A Maçonaria e a Igreja Católica – II
Quase trezentos anos após a primeira condenação, de 1738, a posição da Igreja Católica não mudou muito em relação à Maçonaria. Como veremos, a razão essencial da última condenação (23 de Novembro de 1983) continua a ser a mesma: a inconciliabilidade entre a afirmação sincera e plena da fé católica e o relativismo que parece ocultar-se atrás do universo simbólico maçónico. Mas muitas foram as condenações desde o século XVIII, da Igreja Católica à Maçonaria Moderna, ou “especulativa”, por mais tentativas de contacto e aproximação perpetradas, mas sem sucesso.
Após as Constituições Apostólicas de Clemente XII (1738) e de Bento XIV (1751), durante o resto do século XVIII, não há outro documento pontifício de condenação solene da sociedade maçónica. Mas na realidade quotidiana e no mundo cristão a desconfiança e a crítica à Maçonaria eram crescentes.
No século XIX multiplicam-se os documentos papais de condenação. O século XIX é o “século das sociedades secretas” ou o “século das seitas”, e a Maçonaria passou a ser considerada, nos meios vaticanos, como uma a mais, senão a mais importante, entre elas. Assim, a Constituição Apostólica “Ecclesiam a lesu Christo” (13 de Setembro de 1821), do Papa Pio VII, condenou de forma especial a Carbonária, uma grande loja maçónica – muito importante em Portugal, por exemplo. Esta condenação da Carbonária foi, todavia, geralmente interpretada como visando indirectamente a Maçonaria no seu todo, dado que citava explicitamente as bulas de Clemente XII e de Bento XIV.
Também Leão XII, na Constituição Apostólica “Quo graviora”, de 13 de Maio de 1825, condenaria genericamente todas as sociedades secretas. Precisamente nesse documento aparece, pela primeira vez, a formulação que passará para o Código de Direito Canónico: a de considerar a Maçonaria como uma sociedade que tem como finalidade “maquinar” (ou seja, conspirar) contra a Igreja e os legítimos poderes do Estado. Cada vez mais o caminho de algum entendimento se tornava difícil e escuso.
Relações difíceis…
De Pio IX a Leão XIII, ou seja, de 1846 a 1903, encontramos pelo menos 350 intervenções papais contra a Maçonaria. Praticamente todas elas vêem nas suas Lojas uma espécie de conspiração contra a Igreja e os regimes monárquicos, portanto motivos religiosos, mas também políticos. A “aliança entre o trono e o altar” não era, naqueles tempos, um mito, mas uma realidade muito concreta, muito à custa dos desvios galicanistas setecentistas. Por outro lado, o chamado “liberalismo doutrinário” representava uma espécie de desenvolvimento lógico das teses iluministas, com as quais a Maçonaria se identificara no século anterior e que assumia nos seus ideais cada vez mais.
Nos países latinos, onde a religião católica era a oficial do Estado, muitas das teses liberais vão chocar não apenas com uma situação de facto, mas com a própria concepção do Estado e da Sociedade, defendida pela Filosofia e a Teologia neo-escolásticas. A separação entre a Igreja e o Estado, e a proclamação da liberdade de consciência, com a consequente secularização da vida social, propugnadas pelos liberais, aparecem, naquela época, aos olhos de muitos católicos como acções diretamente dirigidas contra a Igreja Católica e contra os legítimos poderes constituídos. Daí as repetidas condenações da Maçonaria, que era vista como grande defensora e activista dessa separação. Além que por isso surgiu também a chamada teoria conspiratória maçónica contra a Igreja, que surge exposta na encíclica “Humanum Genus”, de Leão XIII.
Depois virá a incompatibilidade jurídica e formal. Em 1917, com efeito, foi promulgado o primeiro Código de Direito Canónico. Aí foi plasmada a proibição da filiação de católicos à Maçonaria, com a mesma motivação tradicional: “os que dão seu nome à seita maçónica ou a outras associações, que maquinam contra a Igreja ou contra os legítimos poderes civis, incorrem, pelo próprio facto, em excomunhão simplesmente reservada à Sé Apostólica” (cânone 1335). O Código estabelecia uma presunção de direito: a acção conspiratória (“maquinação”) contra a Igreja e o Estado seria algo intrínseco à Maçonaria, que não precisaria de ser comprovado na prática. Para os clérigos maçons, prescrevia-se, por exemplo, uma série de suspensões e privações, além de se impor a obrigação de denunciá-los ao Santo Ofício.
De acordo com o mesmo Código, os fiéis que se inscrevessem na Maçonaria não podiam ser admitidos validamente ao noviciado num Instituto Religioso, nem ser inscritos numa associação de fiéis, além de não poderem exercer o encargo de padrinho de Baptismo ou de Crisma; ficavam, também, privados da sepultura eclesiástica e de qualquer missa exequial, assim como dos direitos de padroado que, eventualmente, possuíssem. Os demais fiéis eram exortados a não contrair matrimónio com maçons. Numa palavra, a legislação canónica de 1917 indicava muito claramente uma absoluta incompatibilidade entre a Maçonaria e a Igreja Católica.
Em nenhum país a luta foi tão violenta como na França; e em nenhum país mais do que na França, as lojas maçónicas reuniram, no seu seio, uma quantidade tão grande de “livre-pensadores”. Em 1877 o Grande Oriente da França riscou dos seus estatutos e documentos o nome do Grande Arquitecto do Universo. Depois, acabou por suprimir todas as referências religiosas e inclinou-se claramente para o ateísmo. A mesma tendência foi seguida pelos Grandes Orientes da Bélgica, da Espanha, da Itália e, em parte, dos países latino-americanos, embora nem todos tenham chegado aos extremos do ramo francês. Ao longo dos séculos XIX e XX muitas foram as contendas, condenações da Igreja e também tentativas de se chegar a algum acordo.
O último documento oficial de referência é a Declaração sobre a Maçonaria, assinado pelo então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal D. Joseph Ratzinger, depois Papa Bento XVI, em 26 de Novembro de 1983. O texto afirma que permanece imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçónicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas. Os fiéis que pertencem às associações maçónicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão.
Em 2007 o Vaticano, através do regente do Tribunal da Penitenciária Apostólica, o bispo D. Gianfranco Girotti, lembrou que “a Igreja sempre criticou as concepções e a filosofia da maçonaria, considerando-as incompatíveis com a fé católica”. A condenação da Igreja mantém-se, como se mantém o afastamento entre as duas instituições. As características essenciais da Maçonaria, apesar de filantrópicas e humanistas, são as mesmas, ou seja, assentam no secretismo, o que alimenta a incompatibilidade histórica entre ambas as instituições.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa