o Pico”. Mais afirma, dizendo que “por ele se há-de perder Santa Cruz em 1541”.
Sendo assim, a fortificação portuguesa situar-se-ia num local que é hoje atravessado pela estrada principal e da qual não existem quaisquer vestígios.
Agadir é uma cidade moderna, com hotéis caros e sem almedinas ou mercados referenciadores, num contraste absoluto com as restantes cidades de Marrocos.
No hotel Excelsior paguei 60 dirhams com direito a desconto, e sem insistir muito. Preços flexíveis, num bairro onde abundavam pensões e salas de cinema, uma delas de filmes eróticos. E, claro, os habituais cafés de bairro, onde comi uma razoável “bissara” e assisti aos desafios da La Liga. Afinal, Agadir não era assim tão incaracterística como a pintavam. Os bons recantos, há que buscá-los.
Ainda a propósito do afamado emir saudita, habitual residente, eis o comentário de Etilaoui:
«– É um safado! Aqui está sempre acompanhado por prostitutas de todas as nacionalidades, mas na terra dele apregoa as virtudes do Islão e considera-se muçulmano de primeira, só porque nasceu perto de Meca. Mas que grande hipócrita!».
O palácio que construíra era também, e sobretudo, um investimento para o futuro.
«– Ele sabe que na terra onde vive as coisas podem a qualquer momento virar para o torto. Aqui, ao menos, sabe que está seguro».
Os marroquinos tinham a pior das impressões dos sauditas, talvez pelo facto de estes considerarem as marroquinas mulheres fáceis e, por isso, de desconfiar.
Santa Cruz, o limite da conquista portuguesa em Marrocos, situava-se no Sur, região rica em ouro, prata, cobre, chumbo e sal-gema. Ali também se produziam cereais, cana-de-açúcar, algodão, cera e peles. Artigos que levaram os portugueses a interessarem-se pela região, malgrado a concorrência. Castelhanos, genoveses e franceses moveram influências para que os habitantes locais se posicionassem contra nós, chegando-lhe mesmo a fornecer armas e munições.
Por volta de 1530 começou a assistir-se, no sul de Marrocos, a um movimento religioso liderado pelos xarifes – que se reclamavam (e reclamam ainda) descendentes directos do profeta Maomé. Consta que certos mouros foram-se aconselhar com um chefe religioso da região manifestando-lhe o desejo de o eleger como chefe. Ele recusou, mas sugeriu que visitassem um xarife da região vizinho do Dra, “a quem estava destinado um grande feito”. Chamava-se Alcaime e tinha a seu lado dois filhos: Alaregue e Almadi. O avanço dos auto-denominados defensores da fé (só por isso, tinham a população do lado deles) obrigou a alianças estratégicas entre os portugueses e o rei de Fez, que temia perder o trono para estes “nómadas do sul”, que considerava estrangeiros e mais perigosos que os infiéis cristãos. De nada valeu. Em 1541 os xarifes conquistam a fortaleza de Santa Cruz, dando assim início à dinastia saadiana e obrigando ao aperfeiçoamento da estrutura militar de Mazagão, o último reduto português. Nunca mais haveria paz nas praças-fortes que, uma a uma, se foram perdendo.
Joaquim Magalhães de Castro