Cismas, Reformas e Divisões na Igreja – LVIII

O Iluminados

Mais famosos sob a designação de “Illuminati”, os Iluminados que hoje aqui tratamos são o grupo mais importante que despontou com este nome. Também conhecidos como Iluminados da Baviera, em ordem à região onde surgiram, em 1 de Maio de 1776, eram uma sociedade secreta aparecida no contexto do Iluminismo. A Sociedade foi fundada por Adam Weishaupt, católico de formação, mas cedo apaixonado por orientações mais libertárias. De referir que dos vários grupos que surgiram sob esta designação, efémeros ou restritos, sem rasto, muitos serão provavelmente fictícios, não deixando de alimentar anacronicamente o imaginário de tempos vindouros.

Weishaupt nasceu na Baviera, no Sul da Alemanha, em 1748, filho de pais oriundos da Westfália, esta uma região mais a norte. Educado na infância numa escola dirigida por jesuítas, acabou por receber a influência do seu avô, um livre pensador, director de uma escola secundária em Ickstatt, não longe de Ingolstadt, terra natal de Weishaupt. O jovem, orientado pelo avô, acabaria por estudar Direito na Universidade de Ingolstadt, onde ficaria como docente de Direito Civil, a partir de 1772. Este cargo deve-o aos bons ofícios do avô. Weishaupt foi também o primeiro leigo a ensinar Direito Canónico naquela universidade bávara, a partir de 1773.

A sua influência racionalista sobre os estudantes era bastante pronunciada, quer através da formação académica, quer na relação que com eles mantinha. Por isso, os conflitos com os docentes e estudantes mais próximos da Igreja Católica eram frequentes, bem como com os que estavam mais ligados aos poderes e ao Governo. A sua personalidade e convicções puseram-no em conflito constante com quase todos os que não comungavam das suas ideias mais “livres” e racionalistas. Por isso, concebia cada vez mais a urgência na criação de uma sociedade secreta poderosa, na qual se respaldasse nos seus conflitos com os seus oponentes, que eram cada vez mais. Pretendia também através dessa sociedade secreta executar as suas acções e cumprir os seus desígnios racionalistas, tanto na esfera política como na eclesiástica.

 

A sociedade secreta

Em 1774, na mira desses intentos, aproximou-se da Maçonaria. Mas quanto mais conhecia esta sociedade, mais desapontado se sentia, mostrando-se arrependido. Por isso, decidiu-se a fundar uma nova sociedade, onde o secretismo fosse absoluto, ou maior. Onde pudesse realizar os seus intentos e conseguisse que a mesma estivesse sempre adaptada aos tempos e vicissitudes dos locais onde se implantasse e não ficasse um anacronismo ou um fóssil. Preconizava também uma estrutura funcional, com graus, cerimónias e estatutos em desenvolvimento gradual, baseados na natureza humana, na experiência e observação. Assim, acreditava ampliar o conhecimento, além da cooperação entre todos os membros, essencial para melhorar o cumprimento dos objectivos. A Maçonaria foi um modelo, em termos de graus e cerimonial. Mas agora, para Weishaupt, uma organização estritamente hierarquizada, seguindo o modelo da Companhia de Jesus, embora com distorções desta. Para atingir bons propósitos, tem que se usar todos os meios que a Companhia de Jesus empregou com fins malignos… Assim almejava Weishaupt, grande defensor também do despotismo dos superiores, que achava essencial, a par da cega e incondicional obediência dos subordinados. Tudo isto deveria ser envolvido em máximo secretismo e absoluto mistério… Em 1776 nascia, embora mais de forma teórica que institucional.

A Weishaupt faltava a experiência mundana, sendo mais um teórico e um “rato” de bibliotecas, sagaz, porém, e agitador. Quando frequentava a Maçonaria, procurou impor os seus propósitos aos demais membros, mas sem muito sucesso. Mas era pouco prático… Dentro dessa sociedade começou a congeminar a partir de 1780 os seus projectos de criar o grupo que idealizara. Filósofo e jurista, Weishaupt estribou-se num maçom chamado Freiherr von Knigge (Philo), este hábil e experiente, bem relacionado nos meios maçónicos. Tudo mudou para Weishaupt. Philo desenhou os graus e estatutos da Sociedade fundada em 1776, lutando para ampliar a “ordem”, atingindo os 500 membros em pouco tempo. Em 1782 levaram a efeito a grande convenção da Maçonaria Livre, em Willelmsbad. Era a “Maçonaria Livre Iluminada”, a única “pura”, como defendia o duo Weishaupt e Knigge (Philo).

A reputação estava em grande. As adesões também, como a de Bode (Amelius), um maçom famoso que atraiu ainda mais membros. Este trio tudo fez para converter toda a Maçonaria em “Iluminada”. Eram chamados cada vez mais de Iluminados (“Illuminati”), congregando-se também mais membros, ilustres e proeminentes. Goethe, Herder, por exemplo, entre membros também da alta aristocracia germânica, aderiram aos Iluminados da Baviera. A Ordem atingiu ainda a Suécia, a Rússia, a Dinamarca, a Polónia, a Hungria, a Áustria e a França.

Mas o pedantismo intelectual e teórico de Weishaupt não permitia a unidade na cúpula da Sociedade. Knigge (Philo) rapidamente entrou em colisão com Weishaupt. Retirou-se em 1784, depois de um desentendimento com Weishaupt, a quem considerava tirano e ofensivo, além de o acusar de jesuitismo… Suspeitava-se mesmo que Weishaupt era um “jesuíta encoberto”, disfarçado, algo que nunca se provou, mas as desconfianças eram imensas… e Weishaupt nunca desmentira cabalmente também.

As tendências anarquistas eram também imputadas aos Iluminados, com denúncias públicas que levaram à actuação do Governo da Baviera em 1784. Sucessivas proclamas foram emitidas contra a Sociedade, cada vez mais apertada pelo Governo. A última proclama, de Agosto de 1787, proibiria mesmo o recrutamento de novos membros, sob pena de morte… A publicação, um ano antes, dos graus e de outros documentos internos dos Iluminados comprometeria ainda mais a instituição, forçando a última proclama. Assim, a existência da Sociedade terminava na Baviera, sem condições também para subsistir fora daquele território. Pio V condenara também a Ordem, em cartas dirigidas ao bispo de Freising, em 1785.

Mas a perseguição na Baviera não impediu a propagação do espírito e filosofia dos Iluminados, coincidente que era com os princípios do Iluminismo, particularmente na França. Weishaupt refugiou-se em Gotha, depois de sair da terra natal, Ingolstadt. Em 1787 renunciou a qualquer conexão com qualquer sociedade secreta. A sua aproximação à Igreja era um facto, além de ter uma família numerosa para sustentar, tornando-se mais contido na sua verve. Faleceu em 1830, reconciliado com a Igreja Católica, a mesma que tanto condenara quando era um jovem professor. Longe iam os ideais de secretismo e sacerdócio dos Iluminados, da sementeira de ideais do Iluminismo e da caridade, da fraternidade universal e da tolerância, enfim de reforma do Cristianismo e do homem, bebendo na fonte da Razão. Uma nova religião popular e uma democracia universal, defendiam os Iluminados….

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

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