Tolerados, controlados, perseguidos, eliminados?
Proliferam informações contraditórias sobre a teoria e a prática da liberdade religiosa na Coreia do Norte. É incontestável a perseguição feroz desencadeada pelas autoridades marxistas desde o fim da II Guerra Mundial. Perseguição que continuou, por vezes inexorável e letal. Hoje, porém, pouco se sabe, ao certo, da situação real dos cristãos, que serão poucos. O que se sabe – e terá de haver alguma reserva – vem de desertores do regime que apontam para um enorme controlo e falta de autêntica liberdade religiosa. O certo é que, ainda hoje, se crê em Deus e se reza na Coreia do Norte.
LIBERDADE RELIGIOSA?
A Constituição da República Popular Democrática da Coreia assegura a liberdade religiosa no artigo 68 do capítulo 5, onde se lê: “O cidadão tem liberdade de crença religiosa. Esse direito é garantido com a permissão de construir edifícios e celebrar cerimónias com fins religiosos. (…)”. O mesmo artigo, porém, adverte para algo importante: “(…) Não se pode aproveitar a religião para introduzir forças estrangeiras ou perturbar a ordem estatal e social”. Dessa forma, não se permite de forma alguma que a religião seja usada como meio de exploração monetária das pessoas nem como instrumento de intervenção estrangeira nos assuntos internos do País.
Além disso, o artigo 66, no mesmo capítulo, ainda ressalta: “Todo o cidadão maior de 17 anos tem direito a eleger e a ser eleito, sem distinção de sexo, nacionalidade, profissão, prazo de residência, propriedade, instrução, filiação partidária, ponto de vista político e crença religiosa (…)”. Esta é a teoria. E a prática?
Muitos exilados norte-coreanos testemunharam a existência de campos de internamento ou reeducação (yodok), isto apesar de o Governo norte-coreano ter negado a sua existência por diversas vezes. Acredita-se que entre 150 mil a duzentas mil pessoas estão presas nestes campos, sujeitas a tortura, homicídio, violação, experiências médicas, trabalhos forçados e abortos, bem como a execuções secretas. Dentro dos campos, as pessoas detidas por razões religiosas têm de sofrer castigos ainda maiores. De acordo com a “Open Doors”, uma organização missionária protestante, a Coreia do Norte está em primeiro lugar no “ranking” mundial em termos de perseguição anticristã. O nacionalismo norte-coreano está enraizado em Ch’ondogyo, uma religião sincrética que mistura Budismo, Taoísmo, Confucionismo, Xamanismo e Cristianismo, que surgiu no século XIX em contraposição às actividades dos missionários cristãos (ocidentais). Na nação, oficialmente ateia, as actividades religiosas de outros grupos são fortemente oprimidas pelo Estado.
A SITUAÇÃO DOS CATÓLICOS E DE OUTROS GRUPOS CRISTÃOS
A perseguição anticristã iniciou-se, na prática, em 1953, depois da divisão da Península em dois Estados. A partir dessa altura, os católicos norte-coreanos começaram a desaparecer, em particular os bispos católicos. Ainda recentemente a Agência FRANCE PRESS assinalou que na Coreia do Norte se considera “crime político” o culto cristão fora dos limites da Associação de Católicos Norte-Coreanos (KCA – instituição dependente do Governo). Por isso, os observadores internacionais consideram que, no que diz respeito à liberdade religiosa dos cristãos, tudo depende da interpretação do artigo 68, capítulo 5.º da Constituição. O Governo intervém duramente sempre que lhe apareça haver alguém fora do seu controlo.
Numa população de quase 25 milhões de pessoas, a fé cristã é considerada, pela maioria esmagadora do povo, “uma religião estrangeira” e uma ameaça ao endeusamento do seu líder.
Antes do reinado da dinastia Kim, no início dos anos de 1900, a capital norte-coreana de Pyongyang era uma fonte de actividade cristã conhecida como a Jerusalém Oriental. No seu auge, três em cada dez habitantes eram cristãos praticantes. Além disso, mais de duas mil igrejas foram construídas na região. Mas aconteceu que no início do regime comunista norte-coreano, o Governo achou que a religião seria o seu principal inimigo. Portanto, começaram a perseguir grupos religiosos de diversas maneiras. Mesmo antes da guerra da Coreia, muitos norte-coreanos, a maioria cristãos, cruzaram a fronteira em busca de liberdade religiosa. Antes e durante a guerra em que milhões de pessoas foram assassinadas, os cristãos foram perseguidos incessantemente. Hoje existem quatro igrejas em Pyongyang toleradas pelo Estado: duas ortodoxas russas, uma católica romana e uma protestante. Porque existem? Alguns consideram que são uma “prova” de que a Coreia do Norte tolera a religião, outros que são apenas uma fachada. Torna-se pois um assunto muito complicado. A Igreja Católica na Coreia do Norte fundou a “Associação de Membros Católicos de Chosun” quando abriu a catedral de Changchung, em 1988. Uma vez construída a catedral de Changchung (em Pyongyang) e também a criação da Associação de Membros Católicos de Chosun, ambas começaram a representar os católicos norte-coreanos. Nos últimos vinte anos, os sacerdotes e católicos do Sul, que visitaram a Coreia do Norte através de vários canais, tiveram a oportunidade de visitar a catedral de Changchung e participar da missa junto dos fiéis norte-coreanos. Alguns deles ficaram impressionados com as missas em que participaram, mas outros suspeitaram e perguntaram: “Será que os norte-coreanos que vêm à missa na catedral de Changchung são os verdadeiros crentes?”. Alguns serão mesmo, acredita-se.
Em 2001, a Coreia do Norte afirmou que havia 38 mil fiéis religiosos: dez mil protestantes, três mil católicos, dez mil budistas e quinze mil cheononistas (seguidores de uma fé sincrética baseada em grande parte no Confucionismo). Porém, o relatório de 2014 da Comissão de Inquérito da ONU, constatou que o regime era culpado de crimes contra a Humanidade e afirmava que “os cristãos estão proibidos de praticar a sua religião e são perseguidos”.
SERÁ QUE UM DIA O CRISTIANISMO VAI RETORNAR À COREIA DO NORTE?
Sim, acredita-se. Não muito em breve, mas lentamente, com a reforma e a abertura da Coreia do Norte. O regime norte-coreano terá que baixar a guarda contra as religiões e os trabalhos de missionários. O Espírito Santo não dorme e é paciente. Lembremos que, como acima ficou dito, a capital da Coreia do Norte, Pyongyang, já foi conhecida como a “Jerusalém do Oriente”.
Antes da Segunda Guerra Mundial, muitos missionários cristãos foram autorizados pelo rei da Coreia, da dinastia Joseon, a difundirem a religião no Século XIX. A cidade passou a ser o centro presbiteriano asiático. Os missionários abandonaram gradualmente a Coreia devido à Segunda Grande Guerra. O quadro foi agravado com a Guerra da Coreia e com a política da dinastia Kim, que até hoje governa a nação. Desde meados do século XIX, diversos missionários cristãos partiram dos Estados Unidos, para tentar converter os coreanos, na época em que a Península da Coreia constituía apenas um só Estado. Até então, os habitantes da região seguiam o Budismo, o Confucionismo e o Xamanismo.
Além de levar a fé cristã, missionários evangélicos e católicos influenciaram de modo marcante a educação, por meio de colégios religiosos, e a intelectualidade. Esses missionários granjearam enorme relevância na Coreia, já que se envolveram activamente nos movimentos de independência, depois da Península ter entrado no domínio do Japão, em 1905. Dos 33 integrantes do movimento de independência Primeiro de Março, dezasseis eram cristãos, sendo que dez deles eram do Norte do País. Na década de 1940, quando uma guerra entre os países aliados contra o Eixo (Japão, Alemanha e Itália) estava iminente, os Estados Unidos retiraram os seus missionários da Coreia dominada pelos japoneses. Hoje, como também já foi referido, há algumas igrejas cristãs, com culto. Em 1988, foi reconstruída uma catedral católica, a igreja de Changchung, na cidade. Essa igreja católica, originalmente, foi construída no Século XIX, e totalmente destruída por um bombardeamento americano durante a Guerra da Coreia (Guerra de Libertação da Pátria) em 1950. Foi então reconstruída segundo a planta e o estilo originais, com doações dos fiéis. Actualmente é a sede da diocese de Pyongyang, que foi estabelecida em 1962. No total, há, teoricamente, cinco dioceses na Coreia do Norte.
O Cristianismo lá esta. O seu futuro virá.
ANDRÉ LAGOS
In Boa Nova – atualidade missionaria