Uma pérola carmelita
Como o próprio nome da rua deixa adivinhar, Rua do Carmo, aqui se encontra um dos conventos mais antigos da bonita e histórica cidade de Aveiro. O Convento do Carmo, que pertenceu à Ordem das Carmelitas Descalças, remonta ao ano de 1620, época em que as Carmelitas, isto é, as Irmãs que seguiram a reforma de Santa Teresa, tomaram como seu o antigo convento.
Da estrutura original, infelizmente, apenas uma igreja existe actualmente. Esta foi suportada por D. Beatriz e Lara e o seu brasão pode ver-se um pouco por todo o Convento do Carmo. O início da construção da igreja remonta a 1628, tendo sido inaugurada quinze anos depois (24 de Abril de 1643, pode ler-se numa placa à entrada, onde ainda consta o nome oficial da mesma, “Igreja do Convento de Nossa Senhora do Carmo dos Padres Carmelitas Descalços de Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz”).
Ao contrário da cidade de Aveiro, conhecida pela construção exuberante e painéis de azulejos soberbos, este convento apresenta linhas austeras e uma decoração religiosa muito contida, apesar de ser de uma beleza extraordinária em alguns aspectos.
De data bem mais recente é a última intervenção que lhe deu um novo átrio, todo em calçada à portuguesa com elaboradas figuras que aludem à história religiosa do local e que lhe dão uma aura mais alegre e actualizada. Aliás, o trabalho calceteiro tornou-se, só por si, um pólo turístico da cidade, que vive da Ria e da Doçaria. Além, claro está, de toda a indústria e ciência que se desenvolve na Universidade de Aveiro.
No pátio interior, entre as muralhas que separam o recinto da rua, foram também colocados bonitos painéis de azulejaria religiosa de criação recente, que ajudam o conjunto no seu todo a contrastar com a austeridade do interior, muito típica da Ordem dos Carmelitas Descalços – esta criada pela Reforma de Santa Teresa.
No interior, formado por três níveis, podemos apreciar diversas obras religiosas de variadas épocas. No piso intermédio é onde se pode encontrar a imagem, em calcário, da Virgem do Carmo com o Menino. Uma obra de arte do Século XVII de estilo conimbricense. O último piso é dominado por uma enorme janela rectangular, ladeada por mais uma das muitas repetições do brasão de armas de D. Beatriz e Lara. Esta senhora foi casada com um membro destacado da família de’ Medici(Pietro de’ Medici), sendo que após a sua morte passou a viver em Aveiro. Como era tradição na época, direccionou a sua fortuna para o auxílio de várias ordens religiosas. A Ordem das Carmelitas Descalças era a sua predilecta, tendo sido contemplada em testamento com verbas e património suficiente para a construção e aquisição de bens necessários à sua subsistência. A dotação foi tão substancial que o “património inicial fora constituído pelo palácio, quintais anexos e duzentos mil réis de juro anual pagos no Almoxarifado de Aveiro. Com este núcleo deu-se início à vida conventual, pois as primeiras freiras, cinco freiras e três noviças, vieram de conventos de Lisboa (Santo Alberto e Santa Teresa, em Carnide) e instalaram-se entre manifestações locais de regozijo, segundo rezam as minuciosas crónicas…”.
A título de curiosidade, sendo Nossa Senhora do Carmo a padroeira da Guarda Nacional República, desde 2016 este corpo militarizado da polícia em Portugal tem-se associado aos festejos no dia 16 de Julho que têm como ponto alto uma procissão que sai da igreja do convento e que é acompanhada pela Guarda de Honra da GNR, enquanto percorre algumas ruas da cidade.
O acesso ao Convento do Carmo não será o mais fácil, mas como referência podemos tomar o Edifício da Segurança Social em Aveiro, um dos mais altos da cidade, e que se localiza entre a Avenida Lourenço Peixinho (a avenida central da capital dos moliceiros) e o convento. A sua localização também não será a ideal para se chegar de carro, dado ser uma das zonas antigas da cidade e o estacionamento é quase inexistente, mas a visita pode ser incluída num passeio pedonal depois de se passear pelos canais da Ria de Aveiro. Seguramente que ao andar pelas ruas e ruelas da cidade o leitor será surpreendido com inúmeros detalhes de arquitectura que constituem um deleite para os olhos.
Nos últimos anos, Aveiro tem apostado na recuperação da sua história ligada à Ria e na requalificação da zona antiga. Antigas fábricas foram transformadas em locais de cultura; alguns edifícios religiosos foram remodelados, segundo a traça original, e devolvidos ao público; as ruas foram melhoradas e realizados outros pequenos detalhes que fazem desta uma urbe a ser visitada, pois tem muito mais do que apenas ovos moles e moliceiros…
Há outros locais de culto em Aveiro que têm igualmente sido recuperados e abertos ao público de cara lavada, o que muito tem contribuído para a diversificação da oferta turística e beneficiado as pessoas que vivem desta actividade.
João Santos Gomes