Que se passa no paralelo 38?

Após um clima amistoso e sorridente entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, durante os jogos de Inverno que se disputaram neste ultimo país, ainda oficialmente em guerra com o primeiro, o mundo ficou deveras surpreendido com as manchetes dos jornais internacionais a anunciarem a paz entre as duas Coreias e a súbita disposição do Presidente da Coreia do Norte em desnuclearizar a península coreana.

Depois de sucessivas ameaças e provocações com mísseis e testes nucleares, por parte do líder norte-coreano Kim Jong-Un, das declarações pré-guerra de Donald Trump e do medo provocado à população mundial pela iminência de um conflito nuclear em larga escala, a situação de repente parece ter-se virado para “beijos e abraços” entre as partes antes em conflito, levantando dúvidas sobre as suas verdadeiras intenções ou se toda a retórica belicista anterior não passava da orquestração de um grande “bluff”, destinado a atingir este fim.

Embora aplaudindo, mas hesitantes sobre a natureza deste desfecho, estamos todos (inclusivamente o Presidente americano) na expectativa do que vai acontecer. No entanto, talvez o conhecimento de parte da história das duas Coreias e das pressões e influências externas a que estiveram sujeitas em diferentes conjunturas, nos possa clarificar um pouco sobre o resultado a que se chegou agora.

Em 1948, após a Segunda Guerra Mundial, essa linha imaginária a que chamamos Paralelo 38 deu lugar a uma zona desmilitarizada com quatro quilómetros de largura e 238 quilómetros de comprimento, que divide a península coreana aproximadamente ao meio e passou a ser a fronteira entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. Assim, com a rendição e retirada das tropas japonesas que ocupavam a península desde 1910, o Norte passou a ser aliado dos soviéticos, enquanto o Sul ficou sob a influência norte-americana. Esta divisão nunca mais deixou de gerar conflitos entre as duas Coreias.

Após várias tentativas para derrubar o Governo da Coreia do Sul, em Junho de 1950 os coreanos do Norte invadem a Coreia do Sul, tendo até conquistado a capital Seul. Essa guerra, a que se chamou Guerra da Coreia, acontece num período histórico (50/53) de grande disputa entre as duas super-potências de então, Estados Unidos e União Soviética, sendo que os primeiros entram na guerra ao lado da Coreia do Sul, enquanto a China, aliada da União Soviética, apoiou com tropas a Coreia do Norte. Tudo terminou com a assinatura de um armistício, embora não tenha sido assinado nenhum tratado de paz entre as partes.

Por outro lado, a Coreia do Norte, cuja capital é Pyongyang e faz fronteira terrestre apenas com a China, Rússia e Coreia do Sul, tem vivido ao longo destes últimos setenta anos num enorme isolamento externo e governada por uma dinastia de dirigentes autocráticos (a dinastia dos Kim), hostilizando permanentemente os Estados Unidos e seus aliados sul-coreanos, a quem responsabilizam por terem quebrado a unidade da Coreia e por todas as dificuldades porque têm passado.

A ditadura da “dinastia Kim”, que dirige a Coreia do Norte e que já vai na terceira geração, tem sempre mantido um elevado culto da personalidade, de secretismo e hostilidade, governando o País inspirado no modelo estalinista da antiga União Soviética e privilegiando o desenvolvimento do seu sector militar.

Kim Jong-Un, o actual jovem ditador norte-coreano de 35 anos, que sucedeu a seu pai Kim Jong-il e que é neto de Kim Il-Sung, talvez por considerar as sanções contra o seu país irrelevantes, face à ajuda do seu parceiro comercial chinês, e porventura seduzido pela atitude do seu pai quando, em 2003, retirou o País do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e iniciou as actividades de enriquecimento de urânio, decidiu provocar o seu eterno rival (os Estados Unidos), tentando colocar-se ao mesmo nível militar e jogando uma aventureira e arriscada partida de “poker”. Mas não teve em conta que os actuais equilíbrios de poder e o posicionamento dos seus aliados, Rússia e China, no mundo de hoje, diferem substancialmente dos anos 50.

A Rússia, preocupada em manter uma imagem desanuviadora na cena internacional depois da anexação da Crimeia, começou a mostrar-se indignada com as declarações provocatórias de Trump mas, ao mesmo tempo, a condenar as atitudes desafiadoras da Coreia do Norte.

A China, o maior parceiro comercial da Coreia do Norte, que compra 82 por cento das suas exportações e que é responsável por 85 por cento dos produtos importados pela Coreia do Norte, depois das últimas experiências nucleares de Pyongyang e com as responsabilidades que agora detém um pouco por todo o mundo, começou a reconsiderar o tipo de aliança que mantinha com o regime norte-coreano, submetendo-o às pressões que a sua excepcional posição comercial, militar e política poderia ocasionar.

Por isso tenho poucas dúvidas de que o apaziguamento que hoje se vive entre as duas Coreias, com a Coreia do Norte a encerrar o seu centro de testes nucleares e juntamente com o seu homólogo da Coreia do Sul a decidir desnuclearizar a península coreana, se deva às ameaças de Trump, que apenas acirrou ódios antigos, ou às sanções ocidentais contra Kim Jong-Un.

Se tudo isto se concretizar, a China, esse gigante asiático de diplomacia prudente, mostrou, mais uma vez, a sua capacidade de intervenção em favor da paz. Veremos como se mostra no “próximo” caso do Irão….

LUIS BARREIRA

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