Cismas, Reformas e Divisões na Igreja- LXXXIX

O Relativismo – VI

Muito mais haveria para referir acerca do relativismo. Porque é sem dúvida um dos factores de divisão do mundo de hoje, uma das tendências que tem fragilizado o fenómeno religioso e o sentimento de comunidade, de coesão social e de estratégia até. Hoje em dia, tudo na vida é forrageado pelo relativismo, que se insidia de forma larvar e medra em todos os aspectos que caracterizam a sociedade. Como se viu o relativismo moral torna ainda mais frágeis as relações humanas, a justiça e a liberdade individuais e o sentido colectivo da existência. E afecta o mundo de hoje, quase se podendo dizer que começa a “valer tudo”…

O relativismo moral, na sua disseminação, metamorfoseia-se das mais variadas maneiras. De utilitarismo, de evolucionismo, de existencialismo ou emotivismo, além do incontornável situacionismo.

Todos estas tendências, correntes ou valências, umas mais outras menos, possuem um denominador comum: a moral absoluta não existe e que o “certo” ou “errado” é inteiramente um produto da preferência humana. Não há padrões, mais ou menos fixos, então?

Cremos que as civilizações, até nos centrando mais na modernidade, não podiam ter sido construídas com base no relativismo, principalmente o moral. Como filosofia civilizacional, não chegava. Como se aprovariam leis, e se aplicariam as mesmas, sem padrões fixos de adesão colectiva? Sem valores absolutos e inequívocos, fundamentais? Que o são porque não são relativos, claro… Como haveria lei? Se na sociedade todos agissem como se o certo e o errado fosse puramente uma questão de opinião, de contexto, de situação ou momento, então a sociedade iria seguramente implodir-se em injustiças, logo guerras e logo abusos de poder e oligarquias. Numa cultura moralmente relativista, o único motivo para fazer (ou não) alguma coisa é evitar as consequências das suas autoridades.

Os fins justificam os meios?

É a pergunta que se levanta sempre. Claro que não justificam. Todas as leis humanas envolvem sempre um princípio moral que é aplicado pela ameaça das suas consequências. Ou seja, os limites de velocidade são aplicados na maioria das estradas em boa parte por causa de uma convicção moral de que arriscar a vida das outras pessoas é errado. Como o assassinato, o roubo, o vandalismo, o falso testemunho, a fraude, a corrupção, o perjúrio, etc. Quando o relativismo moral domina, os princípios morais, legítimos, deixam de ser a base dessas leis. Como tudo é relativo, essas leis passam a ser apenas então uma questão de opinião, moldáveis e relativas, e a única razão universal para as seguir é apenas evitar consequências, nada mais. Na prática, este cenário acaba por encorajar os indivíduos a procurarem formas de “se desenrascarem”, pois na verdade (do relativismo) é apenas a opinião de uma pessoa contra a opinião de outra. É tudo relativo… Mas não é, obviamente, nem pode ser.

Retirar um padrão objectivo, fixo e coerente, sério e determinante às leis, ou desligá-las desse padrão, é a antecâmara do caos, o caminho do desastre e da cacofonia histérica. Tudo parece indicar que o relativismo moral torna a sociedade instável, uma vez que os conceitos de certo e errado de repente se podem tornam uma questão de uma opinião popular sempre em mutação, ou pulverizada, e fragmentada, em várias opiniões. Porque é que surgem muitas vezes ditaduras, ou pior que ditaduras, ditadores? Caudilhos, caciques, oligarcas, prepotentes? As mudanças e flutualidade de opinião popular geram as oportunidades para os “piores” tomarem rédeas, o poder. Estes, normalmente, não vêem nenhuma autoridade como superior ou melhor que a sua, além de que não há leis mais restritivas do que as suas próprias leis, afinal as melhores (!?). E impõem-se de forma absoluta, diga-se! Como aconteceu em Nuremberga, nos julgamentos após a Segunda Guerra Mundial. Os réus nazis proclamavam inocência, ou rogavam a absolvição para os actos de que os acusavam. Estribavam-se no facto de que estavam apenas a seguir as leis da Alemanha, da sua terra e do regime de então. Perante estes argumentos que desesperam o mais tolerante dos juízes, um dos magistrados perguntou: “mas não existe então uma lei maior que a nossa lei?” Qualquer defensor do relativismo moral responderia: “não”, não existe.

Tudo isto é o pior resultado possível do caos e da fragmentação de opinião, porque sem padrão ou princípios medulares. As alterações e volubilidades na opinião relativa abrem brechas aos oportunistas, na política, na sociedade, na religião, nas instituições. Daí o grito de alerta de Papas, de teólogos, de filósofos e figuras importantes na formação de decisão e opinião. A luta dos últimos Papas, ou principalmente desde o Concílio Vaticano II contra o relativismo, é uma das maiores e legitimadas cruzadas da Igreja nos últimos séculos. Mas poucos têm lido acções, reflexões e documentos pontifícios no sentido de uma luta implacável contra o relativismo. Mais que uma luta religiosa, dir-se-ia, no bom sentido, é uma luta da e pela civilização!

O relativismo é, por si, autodestrutivo. É natural que deva haver um padrão pelo qual possamos comparar dois tipos de afirmações morais para ponderar e determinar qual é a “mais correcta”. O relativismo moral nega a existência dessa norma, além de refutar tais comparações, que considera impossíveis. Assim, a condenação de quaisquer acções a partir de um ponto de vista baseado no relativismo moral é logo difícil, ou até mesmo impossível. Ora, eis um problema de carácter prático do relativismo. Quando o certo e errado são relegados a uma questão de opinião, quando passam a ser subjectivos, falar sobre moralidade é complicado e pode resultar em contradição. Sem catastrofismos ou dramatismos, o mundo de hoje pende para este tipo de relativização.

É curioso que os relativistas morais acabam, sem o perceberem muito bem, a promover a tolerância como um conceito moral universal. Absoluto, diríamos. O bem e o mal, o certo e o errado, entre outras categorias de valores, são relativos ou próprios de cada cultura. E o que faz parte de cada cultura não pode ser moralmente julgado por quem não pertence a esse grupo, defendem os relativistas. Ao mesmo tempo que referem que não há conjuntos de valores morais e directrizes que sejam superiores a outros. O relativismo moral defende que o “bem” radica no que é “socialmente aprovado” e o mal no que é também “socialmente reprovado” numa determinada cultura. Os princípios morais, na realidade, descrevem convenções sociais e devem ser baseados nas experiências e normas compartilhadas pela sociedade analisada.

Bento XVI considerava o relativismo como a principal causa da crise que assola a Europa. «Se a verdade não existe para o homem, então muito menos ele pode distinguir entre o bem e o mal», afirmou o Papa alemão…

Vítor Teixeira 

 Universidade Católica Portuguesa

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