À procura do diálogo e da concórdia
21 anos depois de São João Paulo II ter visitado o Cazaquistão, um Pontífice regressa ao maior país da Ásia Central. O Papa Francisco vai participar, em meados de Setembro, na sétima edição do Congresso dos Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais. Na capital do Cazaquistão, Nursultan, o Santo Padre deverá reunir-se com o Patriarca de Moscovo e de Toda a Rússia, Cirilo I.
O Papa Francisco esteve reunido, no passado dia 5 de Agosto, com o bispo António Sevriuk, Metropolita de Volokolamsk e número dois da Igreja Ortodoxa Russa. O encontro serviu para preparar a cimeira que vai sentar, em Setembro, à mesma mesa, o Santo Padre e Cirilo I, Patriarca de Moscovo e de Toda a Rússia.
O diálogo entre os líderes da Igreja Católica e da Igreja Ortodoxa Russa prefigura-se como o momento mais significativo da sétima edição do Congresso dos Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais, que irá decorrer no Cazaquistão nos dias 14 e 15 de Setembro.
Tido como um aliado próximo do Presidente da Rússia, Vladimir Putin, Cirilo apoiou desde a primeira hora a invasão da Ucrânia por parte da Rússia. O Patriarca vê o regime de Putin como um baluarte da moral e dos bons costumes contra um Ocidente que considera estar decadente.
O encontro entre a Cúria Romana e o Patriarcado de Moscovo foi o primeiro após o antecessor de António Sevriuk, Hilarion, ter sido afastado em Junho. Abrupta, a decisão indica que o conflito na Ucrânia pode, eventualmente, estar a gerar discórdia na cúpula da Igreja Ortodoxa Russa.
As relações entre o Vaticano e Exarcado de Moscovo estão tensas desde que a guerra começou, em Fevereiro último. O posicionamento de Cirilo fez crispar as relações entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa, após anos de desanuviamento. Em 2016, Francisco tornou-se o primeira Papa a reunir com um líder da Igreja Ortodoxa Russa desde o Grande Cisma de 1054. Os dois responsáveis religiosos tinham um novo encontro agendado para 14 de Junho, em Jerusalém. O Pontífice acabou por cancelar o evento depois de ter consultado as redes diplomáticas do Vaticano.
O apoio do Patriarca de Moscovo à acção belicista da Rússia desencadeou uma rebelião interna que levou ao rompimento das ligações entre algumas Igrejas Ortodoxas locais e a Igreja Ortodoxa Russa.
Criado em 2003, por iniciativa do antigo Presidente cazaque Nursultan Nazarbayev, o Congresso dos Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais tornou-se num dos principais fóruns globais dedicados ao diálogo inter-religioso e é tido como o local ideal para o relançamento das relações entre o Vaticano e o Patriarcado de Moscovo.
O Papa Francisco é o primeiro Pontífice a participar no Congresso, mas a iniciativa atraiu no passado figuras influentes da política internacional, como o Rei Abdullah II da Jordânia e o antigo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o sul-coreano Ban Ki-moon.
O encontro entre o Santo Padre e o líder da Igreja Ortodoxa Russa ainda não foi dado como certo, nem por Roma, nem por Moscovo, mas tanto Francisco como Cirilo já confirmaram a sua presença no referido congresso.
Bulat Sarsenbayev, responsável pela organização cazaque que dinamiza o certame, disse à Imprensa local que Cirilo I já havia confirmado a sua presença no evento. Do lado da Cúria Romana, D. Paul Richard Gallagher, secretário do Vaticano para as relações com os Estados, deixou a entender em Julho que o Papa Francisco poderá encontrar-se com o Patriarca ortodoxo de Moscovo após a cerimónia de abertura e sessão plenária do Congresso, agendada para 14 de Setembro, no Palácio da Paz e da Reconciliação. “Acredito que, se o Patriarca e o Santo Padre viajarem para o Cazaquistão para esta grande conferência das religiões mundiais, haverá, sim, um encontro. Temos de tentar superar as dificuldades e a incompreensões em prol da unidade da Igreja”, indicou o prelado inglês, citado pela Agência ECCLESIA.
OS PASSOS DA MISSÃO NA ÁSIA CENTRAL
A participação de Francisco no Congresso dos Líderes das Regiões Mundiais e Tradicionais pauta o regresso de um Papa ao Cazaquistão, 21 anos depois do Papa São João Paulo II ter visitado o País. O Santo Padre chega a Nursultan ao final da tarde do dia 13 de Setembro e é recebido no mesmo dia no Palácio Presidencial, onde tem encontro marcado com o Presidente da República, Kassym-Jomart Tokaev.
Segue-se, ao início da noite, nova ronda com as autoridades cazaques, com o corpo diplomático acreditado no Cazaquistão e com representantes da sociedade civil na Sala de Concertos Cazaque, onde o Pontífice vai proferir o primeiro de dois discursos que vai efectuar no País. O segundo discurso vai ser feito durante a sessão plenária do Congresso, agendada para a manhã de 14 de Setembro. Antes do início do certame, o Papa irá partilhar um momento de oração em silêncio com os restantes líderes religiosos que participam na edição de 2022.
Durante a parte da tarde, Francisco preside a uma Missa na Praça da Expo. Para a última jornada da visita de dois dias ao Cazaquistão, o Papa realiza um encontro com representantes da Igreja Católica, na Catedral da Mãe de Deus do Perpétuo Socorro, antes da leitura da declaração final e de serem elencadas as declarações do Congresso, no Palácio da Paz e da Reconciliação.
O Congresso dos Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais foi organizado e convocado pela primeira vez a 23 e 24 de Setembro de 2003, pelo então Presidente Nursultan Abishevich Nazarbayev. O primeiro Presidente do Cazaquistão esteve à frente dos destinos do País entre 1990 e 2019, período durante o qual estabeleceu um regime ditatorial considerado pela maioria como bastante repressivo. Originalmente tido como um instrumento de “softpower” dinamizado com o propósito de suavizar a imagem do regime cazaque, o Congresso tornou-se um dos principais fóruns globais no que ao diálogo inter-religioso diz respeito.
De maioria islâmica, o Cazaquistão é um dos países mais diversos do mundo em termos de religião. Para além de muçulmanos, o País alberga comunidades cristãs, judaicas, budistas e tengriistas significativas.
Marco Carvalho com agências
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