CONFLITO NA UCRÂNIA

CONFLITO NA UCRÂNIA

O imediatismo de tudo isto

Tenho desde o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia abstido de fazer comentários ou qualquer tipo de publicações que possam veicular publicamente a minha opinião. Tenho amigos dos dois lados da barricada e nenhum deles considero culpado do que está a acontecer perante os nossos olhos. São todos eles vítimas, tenham ou não uma arma na mão.

Eu, que vivo a pouco mais de mil e 200 quilómetros (760 milhas, mais coisa menos coisa), em linha recta, da fronteira do país invadido, todos os dias penso naqueles que, sem terem qualquer culpa (directamente, indirectamente, ou seja o que for), se vêem forçados a lutar ou a deixar as suas zonas de conforto. É triste o espectáculo que nos chega através das televisões a todo o segundo. É triste o aproveitamento que se faz desta tragédia dos ucranianos e dos russos pelo imediatismo dos canais de televisão.

Ficou-me na memória uma publicação da página do Facebook da CNN Portugal, estação soberbamente dirigida pelo amigo João Fernando Ramos. Questionavam há dias, na referida página, como que antecedendo um dos noticiários principais que iriam transmitir, se “seria este o dia em que Kiev iria ser invadida?”. Uma questão que me deixou de estômago revoltado pelo especulativo da mesma e pelo explorar da eminente tragédia humana que qualquer invasão sempre acarreta. A expectativa da entrada das tropas russas, com a expectável reacção bélica das forças ucranianas e a inevitável perda de vidas, estava a ser explorada como se fosse um jogo de futebol ou uma telenovela.

Acredito que quem o tenha escrito, no mediatismo do correr das notícias da actualidade, o tenha feito sem qualquer sentido de explorar a tragédia. Mas não seria nestas situações que se devia pedir mais contenção aos jornalistas? O seu dever é informar com isenção e rigor, não entrar em especulações ou mediatismos. Foi isso que me ensinaram nos anos em que queimei as pestanas na Escola Superior de Jornalismo e depois nas várias redacções por onde passei e onde tive excelentes mentores.

A guerra, já por si, é um assunto mórbido e triste. Quando a isso juntamos a corrida dos Meios de Comunicação Social ao “share” das audiências sem olhar a meios, começamos a roçar o mais baixo da condição humana.

Felizmente, aqui no Luxemburgo, vou tendo pouco tempo para seguir este assunto nas televisões. A rádio de frequência modulada que aqui se faz, pouca informação nos apresenta. Se por um lado é lamentável, por outro é de louvar!

Acompanhei, por amizade pessoal, a contribuição do António Veladas (antigo jornalista da Antena 1 em Timor-Leste e que está fora do activo noticioso faz alguns anos, infelizmente) na fronteira entre a Roménia e a Ucrânia para a CMTV… Diga-se que foi a medo que comecei a ver este canal de televisão porque a sua fama de excessivo é por demais conhecida; no entanto, o António Veladas, nas suas intervenções feitas em locais onde ninguém ainda tinha pensado ir, foi do melhor que se tem visto na Comunicação Social. O António não foi como enviado especial, apenas aconteceu estar naquela zona quando o conflito eclodiu por motivos pessoais. E, seguindo o chavão de “uma vez jornalista, sempre jornalista”, ofereceu a sua contribuição a este canal de televisão que em boa hora a aceitou. Foram duas semanas ao todo, antes mesmo dos restantes jornalistas decidirem ir de malas e bagagens para a guerra. Deste modo formos logo sendo alertados para a tragédia dos deslocados, antes dela chegar às portas da Europa. Parabéns amigo António pelo excelente trabalho! Pena é que em Portugal haja jornalistas deste calibre sem lugar nas redacções…

A tragédia de quem foge dos conflitos armados, muitas vezes apenas com aquilo que traz vestido, chega agora bem perto dos nossos países, e o Luxemburgo não é excepcão. São, pois, milhares os refugiados que o Grão-Ducado vai recebendo por estes dias. E podem acreditar que apesar de toda a capacidade financeira que lhe é conhecida, o País pouco ou nada está preparado para lidar com a situação. À falta de um fio director, a população vai-se organizando e arranjando formas de alojar os deslocados. Trata-se de pessoas que chegam desesperadas e sem nada. O facto de serem recebidas de braços abertos, terem um tecto e uma refeição quente é já uma dádiva que muitos não irão esquecer.

Mesmo depois de alojadas e melhor nutridas e vestidas, os problemas não irão terminar, dado que o futuro imediato deixa prever muitos desafios. O que irão estas pessoas fazer para sobreviverem num país estranho, onde não falam a língua, não conhecem ninguém, e onde vieram parar por mera “sorte”?

No caso do Luxemburgo, para se ter a mínima noção da dimensão da tragédia, basta passar pela entrada principal dos serviços de migração. É uma linha contínua de pessoas à espera de receberem os papéis temporários que lhes permitam ficar e – quem sabe – encontrarem algum trabalho. Felizmente, por aqui não faltam oportunidades de emprego.

Tenho passado diariamente pelo local e de todas as vezes abrando e penso que a pouco mais de dez horas de viagem, numa linha recta imaginária, decorre mais um conflito injustificável. À semelhança de todos os outros que proliferam pelo mundo, este também poderia ser evitado, se as pessoas se sentassem à mesa e deixassem os interesses obscuros de lado. Este conflito é apenas mais mediático…

É que também não nos podemos esquecer das “guerras” entre etnias da Etiópia, Eritreia e Sudão, ou os conflitos que desde 2011 se arrastam no Iémen, na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos. Ou ainda o conflito entre forças de Moçambique e da Tanzânia, entre tantos outros…

Tudo o que acarrete a perda de vidas humanas, principalmente a morte de civis inocentes, é uma calamidade que merece a atenção de todos nós, devendo a pressão internacional ser cada vez maior para que se consiga chegar a um consenso que leve ao restabelecimento da Paz.

João Santos Gomes

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *